Antes do furacão Katrina, que destruiu as instalações do Instituto de Estudos sobre Mamíferos Marinhos do Mississipi, nos Estados Unidos, havia um golfinho fêmea, chamada Kelly, que se tornou merecedora de uma tremenda reputação no local. Todos os golfinhos do instituto eram treinados para recolher qualquer lixo ou detrito que caísse em seus tanques até que encontrassem um treinador, quando podiam trocar o resíduo por peixe. Dessa forma, os golfinhos ajudavam a manter suas piscinas limpas e permitiam que os pesquisadores aprendessem sobre seu comportamento no processo. |
Kelly levou essa tarefa um nível mais elevado. Quando as pessoas jogavam papel na água, ela o escondia debaixo de uma pedra no fundo da piscina. A próxima vez que um treinador passava, ela descia até a pedra e arrancava um pedaço do papel para dar a ele. Depois de uma recompensa de peixe, ela descia, arrancava outro pedaço, pegava outro peixe e assim por diante.
Esse comportamento é interessante porque mostrava que Kelly tinha uma noção de futuro e de gratificação para mais tarde. Ademais, ela percebeu que um pedaço grande de papel merecia a mesma recompensa que um pedaço pequeno e, portanto, entregava apenas pedaços pequenos para manter a comida extra. Com efeito, ela treinava seus humanos.
Sua astúcia não parou por aí. Um dia, quando uma gaivota se aproximou da margem para comer um pedaço de peixe que boiava na sua piscina, ela a abocanhou, esperou pelos tratadores e depois deu a eles. Era um pássaro grande e, portanto, os cuidadores lhe deram muitos peixes.
Isso deu a Kelly uma nova perspectiva. Na próxima vez em que foi alimentada, em vez de comer o último peixe, levou-o para o fundo da piscina e escondeu-o sob a rocha onde estava escondendo o papel. Quando nenhum treinador estava presente, ela trazia o peixe para a superfície e o usava para atrair as gaivotas, que ela pegava para ganhar ainda mais peixes. Depois de dominar essa estratégia lucrativa, Kelly ensinou seu filhote, que, por sua vez, ensinou outros filhotes, e a isca para gaivotas se tornou uma coisa normal entre os golfinhos.
De fato, os golfinhos inventaram uma série de estratégias alimentares que mais do que coincidem com a diversidade de habitats em que vivem. Em um estuário ao largo da costa do Brasil, golfinhos tucuxi são vistos regularmente capturando peixes com pancadas de sua cauda ou criando redes de lema. Os golfinhos de Peale no Estreito de Magalhães, ao lado da Patagônia, forrageiam leitos de algas, usam as algas marinhas para disfarçar sua abordagem e interrompem a rota de fuga dos peixes. Em Santa Catarina, certos golfinhos e seus filhotes seguem barcos de camarão. Os golfinhos nadam nas redes de camarão para pegar peixes vivos e depois se esquivam novamente, uma habilidade que exige experiência para evitar o emaranhamento nas redes de pesca.
Os golfinhos também podem usar ferramentas para resolver problemas. Os cientistas observaram um golfinho persuadindo uma moreia relutante na fenda, matando um peixe escorpião e usando seu corpo espinhoso para cutucá-la. Na costa oeste da Austrália, os golfinhos colocam esponjas sobre o focinho, o que os protege dos espinhos dos peixes-pedra e das arraias, enquanto procuram comida no fundo do mar.
A capacidade de um golfinho de inventar novos comportamentos foi posta à prova em um experimento famoso da renomada especialista em golfinhos Karen Pryor. Dois golfinho-de-dentes-rugosos eram recompensados sempre que apresentavam um novo comportamento. Foram necessários apenas alguns testes para os dois perceberem o que era necessário.
Um estudo semelhante foi realizado com humanos, que demoraram mais tempo para perceber no que estavam sendo treinados do que os golfinhos. Tanto para os golfinhos quanto para os humanos, houve um período de frustração (até raiva, nos humanos) antes que "percebessem" o que estava acontecendo. Uma vez que descobriram, os humanos expressaram grande alívio, enquanto os golfinhos nadaram excitados pelo tanque, exibindo comportamentos cada vez mais novos.
Os golfinhos aprendem rápido. Os filhotes ficam com as mães por vários anos, permitindo que o tempo e a oportunidade de aprendizado extensivo ocorram, principalmente por imitação. Em um parque aquático, uma pessoa parada diante da janela da piscina notou que um filhote de golfinho o observava. Quando ele soltou uma baforada de fumaça do cigarro, o golfinho imediatamente nadou até a mãe, voltou e soltou um bocado de leite, causando um efeito semelhante ao da fumaça do cigarro. Outro golfinho imitava a raspagem da janela de observação da piscina por um mergulhador, copiando até o som da válvula de demanda de ar do equipamento de mergulho, enquanto libera um fluxo de bolhas de sua bolha.
Muitas espécies vivem em sociedades complexas. Para se encaixar, os jovens golfinhos precisam aprender sobre as convenções e regras da sociedade, trabalho em equipe e quem é quem no grupo. Para esses golfinhos, a brincadeira oferece uma oportunidade ideal para aprender sobre relacionamentos de uma maneira relativamente não ameaçadora, por isso não é incomum ver grupos de golfinhos machos jovens se comportando como garotos adolescentes barulhentos.
Os golfinhos constroem gradualmente uma rede de relacionamentos, desde o forte vínculo entre mãe e filhote até amizades casuais com outros membros da comunidade. O biólogo marinho Randall Wells e sua equipe foram os primeiros a perceber que os golfinhos machos adultos tendem a sair em pares, e sua motivação para agrupar ou emparelhar ainda está em estudo, mas pode envolver benefícios ecológicos e/ou reprodutivos.
Golfinhos também podem formar bandos de desajustados. Richard Connor e sua equipe em Shark Bay, Austrália Ocidental, descobriram um grupo de 14 animais que era uma força a ser vencida. Nos três anos em que foi estudado, o grupo nunca perdeu uma luta. Esses grupos inclusive se juntam para ficarem chapados com veneno de baiacu.
Para acompanhar as muitas relações diferentes dentro de um grande grupo social, ajuda a ter um sistema de comunicação eficiente. Os golfinhos usam uma variedade de cliques e assobios para manter contato. Algumas espécies têm um apito próprio, que, como um nome, é um som único que permite que outros golfinhos o identifiquem ou o chamem.
Os golfinhos também se comunicam usando posturas de toque e corpo. Por definição humana, atualmente não há evidências de que os golfinhos tenham uma linguagem. Mas mal começamos a gravar todos os seus sons e sinais corporais e muito menos tentar decifrá-los. No Laboratório Marítimo da Bacia Kewalo, no Havaí, Lou Herman e sua equipe começaram a testar a capacidade de um golfinho de compreender nossa língua. Eles desenvolveram uma linguagem de sinais para se comunicar com os golfinhos, e os resultados foram notáveis.
Os golfinhos não apenas entendem o significado das palavras individuais, mas também o significado da ordem das palavras em uma frase. Um de seus golfinhos mais famosos, Akeakamai, aprendeu um vocabulário de mais de 60 palavras e podia entender mais de 2.000 frases.
Ademais, os golfinhos não apenas reconhecem suas imagens no espelho, mas também podem assistir TV. Os chimpanzés treinados em idiomas só aprenderam a responder adequadamente às telas da TV após um longo período de treinamento. Em contraste, os golfinhos respondem apropriadamente desde a primeira vez em que são expostos à televisão.
A verdade é que há muito a aprender sobre esses animais fantásticos, mas a partir das evidências que temos até agora, parece que os golfinhos realmente merecem sua reputação de serem altamente inteligentes.
Ah... Kelly e mais trezes amigos, que viviam no Instituto de Estudos sobre Mamíferos Marinhos, destruído pelo Katrina, foram resgatados e transladados para o Dolphin Cay, um centro de vida marinha em Atlantis, nas Bahamas.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários