Postagens divulgando os efeitos curativos da cinchona circularam recentemente nas redes sociais, com a informação que a casca desta árvore natural da região tropical da América do Sul pode combater o novo coronavírus. Como assim? A politização da cloroquina e hidroxicloroquina colocou o medicamento nas manchetes de todo o mundo como um possível tratamento para a covid-19 e ocorre que a cloroquina tem como base as propriedades da cinchona (quinina). Este artigo explica. |
Fontes alternativas
O público prestou maior atenção a esses medicamentos desde que os presidentes Bolsonaro e Donald Trump mencionaram seus resultados "promissores" no tratamento da doença. Como o medicamento deixou de ser de venda livre e agora necessita prescrição médica (que é retida pela farmácia), além do estoque ser relativamente pequeno, há interesse em fontes alternativas, e a casca de cinchona está sendo anunciada como uma.
Embora, apesar de quase um século de uso, os cientistas ainda não entendem muito bem como funcionam as propriedades antimaláricas da cloroquina, que também é prescrita para lúpus e artrite reumatóide.
Associação equivocada
As diferentes estruturas químicas da quinina e cloroquina.
A maioria das pessoas não teria ouvido falar desses medicamentos, se não fosse pelas notícias recentes sobre pesquisas que sugerem que eles podem inibir a capacidade do novo coronavírus infectar células, sobretudo depois que dois médicos brasileiros confessaram ter usado a cloroquina em seu tratamento de covid-19.
Com efeito, alguns cientistas manifestaram preocupação com a qualidade dos ensaios feitos, sem muito rigor científico, até o momento, e as evidências da eficácia da cloroquina ainda são frágeis.
No entanto, não demorou para que alguém fizesse a associação entre o composto antimalárico e o pó da casca de cinchona, como fonte natural ou alternativa de cloroquina.
Água Tônica é apenas refrigerante
Como o quinino da casca de cinchona é um ingrediente da água tônica, houve rumores de que a água ou drinques como Gin Tônica também podem proteger contra o SARS-CoV-2.
Nós já reportamos como essa bebida, no passado, foi utilizada como medicamento para combater à malária, mas hoje, a água tônica não possui nenhuma propriedade medicamentosa; é apenas um refrigerante, com uma quantidade de quinina insignificante, que ademais não é a mesma molécula da cloroquina.
Cinchona, quinino e cloroquina
Desde a sua descoberta no século XVII, a casca da cinchona andina e seus compostos químicos, conhecidos como alcalóides da quinolina (quinino, quinidina, cinchonina e cinchonidina), foram a base do único tratamento para a malária por mais de 300 anos. No entanto, em 1934, os cientistas desenvolveram o primeiro antimalárico sintético, mais tarde conhecido como "cloroquina".
Embora a cloroquina tenha sido inspirada pela atividade antimalárica do quinino, sua estrutura química e propriedades farmacológicas são bastante diferentes dos compostos naturais encontrados na casca de cinchona.
Até o momento, não há evidências laboratoriais ou clínicas de que o quinino ou qualquer outro composto da casca de cinchona exibam atividade contra a covid-19. Além disso, nem tudo o que é natural é seguro. A cinchona e o quinino são tóxicos e podem causar sérios efeitos colaterais conhecidos como "cinconismo", que podem incluir distúrbios no sistema nervoso central, com perda de audição e visão, problemas respiratórios, cardíacos e renais. Também pode levar a um coma.
Lucro pandêmico
A história está cheia de exemplos de pessoas inescrupulosas que lucram com o pânico e o medo do público em tempos instáveis. A Interpol, em cooperação com a Europol, coordenou uma operação entre os dias 3 e 10 de março, que apreendeu 48.000 embalagens de produtos farmacêuticos potencialmente perigosos, incluindo cloroquina não autorizada, além de máscaras falsas e medicamentos falsos para o coronavírus.
Os benefícios, se houver, da cloroquina no tratamento do covid-19 ainda não são totalmente compreendidos, mas a casca de cinchona não contém nenhum desses compostos e seus alcaloides não têm relação com eles. Da mesma forma, não há evidências de que a cinchona seja capaz de prevenir ou tratar a doença.
Mas e a cloroquina?
Na Índia o fármaco está liberado para uso contra o SARS-CoV-2. No Brasil e Estados Unidos está sendo ministrado para pacientes com casos graves e emergenciais, respectivamente.
Uma reposta mais contundente sobre a eficiência da cloroquina deve chegar no próximo dia 15 da mão de um estudo que está sendo feito em Barcelona, Espanha, chamado profilaxia de pós-exposição (PEP), que compreende o uso de uma droga combinada para o HIV darunavir / cobicistat para pessoas com sintomas positivos para covid-19. Qualquer pessoa que tenha passado mais de 15 minutos com eles nos últimos 5 dias é tratada com hidroxicloroquina por 7 dias. Os pacientes de um grupo de controle e seus contatos não recebem medicamentos, porque não houve tempo para preparar um placebo apropriado.
Os pesquisadores planejam comparar quantas novas infecções sintomáticas ocorrerão nos dois grupos após 14 dias. Mais de 1000 contatos já foram incluídos e o primeiro resultado desse subconjunto deve estar disponível, como dissemos, por volta de 15 de abril. Estudos semelhantes estão em andamento em vários locais do mundo.
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