![]() | Mesmo com o fim da guerra, o general Douglas MacArthur estava envolvido em uma campanha final complexa. A cerimônia de rendição pública do Japão era uma ocasião importante que exigia uma execução perfeita. O mundo inteiro estaria assistindo. A cerimônia de 2 de setembro de 1945 a bordo do navio de guerra de 45.000 toneladas USS Missouri foi um pesadelo logístico para a equipe de MacArthur e a tripulação do navio. Os homens limparam o navio de guerra de forma que ficasse brilhando sem manchas para aquele dia, há exatos 75 anos, que marcaria, enfim, o fim da Segunda Guerra Mundial. |

Marinheiros a bordo do USS Missouri assistem dignitários corrigirem um erro na cópia japonesa do Instrumento de Rendição.
Líderes de combate fervorosos desempenharam o papel de diretores exasperados, preocupados com a aparência, localização e comportamento adequado de milhares de fuzileiros navais e marinheiros programados para comparecer. A operação envolveu centenas de documentos, dignitários e delegados, sem mencionar a coordenação precisa de quatro contratorpedeiros americanos destacados como táxis aquáticos para transportar vips para o Missouri. Além disso, as forças de combate dos Estados Unidos tiveram de atender às necessidades de 225 correspondentes de notícias e 75 fotógrafos.
Uma mesa de mogno, fornecida pelos britânicos, era claramente pequena demais para as valises de couro com fivelas de ouro contendo os documentos de rendição. Os marinheiros improvisaram rapidamente com uma mesa do refeitório substituta maior colocando-a no convés e cobrindo-a com uma toalha de mesa verde não tão limpa.
Um dos representantes japoneses, o ministro das Relações Exteriores Mamoru Shigemitsu, tinha uma perna de pau. Temendo que seu andar lento pudesse interferir no tempo preciso da ocasião, os oficiais ordenaram a um marinheiro que mancasse a abordagem com um cabo de vassoura para simular os passos pesados de Shigemitsu até o convés.
A rendição do Japão aconteceria na baía de Tóquio, mas quilômetros ao sul da cidade. A localização do Missouri foi escolhida porque naquele mesmo local, em 1853, o Comodoro Matthew C. Perry desembarcou pela primeira vez, quando forçou o Japão a assinar um tratado abrindo portos aos navios mercantes dos Estados Unidos. MacArthur tinha a bandeira de Perry hasteada na coleção da Academia Naval dos EUA em Annapolis, Maryland. A bandeira de 31 estrelas, sob um vidro, foi montada ao contrário para ser devidamente exibida na antepara do lado estibordo do Missouri .
Com efeito, ao lado da grande cerimônia planejada por MacArthur, um casamento real teria parecido uma peça de teatro do ensino fundamental. Em contraste, a rendição da Alemanha às forças aliadas quase quatro meses antes acontecera em uma pequena escola francesa mal iluminada, no meio da noite. O general Dwight D. Eisenhower desencorajou expressamente um "show de Hollywood". Na verdade, ele nem compareceu.
Em nome da honra, dignidade e circunstância, MacArthur estava fazendo as coisas de forma diferente, principalmente porque ele queria constranger as autoridades japonesas. Para o alto escalão dos Aliados, esse rito sagrado foi a culminação do maior conflito que o mundo já conhecera. Foi um dia destinado a aparecer em todos os livros de história por séculos. Enquanto isso, os marinheiros cansados da guerra do Missouri encararam o evento como um festa de egos desnecessária encenada por generais e almirantes engomados, que durante os combates ficaram atrás de mesas "com o cu na mão".

Comemorações do Dia do VJ (Vitória sobre o Japão): uma multidão se reuniu na Times Square.
Uma coisa com a qual todos concordavam era que os Estados Unidos assumiam o posto de novo grande protagonista. MacArthur invadiu a baía de Tóquio com uma armada de 258 navios de combate, embarcações que ajudaram a reduzir a esfera de influência japonesa de volta às costas das ilhas natais. A esmagadora superioridade das forças americanas estava em plena exibição.
O general era um estudante ávido de história militar e arquitetou uma cena particularmente poderosa para o ato final da Segunda Guerra Mundial. Séculos antes, os antigos romanos desenvolveram o costume de forçar seus inimigos derrotados a "passagem sob o jugo" ("sub iugum mittere"). Os prisioneiros eram conduzidos, de mãos amarradas, sob uma cruzeta de madeira usada para subjugar um par de bois. O ato simbolizava a transição do exército derrotado de guerreiros para escravos. Frequentemente, o jugo era substituído por algo mais facilmente disponível, um arco alegórico construído às pressas com lanças romanas.
MacArthur planejou submeter a delegação japonesa a uma versão atualizada dessa prática secular de humilhação. No lugar das lanças, o general exibiria as armas que transformaram as cidades japonesas em cinzas. No momento em que MacArthur assinou os documentos de rendição -os planos eram que ocorresse às 9h08- ele queria que os céus sobre o navio de guerra escurecessem com esquadrões de aviões de guerra americanos.

O ministro do exterior japonês Mamoru Shigemitsu assina a Ata de Rendição na mesa que os marinheiros substituíram por uma do refeitório.
Meses antes, aviões de combate americanos arrastavam bombas para o espaço aéreo japonês quase todos os dias. Depois que as hostilidades terminaram, eles continuaram indo, agora carregados de alimentos e suprimentos. Em 2 de setembro, MacArthur queria o máximo de aviões possível, uma demonstração de força esmagadora que seria uma admoestação destinada a reprimir qualquer esperança de resistência. Também serviu como um aviso para todas as outras nações de que os Estados Unidos eram então a única superpotência nuclear do mundo.
As aeronaves viriam de unidades do Exército e da Marinha dos EUA. O último seria muito mais fácil. Com exceção do USS Cowpens, os 38 porta-aviões da Força Tarefa da América não estavam na baía de Tóquio, mas ainda navegavam nas proximidades. Eles estavam vagando pela costa leste do Japão por meses, lançando ataques implacáveis. Quando a luta cessou, os aviões navais voaram em missões de reconhecimento sobre cidades destruídas, conduziram patrulhas e ajudaram a localizar e entregar suprimentos aos campos de prisioneiros de guerra.
Para o Exército, o longo percurso até a Baía de Tóquio foi uma tarefa mais difícil. As aeronaves que MacArthur mais queria exibir eram os esquadrões americanos de bombardeiros pesados B-29. Essas foram as aeronaves que foram fundamentais na devastação das cidades japonesas e que lançaram as bombas atômicas que encerraram a guerra. Também não passou despercebido ao general que a visão de centenas de aeronaves Superfortress de longo alcance, passando por cima em uma procissão aparentemente interminável, certamente deixaria uma impressão nos membros da delegação soviética que estavam lá embaixo.

Marinheiros a bordo do USS Missouri observam os B-29 fazerem uma demonstração de força durante a cerimônia de rendição do Japão.
As cinco alas que operavam os B-29 das Ilhas Marianas estavam localizadas a mais de 2.400 quilômetros de distância, e as equipes da Superfortress sabiam que voar os bombardeiros costumava ser uma tarefa perigosa. O tripulante médio do B-29 tinha muito mais probabilidade de morrer em um acidente ou falha mecânica do que em ação inimiga.
Conduzir longas missões sobre a água em tempo de guerra era uma coisa, muitos pensavam, mas pilotá-las para exibição era algo totalmente diferente. Homens que haviam sobrevivido a meses de combate, empreendendo decolagens com força total, evitando ataques aéreos e caças japoneses, e talvez suando em um ou dois pousos de emergência, duvidavam fazer passagens pelo que estava se transformando no espaço aéreo mais lotado da Terra.
O capitão Robert J. Willman, piloto de B-29 da base de bombardeiros de Guam, escreveu sobre o debate anos depois em um artigo do Veterans Memorial Hall.
- "Pessoalmente, fui contra a ideia porque tivemos sorte até agora e as coisas podem acontecer em uma viagem de 15 horas ao longo de 3.000 milhas de oceano", lembrou ele. - "Perguntei a cada membro da tripulação o que sentiam. Bill Grossmiller, nosso bombardeiro e homem mais jovem, parecia animado com a viagem. Então Bill foi com outra equipe."
As Forças Aéreas do Exército se consideravam tecnicamente em guerra até o momento em que os documentos de rendição foram assinados, de modo que alguns aviadores optaram por fazer a viagem apenas para ter mais uma missão de combate sob seu controle. Outros foram atraídos pelo desejo de ver a destruição que haviam causado em Tóquio; a maioria de suas missões foram realizadas à noite, e eles não tiveram tempo para avaliar os danos.

O General Douglas MacArthur assina a Ata de Rendição sob o olhar atento de oficiais Aliados.
Para alguém no nível do tenente-coronel Thomas R. Vaucher, oficial de operações do 462º Grupo de Bombardeiros, a missão não era opcional. Ele havia liderado um ataque B-29 a Yokohama meses antes e agora era escolhido para liderar o enorme grupo de bombardeiros pesados para seu voo em massa final. Quatro das cinco alas participariam da "demonstração de poder" sobre o Missouri. A quinta ala também se dirigia ao Japão, mas sua missão era uma entrega de suprimentos para os campos de prisioneiros de guerra.
As ordens para Vaucher eram simples, mas em muitos aspectos a demonstração de força era mais complexa do que uma missão de bombardeio. O momento era extremamente importante: chegar em um determinado local a 1.500 milhas de distância em um momento preciso. As palavras finais do comandante da 58ª Grupo de Bombardeiros ao líder da missão foram:
- "Vaucher, este é um momento-alvo que é melhor você não perder!" O general Roger M. Ramey estaria observando seus bombardeiros do Missouri, bem abaixo.
Além da precisão do tempo, já fazia um tempo desde que os bombardeiros voaram em formação de desfile, quanto mais para quase todos os vips no hemisfério. O fato de que centenas de aviões da Marinha estariam circulando simultaneamente deixava todos inquietos.
As decolagens começariam no escuro, às 2h01. Após o longo vôo, os cerca de 465 B-29s se juntariam perto da costa do Japão, prontos para voar em formação às 8h33, com a cortina levantando às 9h08. Os bombardeiros deveriam voar em um enorme agrupamento no sentido horário, fazendo parecer aos espectadores abaixo que havia o dobro ou o triplo do número de B-29 no ar. Esperava-se que eles cruzassem o padrão até 11h30 ou até que estivessem com menos de 600 galões de combustível.

A revoada de aviões da Marinha dos EUA sobrevoa a Baía de Tóquio.
Neste dia importante, havia algumas coisas que nem mesmo MacArthur poderia planejar. O tempo estava ruim e os relatórios da Marinha julgaram o ambiente de vôo de médio a indesejável. Os B-29s se perderiam nas nuvens em suas altitudes planejadas de 8.000 a 14.000 pés. O Exército tomou a decisão temerária de baixá-los para 3.000 pés. A Marinha dividiu a diferença, tensamente planejando passar seus 349 Hellcats, Corsairs, Helldivers e Avengers a 1.500 pés.
Muitos B-29 chegaram cedo, mas em vez de aguardarem em seus pontos de encontro, vários pilotos optaram por dar uma olhada antes. Pile Driver, pilotado pelo Capitão Sterling N. Pile, voou até Tóquio. O tripulante John G. Sapuder disse ao Buffalo News:
- "Eu pedi ao Capitão para me mostrar os lugares que ele bombardeou com o avião. Ele voou a uma altitude realmente baixa e, por quarteirões, você passava sem ver um prédio em pé. Tudo foi queimado." Sem querer, a aeronave chegou muito perto do Missouri e foi severamente rejeitada por um caça em patrulha aérea.
O capitão Ryan Lock, que completou 25 missões no Japão, não se conteve. Ele também guiou seu avião em direção ao Missouri e os caças não conseguiram pegá-lo enquanto ele trovejava sobre o navio de guerra a 300 pés.
- "Eu podia ver todos os marinheiros vestidos de branco, longas filas deles com duas ou três fileiras de profundidade, cem ou mais em cada fila ... Eu podia ver a mesa com os homens sentados e aparentemente assinando algo, mas não podia ver quem estava assinando, se era americano ou japonês", lembrou Ryan.
Os aviões acabaram se atrasando. Às 9h25, os documentos de rendição foram assinados e os japoneses se preparavam para partir, quando MacArthur declarou:
- "Este processo está encerrado." Momentos depois, ele agarrou o ombro do Almirante Halsey e sussurrou: - "Bill, onde diabos estão a porra daqueles aviões?"
Em sua autobiografia, Reminiscences, MacArthur descreveu o que aconteceu a seguir:
- "Naquele momento, os céus se abriram e o sol brilhou por entre as camadas de nuvens. Havia um zumbido constante acima e de repente se tornou um rugido ensurdecedor e uma revoada de aviões desfilou à vista, varrendo os navios... Tinha acabado a guerra."
E, para as tripulações dos aviões, cansadas da guerra, era apenas um vôo mais perto de voltar para casa.
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