Quando em seu livro "Primavera Silenciosa" a bióloga marinha Rachel Carson soou pela primeira vez o alarme sobre o DDT (sigla de diclorodifeniltricloroetano) e seus efeitos devastadores em pássaros e peixes, nossa compreensão de como esse pesticida afetou os humanos estava apenas começando. Os produtos químicos podem levar anos para revelar seu poder insidioso e, portanto, por décadas, os cientistas vêm juntando -estudo por estudo- as razões pelas quais o DDT ainda nos assombra hoje. |
Em outubro de 1945, uma criança chora ao ser borrifada com pó de despiolhamento DDT na Escola Nikolsburger Platz em Wilmsdorf, Alemanha.
Em primeiro lugar, foi o câncer de mama em mulheres que foram expostas a esse produto químico, que desregula o hormônio, nas décadas de 1950 e 1960. Em seguida, suas filhas, que foram expostas no útero. Pesquisadores ao longo dos anos também relacionaram a exposição ao DDT à obesidade, defeitos congênitos, redução da fertilidade e câncer testicular em meninos.
Agora, uma equipe de toxicologistas, biólogos moleculares e epidemiologistas da Universidade da Califórnia em Davis e do Instituto de Saúde Pública em Oakland confirmaram pela primeira vez que as netas de mulheres que foram expostas ao DDT durante a gravidez também sofrem de ameaças significativas à saúde: maior taxas de obesidade e períodos menstruais que começam antes dos 11 anos.
Mulher borrifa aerossol de DDT na moldura de uma janela doméstica para manter os insetos afastados, em 1955.
Ambos os fatores, dizem os cientistas, podem colocar essas jovens em maior risco de câncer de mama, assim como hipertensão, diabetes e outras doenças.
-"Esta é mais uma evidência de que não apenas uma mulher grávida e seu bebê são vulneráveis aos produtos químicos a que ela foi exposta, mas também sua futura neta", disse Barbara Cohn, diretora de Estudos de Saúde e Desenvolvimento Infantil do referido instituto, projeto de pesquisa na Califórnia que acompanhou mais de 15.000 mulheres grávidas e suas famílias desde 1959.
- "Isso é algo que as pessoas sempre pensaram que era possível, mas nunca houve um estudo humano para apoiar a existência desse elo", disse ela.
As descobertas surgem em um momento de renovado interesse público pelo DDT, um problema que havia sido amplamente inserido em um capítulo que estava desaparecendo na história. As preocupações se intensificaram desde que o Los Angeles Times relatou que o maior fabricante de DDT do país já despejou até meio milhão de barris de seus resíduos no oceano profundo.
Cerca de 60 barris de DDT foram identificados visualmente pelo robô aquático Jason.
O pesticida, agora proibido, é tão estável que continua a envenenar o meio ambiente e subir na cadeia alimentar. Quantidades significativas de compostos relacionados ao DDT ainda estão se acumulando nos golfinhos do sul da Califórnia, e um estudo recente relacionou a presença desses produtos químicos persistentes a um câncer agressivo em leões marinhos.
- "Quanto aos humanos, há uma linha clara de que você pode rastrear o que está acontecendo e não é nada bom", disse Linda Birnbaum, que, como ex-diretora do Instituto Nacional de Ciências de Saúde Ambiental e do Programa Nacional de Toxicologia, seguiu esses estudos multigeracionais com grande interesse.
Soldado americano demonstra um equipamento de pulverização manual de DDT, em 1944.
- "Muitas pessoas querem pensar que os problemas com o DDT foram embora, porque o Congresso o proibiu em 1972. Bem, eles não foram", disse Linda. - "Na época em que as filhas ficaram grávidas das netas, isso foi muito depois de o DDT ter sido proibido, e ainda assim elas carregavam dentro de si as sementes desses problemas."
O DDT é o primeiro pesticida moderno, tendo sido largamente utilizado durante e após a Segunda Guerra Mundial para o combate aos mosquitos vetores de doenças como malária e dengue e sobretudo para tratar as epidemias de piolhos para conter o tifo.
Vencemos a poliomielite e a varíola. Colocamos um homem na lua e exploramos as profundezas dos oceanos. Mapeamos o universo conhecido e o genoma humano. No entanto, ainda não encontramos uma maneira de nos livrar dos piolhos. Na verdade, os piolhos estão ficando cada vez mais resistentes aos tratamentos comuns e, portanto, menos suscetíveis à intervenção.
Francesa é despiolhada por um soldado, em 1945.
Os piolhos sofrem mutação rapidamente por causa de seus ciclos reprodutivos rápidos -uma fêmea pode botar um ovo a cada 4 horas-. E se um único piolho resistente sobreviver após o tratamento, vamos nos deparar com uma geração inteira de descendentes difíceis de matar. O DDT é eficaz contra os piolhos, mas como vemos, também mata aos poucos o hospedeiro no processo.
Só para entender como éramos ignorantes com uma arma na mão, pensando que era a "salvação", o seguinte vídeo da British Pathé mostra homens despiolhando mulheres e crianças. Na operação de despiolhamento pós-guerra, em 1945, eles borrifam DDT em pó nas cabeças, dentro das roupas e inclusive debaixo das saias.
Neste outro vídeo, gravado um ano antes do fim da Segunda Guerra, uma família de refugiados de Anzio em Nápoles, na Itália, se deparou com tropas de despiolhamento. O soldado usa sua bomba de Fritz para pulverizar todo o corpo do homem, inclusive dentro das calças, para posteriormente fazer o mesmo com um garoto, com o auxílio do pai.
O DDT é considerado uma das substâncias mais perigosas não somente pelo que causa, senão que também por sua extrema longevidade química, uma vez que populações que foram introduzidas ao pesticida podem manter concentrações da mesma em seus corpos por mais de 50 anos, e é passado de mãe para filho(a) durante a gestação e amamentação, em todo o reino animal.
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