Um monge budista chamado Kwai Chang Caine, interpretado por David Carradine, precisa fugir da China quando as autoridades põem um preço por sua cabeça por ser o responsável pela morte do sobrinho do Imperador. Caine tinha vingado seu mestre e guia espiritual Po (Keye Luke), que foi assassinado pelo mencionado sobrinho imperial. O espectador conhece o personagem quando já está nos Estados Unidos, procurando seu meio irmão. A série decorre em um presente do oeste norte-americano e nas lembranças de Caine no monastério. O primeiro episódio conta tudo isto e estabelece as regras gerais que terá daí em frente. |
"Kung Fu" é uma rara mistura de faroeste, artes marciais, melodrama, aventura e manual de ensino budista que, como costuma ocorrer com os grandes sucessos, se combinou de maneira surpreendente e efetiva com o gosto popular. Ele emprestou uma estrutura clássica de televisão que já fora experimentada com "O Fugitivo" e também no "Incrível Hulk": um herói solitário que perambula ao longo das temporadas, encontrando um novo espaço para ficar e o perdendo quando algum evento o obriga a comprometer com a situação, chamando a atenção sobre sua presença.
Uma fórmula sempre efetiva e também bastante melancólica. Caine, como os personagens mencionados, está condenado a ser um solitário, como é apresentado em cada começo e fechamento de capítulo.
Quando aceitou o papel, David Carradine não sabia artes marciais. Seu treinamento recém tinha começado quase com o início das filmagens. Basta ver os primeiros episódios para perceber que mal podia realizar alguns movimentos. Depois, quando sua instrução aumentou, já conseguia efetuar mais lutas coreografadas nas cenas.
Ainda que nunca chegou a ser um verdadeiro especialista, seu domínio foi crescendo e se tornando mais crível. Mesmo que tivesse uma carreira prévia e teve uma interessante carreira posterior, seu nome ficou associado para sempre com este papel e com as artes marciais, chegando a ter um papel de destaque em "Kill Bill", de Quentin Tarantino.
Em suas memórias, a viúva de Bruce Lee, Linda Lee Cadwell, afirma que Bruce criou o conceito para a série, que teria sido então roubado pela Warner Bros. Há evidências circunstanciais para isso em uma entrevista de 8 de dezembro de 1971 que Bruce Lee deu ao The Pierre Berton Show, onde afirmou que havia desenvolvido um roteiro básico para uma série de televisão chamada "The Warrior", com a intenção de ser o astro principal, sobre um artista marcial perambulando pelo Velho Oeste americano, ou seja, o mesmo script de "Kung Fu", que foi ao ar no ano seguinte.
Bruce Lee era famoso por seu trabalho na série "O Besouro Verde", onde vivia roubando a cena do protagonista. Em 1971 lançou seu primeiro longa-metragem como protagonista do "O Dragão Chinês", um filme de Hong Kong que o converteria em estrela do cinema, quando deixou a televisão de lado. Foi sua ascendência que o fez duvidar que a Warner negou a ele o papel em "Kung Fu" e escolheu um ator ocidental para ser o rosto de Caine.
Se Bruce Lee não tivesse morrido tão jovem (dois anos depois do lançamento da série), é muito provável que a postura teria mudado e com sua fama, muito maior, questionaria (ou não) o estúdio. Mas hoje ninguém nega que a ideia de "Kung Fu" foi do produtor Ed Spielman, já que morto não fala e ademais basta ver o esforço que alguns diretores de Hollywood fazem para descontruir o legado de Bruce.
- "Estou cansada de ouvir de homens brancos de Hollywood que ele era arrogante e cuzão, quando não têm ideia o que era necessário para conseguir trabalho em Hollywood nos anos 1960 e 1970 como chinês com sotaque", disse recentemente Shannon Lee, filha de Bruce depois do verdadeiro desrespeito de Tarantino com uma cena tosca e desnecessária no filme "Era uma vez em... Hollywood". - "Estou cansada de ouvir de homens brancos de Hollywood que ele não era um lutador de artes marciais e que só fazia isso nos filmes. Meu pai vivia e respirava artes marciais. Ele ensinava artes marciais, escrevia sobre artes marciais, criou sua própria arte marcial", asseverou.
Com respeito às origens de David Carradine, também espalhou-se a história na época de que era parcialmente oriental. Isto é completamente falso; o rumor só serviu para lhe dar um respaldo à decisão de aceitar o papel. Na série sim tem família ocidental e oriental. Carradine foi levemente maquiado para o papel, sem exagerar os traços; o resto foi atuação.
O restante do elenco oriental sim era; a maioria chineses, mas nem todos. O estrito mas justo mestre Po (Luke) e o mais bondoso mestre Kan (Philip Ahn) são os que ensinam o jovem Caine, ao que chamam Pequeno Gafanhoto, tudo aquilo que depois empregará em sua vida adulta. Outros dois atores interpretam Caine, quando menino e adolescente: Radames Pera e Keith Carradine, irmão de David.
Muitos rostos famosos foram vistos ao longo dos 63 episódios de "Kung Fu". Alguns são uma verdadeira raridade, como por exemplo o cantor porto-riquenho José Feliciano, que obviamente interpreta um músico. Os irmãos de David Carradine e seu pai, o lendário John Carradine, também aparecem na série.
Pat Morita, que depois se tornaria o zen Senhor Miyagi no "Karate Kid", passou pela série também e tomou nota da ideia das artes marciais e ensinos budistas. Leslie "Frank Drebin" Nielsen, Don "Miami Vice" Johnson, William "Capitão Kirk" Shatner, Carl "Apolo Creed" Weathers e Gary "Tio Red" Busey, entre muitos outros, são mais nomes memoráveis. Mas as duas figuras que depois seriam estrelas descomunais e impressiona vê-las em papéis secundários são nada menos que Jodie Foster e Harrison Ford, em um dos poucos westerns que fez em sua carreira.
Outro dado interessante é o nome de Caine, uma referência a Caim, o personagem bíblico. O Caine da série perambula pelo mundo depois de ter assassinado alguém e também leva uma marca, ainda que seja a que foi feita em seu treinamento como monge shaolin.
Mas o legado mais interessante desta série tão rara é a forma na qual conseguiu trazer a filosofia e pensamentos orientais à cultura ocidental. Cada ensinamento que Caine recorda está associado a este pensamento. Depois "Kung Fu" se inclina pelo entretenimento, como corresponde, mas no caminho há muitas ideias que não se tornariam tão populares no ocidente até alguns anos depois.
Entre 1972 e 1975, "Kung Fu" fez um sucesso monstruoso no mundo inteiro. No Brasil se tornou quase uma religião assistir o seriado, que era exibido em horário nobre nos domingos à noite na Globo. Com as retransmissões que se seguiram, a série, de fato, marcou forte a vida de pelo menos duas gerações.
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