África é outro mundo. Não me refiro à faixa setentrional, que afinal de contas trocou influências com as civilizações mediterrâneas, senão a parte subsaariana, sempre obscura e desconhecida. Por isso ali podemos encontrar coisas que parecem completamente extemporâneas, mas, que, no fundo, refletem bastante bem a idiossincrasia, se não das pessoas, ao menos de seus dirigentes. Bom exemplo disso é a inaudita Basilique de Notre-Dame de la Paix erigida em Yamasukro, Costa do Marfim. |
Com sua planta de cruz latina, foi inspirada (por não dizer duplicada) na de San Pedro do Vaticano, à que inclusive supera em altura graças a essa cúpula que resulta tão familiar e que mede 158 metros de altura em frente aos 136,57 da construída por Michelangelo e Della Porta. Também supera à vaticana em diâmetro, 90 metros em frente a 41, mais que o dobro.
Afinal de contas, as dimensões totais do templo também são colossais, 195 metros de comprimento por 150 de largura, para uma superfície de 30.000 metros quadrados. Isso faz com que tenha sido registrada no Livro Guinness dos Recordes como a primeira das três igrejas de maior tamanho do mundo junto a sua homóloga romana e a brasileira Catedral Basílica de Nossa Senhora Aparecida.
Mas a vaticana resulta bem mais equilibrada, pois a atenção se reparte entre a fachada e a colunata da praça, enquanto na versão africana é essa cúpula a que atrai o olhar porque a fachada fica submersa por uma gigantesca marquise, daí que resulte meio desajeitada.
Tudo está magnificado neste templo. Sua nave principal mede 55 metros de largura, o que facilita uma capacidade que supera os sete milhares de pessoas, conquanto poderiam ser ampliado a 18.000 em caso de somar outros espaços. Se acrescentássemos a grande explanada de ao redor isso superaria o quarto de milhão, também aí fica longe de San Pedro, que tem capacidade para 60.000.
Os vitrais que decoram boa parte dos muros e também atingem proporções consideráveis, somam 7.000 metros quadrados e foram importados da França, da mesma maneira que o mármore empregado veio da Itália. Mas a madeira utilizada para fazer os sete mil bancos é nativa. Utilizaram a teca-africana (Milicia excelsa).
Comparação entre as basílicas de San Pedro do Vaticano e Nossa Senhora da Paz de Yamasukro.
O responsável pela construção da faraônica basílica foi Félix Houphouët-Boigny, conhecido como o Sabio, conceituado pai da independência do país, e que presidiu o país entre 1960 até 1993. Dono de numerosas propriedades por todo o planeta e entusiasta do luxo, em sua megalomania embarcou a Costa do Marfim na construção de infraestruturas desmedidas das quais Basílica de Nossa Senhora da Paz foi seu emblema, até o ponto de que a parte principal do financiamento correu a seu cargo.
Ninguém sabe com exatidão o custo total da basílica, mas as estimativas falam que o gasto ficou entre 1 e 1,5 bilhões de francos franceses (6-9 bilhões de reais), algo brutal em um lugar tão pobre ainda por cima para um uso tão escasso, pois o objetivo de que se tornasse um centro de peregrinação para católicos não deu resultado.
Félix Houphouët-Boigny.
O arquiteto Pierre Fakhoury tomou o projeto de San Pedro como base. As obras correram a cargo da empresa francesa Dumez, escolhendo Yamasukro para localizar o templo porque o presidente queria transformar essa cidade em sua nova capital e, efetivamente, hoje é, junto com Abidjã, conquanto constitui ademais o centro administrativo graças a outras infraestruturas erigidas: um templo protestante, uma mesquita, uma prefeitura, um palácio de convidados e um aeroporto internacional.
Ali fizeram os trabalhos desde a primeira pedra, colocada em 1985, até a inauguração por João Paulo II em 1990. O pontífice teve que enfrentar duras críticas por aceitar, já que aquela obra faraônica foi construída no meio de uma crise econômica que açoitava o país. Ele impôs como condição que levantassem também uma universidade e um hospital, que não foram feitos até um quarto de século depois.
- "Em todas as idades e em todos os continentes, os filhos da Igreja dedicaram o melhor de sua arte à construção destes sinais visíveis que ajudam a compreender que Deus vive no meio de seu povo", leu João Paulo II em seu homilía inaugural. A frase é questionável, tanto na parte "o melhor de sua arte" como no demais. Mas é que depois acrescentou que - "... pelo Chefe de Estado, esta basílica foi construída como um tributo a Nossa Senhora, como um tributo a Cristo Redentor que chama a todos os homens a reunir na unidade de seu Corpo."
O vitral de Jesus e os Apóstolos, entre os quais aparece o presidente Houphouët-Boigny.
É curioso que se há um lugar especialmente estrambótico no templo, um que sublima o duvidoso gosto desse lugar e que identifica o verdadeiro destinatário do citado tributo, é o vitral de Jesus e seus Apóstolos; um destes tem o rosto de Félix Houphouët-Boigny.
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