Um vídeo mostrando crianças africanas cantando slogans racistas em chinês provocou uma onda de raiva nas mídias sociais quando foi postado na rede em 2020. O vídeo teria passado despercebido se um dos seguidores do YouTuber não tivesse lhe enviado pois sua audiência não é dedicada ao ocidente senão a um mercado muito específico na China. Os primeiros segundos do vídeo mostram um grupo de 18 crianças vestindo roupas vermelhas decoradas com o que parecem ser dragões brancos. No meio do grupo, há uma lousa com uma frase escrita em chinês que as crianças começam a entoar, repetindo após a pessoa que está filmando o vídeo: |
- "Sou um monstro negro. Eu tenho um QI muito baixo!" Então, todos eles começam a dançar. É simplesmente escandaloso! É ostensivamente nojento! As crianças não tem o mínimo conhecimento do que estão falando.
Wode Maya, cujo nome verdadeiro é Berthold Ackon, passou vários anos na China estudando engenharia aeronáutica. Ele viu o vídeo racista e decidiu falar sobre ele em seu canal no YouTube. Em seu próprio vídeo, ele diz que os governos africanos devem tomar medidas para acabar com esse tipo de prática de exploração.
A realidade por trás da história é que alguns chineses vão à África para filmar esse tipo de vídeo e depois vendê-los no Taobao, a versão chinesa da Amazon, por entre 350 e 550 reais. Só este vídeo do "Baixo QI" de 2020 foi visto no Weibo, o Twitter chinês, mais de 50 milhões de vezes, antes de ser deletado. Ele só foi apagado porque o vídeo de Wode, logo abaixo, causou comoção e forte indignação nas redes sociais do ocidente.
Recentemente, a repórter da BBC Eye Runako Celina e o jornalista investigativo do Malawi, Henry Mhango, rastrearam as pegadas digitais de um cinegrafista chinês que eles suspeitavam de ter feito aquele vídeo. Eles foram assistidos por um jornalista chinês que filmou disfarçado o tipo basbaque expressando uma série de opiniões racistas sobre os malauianos e sobre os negros em geral.
Ele diz que foi o autor do vídeo de 2020, mas, provavelmente temendo sanções, depois volta atrás dizendo que foi feito por um amigo. Ele próprio recomenda o jornalista a apagar o vídeo de seu celular.
Depois de analisar e cruzar centenas de vídeos semelhantes com imagens de satélite do Google Earth, a equipe localizou onde o clipe "Baixo QI" foi filmado: uma vila nos arredores de Lilongwe, capital do Malawi, uma área onde os estrangeiros podem fazer negócios discretamente. De acordo com moradores da área, muitos chineses foram vistos filmando na vila, mencionando um homem em particular chamado Susu.
Alguns dos vídeos identificados na investigação foram vendidos nas redes sociais chinesas por meio do Weibo, Huoshan e Taobao, entre outros aplicativos chineses de compartilhamento de vídeos. Os mais populares obtêm milhões de visualizações e alguns deles são tocados por músicos em suas apresentações como parte de shows em estádios.
A maioria dos vídeos humilhantes são crianças em volta de um quadro-negro repetindo coisas em chinês. O cinegrafista dos vídeos chineses faz as crianças repetirem coisas que podem parecer inocentes, mas não são, como meninas dançando de forma vulgar.
Wode Maya diz que há vídeos com crianças africanas à venda na China desde pelo menos 2015. A maioria dos vídeos são feitos e vendidos por cidadãos chineses que vivem na África. As legendas sempre dizem apenas "África", nunca especificando o país onde foi filmado.
Muitas vezes, as palavras que as crianças dizem não são racistas, geralmente são votos de felicidades ou anúncios para uma empresa. No seguinte vídeo, por exemplo, as crianças desejam a uma tal de "Luli" um feliz aniversário. Eles também desejam a ela felicidade, boa saúde e que seja bela para sempre.
Este outro mostra crianças anunciando a empresa Morning Li Team. O número de telefone da empresa está no quadro-negro.
Os repórteres também conheceram algumas das famílias envolvidas nas atividades do cinegrafista e examinaram como os mal-entendidos culturais, a pobreza rural e a exploração racista sustentam esta indústria de vídeos. A avó de uma criança apresentada no vídeo de "Baixo QI" disse que o produtor chinês estava "lucrando com os pobres".
A equipe da BBC recebeu uma dica de quando seria a próxima filmagem e foi lá disfarçada. A filmagem secreta confirmou os temores dos moradores de que as crianças estão faltando à escola para filmar vídeos racistas. A maior motivação para as crianças faltarem à escola é porque são pagas para filmar esses vídeos.
A investigação deve interromper momentaneamente este sindicato nojento de produção de vídeos, mas em vilarejos de todo o continente, crianças africanas ainda estão sendo exploradas com fins lucrativos.
Houve controvérsia sobre esses vídeos no passado. Em 2017, o Taobao fechou várias contas que os vendiam. De acordo com o meio de comunicação Hong Kong Free Press, Taobao decidiu fechar essas contas depois que os vídeos receberam muitas críticas. No entanto, não está claro se a empresa optou por fechar as contas porque eram ilegais, contrariavam a política da plataforma ou simplesmente para encerrar o debate.
Se você pesquisar as palavras-chave "crianças africanas com sinais da China" em chinês no Google ou nas mídias sociais, encontrará centenas de vídeos semelhantes à venda. Não há números oficiais sobre o número de vendedores ou quanto dinheiro eles ganham com a venda desses vídeos.
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