A Calábria, a região mais ao sul da península italiana, é o berço de alguns dos mitos mais conhecidos do mundo, como a terrível história de Cila e Caríbdis imortalizada na Odisséia. No entanto, uma curiosidade local permanece na obscuridade. Passeie pelos jardins das igrejas da Calábria ou terras agrícolas abandonadas no final do outono ou início do inverno e é possível vislumbrá-la: uma árvore que parece estar enfeitada com pérolas. Mas esta árvore não é um mito. Olea leucocarpa é o nome científico da misteriosa oliveira com frutificação branca. |
Conhecida localmente como olivo della madonna, o antigo cultivar é desconhecido inclusive para muitos calabreses. A árvore é tão rara que nem aparece na lista de espécies de Oleas.
A leucocarpa, também chamada de leucolea, é uma variedade de azeitona que, durante o amadurecimento, adquire a cor branco-marfim. Difundido principalmente nas regiões do sul da Itália, com forte presença na Calábria, provavelmente foi introduzida durante a colonização da Magna Grécia.
O azeite extra virgem desta variedade tem as mesmas características de todas as outras no que diz respeito à composição de ácidos graxos, sabores e aromas típicos de um produto frutado leve. Um pequeno número de produtores a utiliza em misturas com outras cultivares predominantes, mas devido à cor branca das frutas, que na cultura ocidental simboliza a pureza, acabou sendo utilizada principalmente para fins religiosos.
É por isso que a leucocarpa é frequentemente cultivada perto de conventos e igrejas, onde o seu óleo, depois de receber uma bênção, se destina aos sacramentos de batismos, crismas e outros rituais católicos e, no passado, para ungir o imperador durante a cerimônia de coroação. O azeite era também usado para abastecer lamparinas antes que a eletricidade chegasse às comunidades rurais da Calábria.
Esta é mais uma prova de como os povos antigos, independentemente do seu credo, associavam a oliveira e o azeite à sacralidade, como acontecia em Atenas, e em muitos outros locais da bacia do Mediterrâneo, a tal ponto que hoje em dia a oliveira é considerada universalmente um símbolo de paz .
A análise genética estabeleceu que ela pertence a uma linhagem única, cujo cultivo limitado provavelmente se deva a uma propagação difícil. Então, os agricultores cuidam bem dessas oliveiras, que na época de frutificação dão um efeito estético arrebatador, que, segundo um estudo, se deve a uma falha que provoca o desligamento de flavonoides e antocianinas.
De fato, o amadurecimento da azeitona envolve duas fases: primeiro, a passagem e síntese da clorofila que faz com que o fruto fique verde como qualquer outra oliveira, depois a degradação da clorofila quando a azeitona amadurece e adquire a cor branca característica.
Exatamente quantas gerações de calabreses contemplaram o olivo della madonna permanece incerto. Não há textos escritos porque a tradição é oral, com troca de mudas no boca-a-boca. Mas elas sempre foram raras: apenas alguns idosos calabreses vivos têm memórias das árvores.
Curiosamente eles dizem que as azeitonas brancas raramente eram consumidas. Há poucos casos passados ou presentes de azeite ou azeitonas sendo usados como parte da culinária local, além de relatos de agricultores que diziam fritar as azeitonas e comê-las como um lanche simples e frugal durante o trabalho. Apesar de guardar as mesmas propriedades da oliveira-comum (Olea europaea), era geralmente considerada muito picante e incomum para o paladar.
É possível que a "oliveira albina" tenha sido cultivada em pontos dispersos por todo o Mediterrâneo por milhares de anos. A redescoberta da árvore e o recente interesse pelos frutos brancos levou um grupo de pesquisadores italianos a fazer um levantamento sobre a oliveira. Eles identificaram cerca de 120 dessas árvores crescendo na Calábria, a mais antiga das quais já tem três séculos.
As oliveiras brancas de pé hoje enfrentam muitos desafios. A maioria está ameaçada pelas mudanças climáticas, que levaram a casos crescentes de infestações de moscas-da-azeitona, seca, calor extremo e incêndios florestais. Por isso é necessário criar consciência de proteger as árvores mais antigas, ao mesmo tempo em criar novos cultivos em viveiros de plantas especiais.
Para tanto, alguns pesquisadores recorreram as raízes religiosas do olivo della madonna. Por meio da colaboração com igrejas da Calábria, no último ano, plantaram árvores em pelo menos 80 locais de culto, aumentando o número conhecido de azeitonas brancas na região para mais de 200. Mais árvores podem garantir que essa oliveira "sagrada" não se torne um mero mito no futuro.
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