O dia em que um exército de Papais Noéis anarquistas invadiu Copenhague

No início dos anos 1970, a Dinamarca foi atingida pela crise energética que varreu o globo. A alta do preço do petróleo liderada pelas nações da OPEP levou a uma desaceleração econômica global, especialmente nas nações industrializadas. Devido à crise, a Dinamarca enfrentou altos níveis de desemprego, entre outros problemas. À medida que o Natal se aproximava no inverno boreal de 1974, alguns indivíduos criativos decidiram resolver o problema por conta própria. Muitas dessas pessoas criativas viviam, na época, na recém-formada comunidade de Christiania.

Christiania, auto-intitulada como uma cidade livre, no bairro de Christianshavn, em Copenhague era um grupo de rapazes e moças que tinham ideias radicais de paz, amor e igualdade -ideais espelhados na cultura de Christiania- combinados com o amor pelo teatro.

Eles decidiram formar uma trupe de teatro, batizando-a de Solvognen (Carrauagem de Fogo), em referência ao Trundholm, um artefato histórico da história dinamarquesa. A trupe esteve oficialmente ativa de 1969 a 1983, mas sua apresentação mais famosa ocorreu durante a temporada de Natal de 1974.

Solvognen era predominantemente uma trupe de teatro político. Eles encenavam suas apresentações na esfera pública com menos ênfase no roteiro e no ensaio, e mais no espetáculo público focado em um tema político do dia.

Começando com conversas sobre patins e quem exatamente era o verdadeiro Papai Noel, Solvognen desenvolveu uma série de apresentações que aconteceram na semana anterior ao Natal de 1974. A ideia era incorporar o verdadeiro espírito do Natal vestindo-se de Papai Noel e apresentando teatro de rua.

A trupe começou com uma pesquisa histórica sobre a história do Papai Noel, lançando-o como um benfeitor dos pobres em um mundo injusto. O personagem do Papai Noel se tornou a estrela de uma performance pensada para abordar o que os performers chamaram de "o terror burguês do consumo do Natal".

Eles queriam ajudar as pessoas que enfrentavam o desemprego e a pobreza na época do Natal, bem como desencadear um debate público sobre o que o governo poderia fazer para ajudar seus cidadãos.

Eles combinaram isso com seu amor pelo espetáculo teatral, imaginando e realizando uma série de peças cada vez mais dramáticas de teatro de rua ao longo da semana. A trupe foi inspirada no que é conhecido como "propaganda de agitação", que começou como um método usado por ativistas criativos na Alemanha na década de 1930. Usando teatralidade, figurinos e espetáculos, os métodos podem ser usados para estimular a discussão pública sobre uma questão política específica, neste caso, o desemprego.

Solvognen fez um apelo à comunidade teatral para que os participantes atuassem como Papai Noel para a série de apresentações. Mais de cem atores e atrizes se ofereceram para se vestir como o Papa Noel para espalhar alegria por Copenhague.

O roteiro exigia oito dias de apresentações públicas, cada vez mais antagônicas, do espírito natalino de doação, com ou sem permissão oficial. A ex-integrante do Solvognen, Nina Rasmussen, disse que o objetivo de toda a apresentação era "fazer coisas boas como um Papai Noel deveria".

No primeiro dia, um helicóptero cheio de Papais Noéis pousou em Holbæk guiado por um 'anjo de luz'. Este espetáculo foi seguido por um desfile de Papais Noéis marchando para Copenhague.

Os Papais Noéis puxaram um ganso de Natal gigante, uma parte tradicional da ceia de Natal dinamarquesa. A trupe pretendia originalmente que o ganso escondesse o Papai Noel lá dentro, mas provou ser muito difícil de manejar. Em vez disso, eles puxaram a grande ave branca pelas ruas públicas, tomando cuidado para não arrastar as decorações de Natal atrás deles.

As apresentações subsequentes, que beiravam a desobediência civil e o teatro humorístico, viram os Papais Noéis marchando para um banco para pedir vários milhões de coroas para distribuir ao público; Papais Noéis marchando para lares de idosos para trazer alegria e boa vontade aos idosos com canções de natal; Papai Noel visitando crianças em idade escolar, jogando e distribuindo livros de história alternativos, que enfocavam as histórias dos trabalhadores; Papais Noéis de patins lotando locais públicos enquanto as pessoas faziam compras, na semana que antecedia o Natal; e Papais Noéis com forcados atacando prédios estatais em apoio aos trabalhadores.

A trupe foi apelidada de Julemandshæren, ou Exército do Papai Noel, e eles marcharam como um exército benevolente pela cidade realizando boas ações em apoio à classe trabalhadora da Dinamarca.

A intervenção teatral de Solvognen na vida de Copenhague naquele ano culminou em uma dramática apresentação de presentes. O Exército do Papai Noel, cerca de 40 atores e atrizes, marchou para a loja de departamentos Magasin no centro da cidade e começou a distribuir presentes para os clientes nas prateleiras da loja.

- "Feliz Natal! Hoje, ninguém tem que pagar nada", gritou um dos Papais Noéis. Eles justificaram suas ações, dizendo que estavam devolvendo presentes aos trabalhadores que os fizeram.

Os clientes ficaram empolgados, agradecendo aos Papais Noéis e desejando-lhes boa sorte. As crianças olhavam, maravilhadas. Então a polícia chegou. Funcionários do Magasin agarravam as barbas brancas, tentando arrancá-las do rosto dos atores. A polícia sentava borrachada no lombo e algemava os Bons Velhinhos enquanto eram arrastados para fora da loja. As crianças que estavam assistindo começaram a chorar.

Apesar da prisão de quase todos, os atores ficaram felizes com o resultado porque todos os papéis foram interpretados de acordo: os generosos e bons Papais Noéis, representando a esperança no Natal, foram presos e levados pela polícia contra a vontade do povo.

Um debate se alastrou nos jornais de Copenhague por semanas após a prisão dos Papais Noéis. O foco era o tratamento dado aos Bons Velhinhos anarquistas durante a prisão, bem como a liberdade de expressão e a democracia. O teatro político de Solvognen foi um sucesso: fez as pessoas falarem sobre os assuntos do dia por meio do humor e do espetáculo, sem falar na alegria do Natal.