O corpo humano é uma coisa estranha, incrivelmente frágil, mas ao mesmo tempo surpreendentemente resistente. Por um lado, mesmo os ferimentos aparentemente menores podem resultar em uma morte prematura. Por exemplo, em outubro de 1911, Jack Daniel, fundador da famosa destilaria de uísque, entrou em seu escritório e tentou abrir o cofre... chutando-o e quebrando o dedo do pé no processo. A infecção logo se instalou e Daniel morreu em poucos dias. Por outro lado, no entanto, muitos indivíduos ao longo da história demonstraram a capacidade de absorver a punição que mataria facilmente uma pessoa comum. |
Talvez o caso mais famoso tenha sido o do místico russo do início do século 20, Grigori Rasputin, que, segundo a lenda, sobreviveu a ser envenenado, espancado, baleado e jogado em um rio congelado antes de finalmente se render à morte. No entanto, a sua morte foi altamente dramatizada e grandemente exagerada. Mas, ainda que fosse verdade, mesmo o Monge Louco deveria pedir benção a um humilde soldado da Revolução Mexicana que, em um golpe astronômico de sorte, encarou um pelotão de fuzilamento e sobreviveu para contar a história.
A Revolução Mexicana não foi uma luta unificada, mas sim uma série de levantes regionais que ocorreram em todo o país entre 1910 e 1920. Esses levantes foram desencadeados pela insatisfação generalizada com o regime de três décadas do presidente Porfirio Diaz, cujas políticas corruptas e oligárquicas favoreciam ricos proprietários de terras e industriais sobre a população predominantemente pobre e agrária.
Em 1908, Porfírio expressou ambivalência sobre concorrer a um sétimo mandato, levando o latifundiário liberal Francisco Madero a anunciar sua candidatura à presidência. Em resposta, Porfírio mandou prender Francisco e declarou-se vencedor de uma eleição simulada realizada em 1910. Isso provou ser um erro, pois ao ser libertado da prisão Francisco publicou um manifesto, o Plano de San Luis Potosí, convocando uma revolta nacional contra o governo de Porfírio em 20 de novembro.
O manifesto de Francisco estimulou líderes rebeldes em todo o país a formar pequenos exércitos de irregulares e fazer uma campanha sangrenta contra políticos locais e ricos proprietários de terras. Isso incluía figuras que logo se tornariam lendárias, como Francisco "Pancho" Villa no norte e Emiliano Zapata no sul.
Na primavera de 1911, os rebeldes conseguiram derrubar o regime de Porfírio e empossar Francisco como presidente. Mas isso estava longe de ser o fim dos problemas do México. Francisco se mostrou decepcionante como líder, recusando-se a aprovar as reformas econômicas pelas quais os rebeldes lutaram, como a devolução de terras tradicionais aos mexicanos nativos.
Eventualmente, os generais que lutaram para instalar Francisco se voltaram contra ele, e o país entrou em erupção mais uma vez em uma sangrenta guerra civil. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos ficaram preocupados com o fato de que o conflito crescente ameaçava os interesses comerciais americanos na região, levando o embaixador dos EUA no México, Henry Lane Wilson, a assinar um pacto secreto para empossar o chefe do Estado-Maior do Exército de Francisco, Victoriano Huerta, como presidente. O golpe ocorreu em 22 de fevereiro de 1913, quando Victoriano mandou prender Francisco e fuzilá-lo sumariamente.
Victoriano provou ser tão corrupto e tirânico quanto Porfírio, e os líderes rebeldes Pancho Villa e Emiliano Zapata, junto com Venustiano Carranza e Álvaro Obregón, formaram uma aliança para depô-lo. Essas forças constitucionalistas logo ganharam o apoio do recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, que autorizou o envio de armas aos rebeldes e até enviou fuzileiros navais para ocupar o porto de Veracruz para evitar que as forças de Victoriano fossem reabastecidas do exterior.
Após uma série de vitórias militares, em julho de 1914 os rebeldes tomaram a Cidade do México e Victoriano fugiu para o exílio. Em 20 de agosto, Venustiano declarou-se presidente, um ato que não agradou aos outros líderes rebeldes. A aliança incômoda imediatamente se desintegrou, anarquia e derramamento de sangue reinaram enquanto as várias facções rebeldes lutavam pelo poder.
Finalmente Venustiano concordou em renunciar e Eulalio Gutiérrez foi eleito presidente interino. Isso, no entanto, pouco fez para acabar com a rivalidade entre os líderes rebeldes e, enquanto Pancho Villa se aliou a Emiliano e apoiou o governo de Eulalio, Álvaro e Venustiano formaram uma facção rival e tentaram expulsar os villistas e zapatistas do país. A luta durante este período foi especialmente brutal, com ambos os lados empregando táticas de terra arrasada e executando sumariamente todos os prisioneiros que capturavam.
Foi nessa fase sangrenta da Revolução que se passa a história de "El Fusilado". No início de 1915, Wenceslao Moguel Herrera, de 25 anos, natural da província de Yucatán, servia com um grupo de irregulares sob o comando de Pancho Villa. Inexperiente e mal armado, em 18 de março a unidade de Wenceslao foi facilmente derrotada e capturada pelas forças federais nos arredores da cidade de Halachó.
Como era prática comum, o comandante dos federais, o coronel Ortiz, imediatamente ordenou o fuzilamento das tropas villistas. Um pelotão de fuzilamento de oito homens se formou e Wenceslao e seus camaradas foram alinhados contra a parede de uma igreja, com os olhos vendados depois de, receberem um último cigarro e foram executados com uma rajada de tiros de rifle.
Enquanto a maioria de seus camaradas morreu instantaneamente, Wenceslao milagrosamente sobreviveu à primeira saraivada, com as oito balas conseguindo errar seus órgãos vitais. Mas sua provação ainda não havia terminado, pois o Coronel Ortiz então caminhou até a pilha de corpos espalhadas no chão para dar o golpe de misericórdia. Encontrando Wenceslao ainda respirando, Ortiz pressionou o revólver contra a cabeça do prisioneiro e puxou o gatilho.
Embora tal tiro à queima-roupa teria matado a maioria das pessoas, Wenceslao Moguel Herrera não era a maioria das pessoas. Por outro extraordinário golpe de sorte, a bala entrou na bochecha direita de Wenceslao e saiu logo abaixo do olho esquerdo, errando completamente o cérebro.
Chocado por se encontrar ainda vivo e percebendo que da próxima vez não teria tanta sorte, Wenceslao prendeu a respiração e fingiu estar morto. Satisfeito por todos os seus prisioneiros terem sido despachados, o Coronel Ortiz e suas tropas partiram, deixando os corpos onde jaziam.
Os relatos diferem quanto ao que aconteceu a seguir, com alguns afirmando que Wenceslao foi encontrado inconsciente entre os cadáveres de seus companheiros. Ele recebeu atendimento médico e se recuperou. Outros afirmam que ele, cheio de buracos e com dores terríveis, conseguiu se arrastar três quarteirões até a igreja de São Tiago Apóstolo, onde um paroquiano o acolheu, costurou suas feridas e cuidou dele até recuperá-lo. Este primeiro relato parece particularmente inacreditável, dado que se fosse encontrado pelos federais ele levaria mais um tiro de misericórdia.
Seja qual for o caso, a provação deixou Wenceslao vivo, mas gravemente desfigurado. Mas, apesar de ter escapado da morte quase certa, Wenceslao ainda era um homem procurado e permaneceu escondido na igreja até bem depois do fim da Revolução.
A guerra civil não correu bem para os villistas e zapatistas. Culpando o apoio do presidente dos Estados Unidos Woodrow a Venustiano por seus fracassos, em 1916 Pancho Villa lançou uma campanha de retaliação contra os assentamentos americanos, executando 34 cidadãos americanos em ataques contra Santa Isabel e Columbus, no Novo México.
Em desagravo, Woodrow despachou uma Força Expedicionária Americana sob o comando do General John J. Pershing ao México para caçar Villa, uma missão que acabou falhando. Enquanto isso, Venustiano tomou o poder em 1916 e promulgou políticas que confiscaram terras de ricos proprietários, garantiram os direitos dos trabalhadores, e limitou o poder de longa data da Igreja Católica.
Mas Venustiano também governou com mão de ferro, mantendo o poder executando seus oponentes, incluindo Emiliano Zapata em 1919. Depois de tentar acabar com uma greve ferroviária em 1920, os partidários de Venustiano se voltaram contra ele, que foi baleado enquanto tentava fugir da capital em 21 de maio.
Adolfo de la Huerta serviu como presidente interino até a eleição de Álvaro Obregón em novembro. Isso geralmente é considerado o fim da Revolução Mexicana. Com a morte de seu principal rival Venustiano, Pancho Villa negociou o fim da luta e se aposentou, usando a imprensa mexicana e americana para imortalizar sua imagem de herói revolucionário e até aparecendo como ele mesmo em filmes sobre suas façanhas.
Na tarde do dia 20 de julho de 1923, mediante uma emboscada organizada pela polícia secreta e pelos pistoleiros a soldo de familiares de antigas vítimas de Pancho Villa, ele foi assassinado no seu automóvel, atingido por 47 balas de pistola quando se dirigia a uma festa familiar.
Quanto a Wenceslao Moguel, a notícia de sua extraordinária sobrevivência se espalhou por todo o México, ganhando o apelido incrivelmente durão de "El Fusilado". Mas a vida no México pós-revolucionário foi difícil para Wenceslao e, em 1930, ele emigrou para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor.
Embora poucos nos Estados Unidos tivessem ouvido falar de Wenceslao, sua pronunciada desfiguração atraia a atenção onde quer que fosse, eventualmente chamando a atenção do cartunista de Jack Ripley, do "Acredite se Quiser". Em 16 de julho de 1937, Wenceslao apareceu como convidado no programa de rádio de Jack, contando sua história ao público americano e transformando-o em uma pequena celebridade.
Wenceslao viajou pelos Estados Unidos por vários anos, amealhando uma boa grana, antes de finalmente retornar ao México em sua casa na província de Yucatán.
Incrivelmente, o mexicano viveu uma vida longa e saudável, falecendo em 29 de julho de 1976. Wenceslao Moguel Herrera tinha 86 anos de idade. Chupa Rasputin!
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