Ao longo dos anais da história, houve indivíduos que tentaram enganar os outros produzindo versões falsificadas de bens preciosos, e um dos itens mais recorrentes foi o dinheiro falsificado. A moeda falsa corrói os próprios alicerces de confiança e estabilidade que sustentam uma economia saudável, fazendo com que as pessoas questionem a autenticidade da moeda que possuem, ao mesmo tempo em que causa inflação e perda de poder de compra, bem como perda de credibilidade da instituição financeira de um país na economia global. E um dos falsificadores mais notáveis do século XX foi o criminoso português Artur Virgílio Alves Reis. |
Artur quase destruiu a economia portuguesa ao explorar lacunas e práticas inadequadas no sistema financeiro do seu país. Ao contrário de outros criminosos, a genialidade de Artur Virgílio foi que ele próprio não falsificou a moeda portuguesa. Em vez disso, a sua rede conseguiu enganar uma empresa britânica produtora de notas, levando-a a acreditar que estava trabalhando em nome do governo português, enganando-a assim para que imprimisse dinheiro para ele.
Artur elaborou seu esquema brilhante enquanto estava na prisão cumprindo pena por peculato. Naquela época, a Alemanha estava passando por uma das piores inflações da história, e o dilúvio de notas autorizadas pelo governo levou Artur a examinar o funcionamento da instituição emissora de notas de Portugal, o Banco de Portugal.
Artur soube que desde 1891 Portugal estava fora do padrão-ouro, permitindo ao banco emitir notas que excediam em muito o seu capital social. Artur também soube que o Banco de Portugal às vezes imprimia notas em segredo, sem registrar tais transações nos livros, nem informar o governo do aumento do número de notas em circulação.
Além disso, Artur descobriu que o Banco não tinha nenhum mecanismo para evitar a emissão de números duplicados de cédulas. Artur calculou que poderia injetar 300 milhões de escudos (equivalente a um milhão de libras esterlinas na taxa de câmbio de 1925) na economia portuguesa sem interromper o mecanismo de banco central do estado.
Depois que Artur foi libertado da prisão em agosto de 1924, ele rapidamente agiu para colocar o plano em ação. No início, ele confiou em outro vigarista, José Bandeira, cujo irmão mais velho era o diplomata português em Haia. Por meio da apresentação de José, Artur teve contato com mais dois colaboradores: Karel Marang, comerciante holandês, e Adolph Hennies, comerciante alemão. Tanto Karel quanto Adolph tinham passados duvidosos e não tinham objeções em se envolver em um empreendimento obscuro, como o que Artur estava prestes a iniciar.
Artur enviou Karel Marang a Londres para se encontrar com Sir William Waterlow, o diretor-gerente da Waterlow and Sons Limited, a gráfica britânica que imprimia a moeda portuguesa para o Banco de Portugal. Karel apresentou-se como o agente autorizado do Banco de Portugal com o mandato de negociar uma operação de financiamento massiva na colônia portuguesa africana, Angola, economicamente em dificuldades.
El explicou que, por razões políticas, o contrato exigia a máxima discrição e ele seria o único intermediário entre a gráfica e o Banco. Sir William, naturalmente, insistiu em que tivesse uma carta de autorização do Diretor do Banco de Portugal. No entanto, ele cometeu o erro de não entrar em contato diretamente com o banco, mas pediu aos conspiradores que fornecessem a documentação. Karel alegremente agradeceu e apresentou documentos falsificados por Artur.
Artur Virgílio Alves Reis
Embora Karel enfatizasse o sigilo de todo o negócio, Sir William informou seu representante em Lisboa, Henry Romer, que quando soube do negócio extraordinário, enviou repetidas advertências a Sir William sobre a irregularidade do caso, enfatizando que apenas o Banco Nacional de Ultramar tinha o direito de emitir notas em Angola. Mas Sir William fez ouvidos moucos a qualquer alarme.
No início de 1925, a Waterlow and Sons Limited imprimiu 200.000 notas de 500 escudos portugueses com a imagem de Vasco da Gama, em um valor nominal total de 100 milhões de escudos, e entregou-as a Artur. O próximo passo foi introduzir essas notas no mercado. Artur contratou pessoas para abrir depósitos bancários em agências rurais e suburbanas de grandes bancos com as notas do Vasco da Gama e posteriormente fazer saques em notas genuínas na sede desses bancos.
Com o dinheiro lavado, Artur e seus bandidos começaram a investir pesadamente em imóveis e negócios, criando um boom temporário na economia portuguesa. Artur comprou o Palácio do Menino de Ouro, hoje prédio do Conselho Britânico em Lisboa, três fazendas, uma frota de táxis e gastou uma enorme quantia em joias e roupas caras para sua esposa.
José Bandeira comprou lojas de varejo e investiu em todo tipo de empreendimento; procurou também, sem sucesso, adquirir o jornal Diário de Notícias. Artur também abriu um novo banco, chamado Banco de Angola e Metropole, para ajudar na circulação de suas notas e investir em projetos em Portugal e Angola.
A fase final do esquema de Artur era obter o controle do Banco de Portugal, o que lhe permitiria varrer todo o caso para debaixo do tapete. Para isso, começou a comprar ações do Banco de Portugal com o intuito de adquirir a maioria. No final de 1925, Artur havia adquirido 10.000 das 45.000 ações necessárias para o controle acionário do banco.
O sucesso único do novo banco de Artur e sua própria ascensão à riqueza atraíram a atenção do jornal português O Século, que levantou questões sobre como esse novo banco em particular estava florescendo e como era possível que o banco concedesse empréstimos com taxas de juros baixas sem a necessidade de receber garantias.
O jornal levantava questões sobre o histórico e a idoneidade financeira dos até então desconhecidos diretores e principalmente de Artur Virgílio. Também implicava que a Alemanha, por intermédio de Adolf Hennies, estava tentando se infiltrar e dominar Angola em compensação pelas colônias que havia perdido na recente Guerra Mundial.
A 4 de Dezembro de 1925, um caixa de uma agência de câmbio do Porto, ele próprio envolvido no lavagem de notas de Vasco da Gama para Artur, suspeitou e levou uma das notas ao gerente local do Banco de Portugal sob a suspeita de que as notas poderiam ser falsificadas. Funcionários do banco examinaram as notas, mas não encontraram nenhuma diferença em relação à nota real. Após uma investigação exaustiva e frustrante, eles finalmente perceberam que as notas tinham números de série duplicados e o esquema de Artur desmoronou.
Multidões correram para o edifício do Banco de Portugal, em Lisboa, para trocar as notas fraudulentas, em 8 de dezembro de 1925.
Artur Virgílio Alves Reis foi preso, condenado e sentenciado a 20 anos de prisão. Ele saiu depois de cumprir quinze anos e morreu de ataque cardíaco em 1955, dez anos depois.
José Bandeira recebeu uma sentença de 15 anos, cumpriu-a e, após a libertação, entrou brevemente no negócio de casas noturnas. Morreu em 1960 em Lisboa, um homem popular e de modestas posses.
Karel foi julgado na Holanda e condenado a 11 meses. Mas como já havia cumprido pena na prisão aguardando julgamento, foi imediatamente solto. Mais tarde, ele comprou uma pequena fábrica de produtos elétricos na França, tornando-se um fabricante respeitado, homem de família e cidadão francês.
Adolph Hennies fugiu para a Alemanha, onde perdeu grande parte de sua riqueza em maus investimentos. Ele morreu na pobreza em 1936.
O Banco de Portugal processou a empresa Waterlow & Sons por negligência e ganhou. A Câmara dos Lordes ordenou que Waterlow pagasse ao banco £ 610.392 por danos e £ 95.000 adicionais para cobrir os custos da audiência. A empresa nunca se recuperou do revés financeiro e acabou sendo adquirida em 1961 por outra gráfica britânica de notas bancárias.
A fraude de Artur teve enormes repercussões na economia e na política de Portugal. Fez com que o valor do escudo português caísse e o público em geral perdesse a pouca confiança que tinha nas instituições financeiras do seu país. Alguns diriam mesmo que esta crise teve um forte efeito sobre o golpe de estado militar nacionalista contra o governo da Primeira República Portuguesa em 1926 que levou a Ditadura Nacional ao poder.
Embora o Banco de Portugal tenha retirado de circulação todas as notas de 500 escudos, muitas notas ainda se encontram em mãos privadas. Elas arrecadam muito dinheiro em leilões, com uma vendido em 2016 por mais de 36 mil reais.
Se você acredita que dinheiro falsificado é coisa do passado, saiba que só em 2022 agentes da Polícia Federal fecharam 25 laboratórios usados por e para fabricar notas. Em 82 operações foram apreendidos mais de 23 milhões de reais em cédulas falsas.
Identificar uma nota original da falsa hoje pode ser muito difícil porque até mesmo o material que os bandidos estão usando é muito parecido ao papel-dinheiro. Algumas cópias, de fato, parecem tão autênticas que precisam ser analisada no Instituto Nacional de Criminalística que usa a tecnologia para confirmar as falsificações. E não é só na produção que os criminosos evoluíram, eles também usam a tecnologia para fazer o dinheiro falso começar a circular vendendo as notas falsas, por 20 a 30% de seu valor nominal, nas redes sociais com promessa de qualidade na falsificação.
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Comentários
adorei a história.... já ia querer comprar uma nota destas pra coleção, mas o preço é proibitivo.
ou seja, a nota falsa virou artigo de luxo para colecionador