Quem conhece a vida de Raja Ravi Varma, famoso pintor indiano do século XIX, sabe que a mulher que serviu de inspiração e modelo para as pinturas de deusas e personagens épicos das lendas hindus era uma prostituta de Mumbai. As pessoas adoravam as deusas feitas à sua imagem, apesar dela ser uma prostituta. Raja Ravi Varma enfrentou uma série de acusações de hindus ortodoxos por suas ações e foi levado ao tribunal para defender suas ações e explicar porque escolheu uma profissional do sexo como modelo. Segundo a biografia do pintor, a mulher acabou suicidando-se, deixando o pintor angustiado. |
A prostituição faz parte do meio social da Índia desde os tempos antigos. Os reis se entregaram a isso. Guerreiros, senhores feudais e comerciantes ricos se entregavam a isso. As mulheres de origem social pobre recorriam a ela para agradar aos seus senhores ou para se libertarem da escravidão a que estavam sujeitas.
Havia muitas mulheres livres que não estavam sujeitas às restrições da sociedade hindu e participavam dela voluntariamente, enquanto algumas eram forçadas pelas circunstâncias. A lista incluía escravas que foram vendidas pelos seus pais como escravas porque não podiam se casar, e mulheres que foram capturadas durante as guerras e vendidas pelos seus captores para obter lucro. Algumas das mulheres serviram nas cortes dos reis como dançarinas, guardas, espiãs e cortesãs. Essas mulheres frequentemente acompanhavam os reis ao campo de batalha para protegê-lo ou entretê-lo.
As mulheres que se dedicavam à profissão de entretenimento e sensualidade eram igualmente desprezadas e admiradas. Elas eram desprezadas porque atraíam os homens e esvaziavam suas riquezas. Eles eram admiradas por sua beleza, talento artístico e habilidades profissionais em manter os homens engajados. A Índia foi a terra do Kamasutra. No entanto, não podemos generalizar e afirmar que os antigos indianos toleravam o kama mais do que toleravam a conduta pecaminosa.
Acontece que hoje o trabalho sexual é um modo de vida para milhares de mulheres em comunidades marginalizadas em certas partes da Índia rural. Para muitos, é a única forma de ganhar dinheiro, também devido ao estúpido sistema de castas indiano e aos preconceitos seculares que tornam difícil às famílias escaparem à pobreza.
Mas os ventos da mudança estão soprando. Em certas aldeias indianas, o trabalho sexual é, de certo modo, herdado. Mães e avós já trabalharam no mesmo ramo. No passado, pertenciam principalmente a grupos étnicos que trabalhavam principalmente como dançarinas. O poder colonial britânico criminalizou-os e até hoje é especialmente difícil para os homens destes grupos étnicos encontrar empregos regulares. Portanto, os membros femininos da família são muitas vezes os chefes de família. São elas que contraem empréstimos, constroem casas, tomam decisões importantes, o que de outra forma é raro na Índia.
As dívidas levam famílias a um ciclo vicioso. Os bancos não emprestam dinheiro a trabalhadoras do sexo, porque não reconhecem a prostituição como uma fonte de renda. Isso faz com que as prostitutas recorram a agiotas, que cobram taxas de juros exorbitantes. Elas se afundam ainda mais na pobreza.
A prostituição é legal na Índia, mas uma série de atividades relacionadas, incluindo solicitação, controle de rastreamento, propriedade ou administração de um bordel, prostituição em um hotel e proxenetismo são ilegais. Só que a polícia faz vista grossa para esse tipo de rede clandestina. Existem, no entanto, muitos bordéis operando ilegalmente em cidadezinha satélites de Mumbai, Delhi, Calcutá, Bangalore e Chennai.
Estima-se que na Índia existam três milhões de profissionais do sexo com idade entre 15 e 35 anos. Para muitas, submeter-se ao esquema é uma questão de sobrevivência. Os abusos são comuns, porém, as mulheres não conseguem uma oportunidade diferente de ganhar a vida. Essas cidadezinhas são estigmatizadas. A população, em geral, pertence à base do sistema hierárquico de castas. Os locais de onde vêm essas mulheres tradicionalmente foram povoados por tribos nômades.
No passado, as mulheres desses grupos étnicos, como os Dalits que constituem entre 15% e 18% da população indiana, desempenhavam diversas funções: eram dançarinas, malabaristas, acrobatas e mágicas. Esse trabalho e o modo de vida foram vistos como uma espécie de ameaça pelo poder colonial britânico que dominou a Índia no século 19. Em 1871, as atividades foram criminalizadas por meio de um decreto.
Com a independência, essa medida, claro, foi revogada. O problema é que estereótipos em torno dessas tribos ainda estão presentes na sociedade indiana atual. O que torna quase impossível para eles encontrar um trabalho em outras profissões.
Algumas crianças não sabem quem é o pai. Os clientes não revelam os próprios nomes às mães. Isso gera um problema adicional, já que em muitas localidades só é possível fazer um registro oficial com a identidade paterna. Ou seja, alguns bebês ficam fora do sistema.
No entanto, algumas mulheres conseguiram fugir de estereótipos de gênero e se emanciparam, afinal, são elas que levam dinheiro para casa. Elas são as responsáveis pela renda das famílias, por comprar propriedades e construir casas. Pagam dívidas, o que não é toda mulher na Índia que consegue. No final, maridos, pais e irmãos estão envolvidos no mercado do sexo, atuando como intermediários. Mas também ficam por conta de tarefas domésticas, cuidam dos filhos.
O problema é que algumas mulheres vivem sozinhas e a situação se complica quando ficam mais velhas. Por isso cada vez mais jovens estão tentando mudar o próprio destino e o das próximas gerações. A esperança é que a educação e o conhecimento transformem o futuro dessas mulheres e permitam que elas possam romper de vez com o passado.
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