Quando falamos uma língua, concordamos que as palavras são representações de ideias, pessoas, lugares e eventos. A língua que as crianças aprendem está ligada à sua cultura e ao seu ambiente. Mas será que as próprias palavras podem moldar a maneira como pensamos sobre as coisas? Os psicólogos há muito investigam a questão de saber se a linguagem molda os pensamentos e as ações, ou se os nossos pensamentos e crenças moldam a nossa linguagem. Conhecido como determinismo linguístico, dois pesquisadores, Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf, iniciaram esta investigação na década de 1940. |
Eles queriam compreender como os hábitos linguísticos de uma comunidade encorajam os membros dessa comunidade a interpretar a língua de uma maneira particular. Sapir e Whorf propuseram que a linguagem determina o pensamento. Por exemplo, Whorf disse que em algumas línguas existem muitas palavras diferentes para "love". Porém, em inglês a palavra é usada todos os tipos de amor. Isso afeta a forma como pensamos sobre o amor dependendo da língua que falamos?
A hipótese Sapir-Whorf ramifica-se em duas teorias: o determinismo linguístico e a relatividade linguística. O determinismo linguístico é visto como a forma mais forte, porque a linguagem é vista como uma barreira completa, uma pessoa fica presa à perspectiva que a linguagem impõe, enquanto a relatividade linguística é percebida como uma forma mais fraca da teoria porque a linguagem é discutida como uma lente através qual a vida pode ser focada, mas a lente pode ser mudada e as perspectivas podem ser mudadas junto com ela.
O termo "hipótese Sapir-Whorf" é considerado um nome impróprio por linguistas e acadêmicos, porque Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf nunca foram coautores de nenhum trabalho, e nunca declararam suas ideias em termos de uma hipótese. A distinção entre uma versão fraca e uma versão forte desta hipótese é também uma invenção posterior. Sapir e Whorf nunca estabeleceram tal dicotomia, embora muitas vezes nos seus escritos as suas opiniões sejam expressas em termos mais fortes ou mais fracos.
Os dois linguistas foram, no entanto, os primeiros a formular o princípio da relatividade linguística. Na virada do século XX os pesquisadores identificaram esta visão como muito absoluta, apontando uma falta de empirismo por trás do que Sapir e Whorf propuseram.
Só para ver como tudo isso é complexo, tomemos a palavra "saudade", como exemplo. Ela teve origem no século XV, quando os marinheiros portugueses saíram de casa para "explorar" os mares. Os que ficaram descreveram o vazio e o carinho que sentiam como "saudade". A palavra passou a expressar muitos significados, incluindo "perda, "nostalgia, "lembranças calorosas" e "esperança".
Na gramática saudade é substantivo abstrato, tão abstrato que os outros idiomas têm dificuldade em traduzi-la ou atribuir-lhe um significado preciso: E todas as expressões estrangeiras não definem o sentimento luso-brasileiro de "saudade. São apenas tentativas de determinar esse sentimento que sente os povos de língua portuguesa.
Assim, essa palavra "saudade não é apenas um obstáculo ou uma incompatibilidade da linguagem, mas é principalmente uma característica cultural daqueles que falam a língua portuguesa. Será que palavras como "saudade indicam que diferentes línguas produzem diferentes padrões de pensamento nas pessoas?
A resposta curta é "mais ou menos"; a resposta longa é mais complicada. A linguagem não determina completamente os nossos pensamentos -que são demasiado flexíveis para isso- mas os usos habituais da linguagem podem influenciar o nosso hábito de pensar e agir. Por exemplo, algumas práticas linguísticas parecem estar associadas até mesmo a valores culturais e instituições sociais. A queda do pronome é o caso em questão. Pronomes como "eu" e "você" são usados para representar o falante e o ouvinte de um discurso em português.
Em uma frase em português, esses pronomes podem ser eliminados se forem usados como sujeito de uma frase, mas e inglês não. Então, por exemplo, "Fui ao cinema ontem à noite" está bom, e "Eu fui ao cinema ontem à noite", está melhor. No entanto no inglês "I went to the movie last night" está bom, mas "Went to the movie last night", não cobra sentido (quem foi ao cinema?).
Um estudo de 1998 descobriu que as pessoas que vivem nos países onde são faladas línguas com eliminação de pronomes tendem a ter mais valores coletivistas do que aqueles que usam línguas sem eliminação de pronomes, como o inglês.
A referência explícita a “você” e “eu” pode lembrar aos falantes a distinção entre o eu e o outro, e a diferenciação entre os indivíduos", escreveu Emiko Kashima, professora da Universidade La Trobe, Austrália. - "Tal prática linguística pode funcionar como um lembrete constante do valor cultural, o que, por sua vez, pode encorajar as pessoas a realizar a prática linguística."
Vemos então que o "determinismo linguístico" é a ideia de que as palavras que você usa para se comunicar têm um efeito profundo em como você pensa. Um exemplo é a Novilíngua do romance 1984 de George Orwell. Outro exemplo pode ser sua mãe ameaçando lavar sua boca com sabão.
Outras pesquisas mostram que o que pensamos e como sentimos é bastante inato, independentemente da língua que falamos ou da cultura de origem. Parece que a incapacidade de nos expressarmos tem mais a ver com os limites da nossa linguagem do que com a maleabilidade dos nossos pensamentos.
O "relativismo linguístico" é um assunto totalmente diferente, e Tom Scott tenta explicar-nos a diferença no vídeo abaixo. É um assunto profundo e complicado, mas não precisamos compreender todas as suas complexidades para entender o que os pesquisadores estão descobrindo.
O assunto voltou à baila, porque um fórum do Reddit, quando um grupo começou a discutir o bom filme "A Chegada", baseado em um conto do escritor Ted Chiang, capaz de fugir de óbvio e trazer uma hipótese pouco conhecida pelo público para o centro do mundo: a hipótese de Sapir-Whorf. O filme baseia-se na noção de determinismo linguístico seguindo a linguista Louise Banks, interpretada por Amy Adams, enquanto ela é recrutada para decifrar as mensagens de visitantes extraterrestres. À medida que ela aprende a linguagem, ela começa a ver flashes da vida e da morte de sua filha. Mais tarde, torna-se evidente que essas visões semelhantes a flashbacks são vislumbres de seu futuro.
Ao adquirir a linguagem alienígena e a sua noção não linear de tempo, Louise é capaz de ver o passado e o futuro. O filme premiado ilustra um exemplo da versão forte da hipótese Sapir-Whorf, uma vez que pressupõe que a linguagem determina o pensamento. Aprender uma língua extraterrestre afetou a visão de mundo de Louise tão drasticamente que transformou completamente sua percepção do tempo.
A verdade é que muitas pessoas, muitas mesmo, acreditam que as palavras que usamos têm um repercussão profunda em como pensamos. Para piorar, a polarização severa torna nossa sociedade cada vez mais vulnerável. Nas discussões saudáveis, os lados opostos são vistos como adversários com os quais competir e, por vezes, com quem aprender e negociar. Mas do jeito que o mundo está, o outro lado passa a ser visto como um inimigo que precisa de ser derrotado, porque você tem razão e ele não. A discussão no Reddit acabou tão polarizada, que o fórum foi fechado indefinidamente.
Desde a segunda metade do século 20, a hipótese de Sapir-Whorf foi amplamente desacreditada por estudos e abandonada na linguística, nas ciências cognitivas e em campos relacionados. Hoje, os psicólogos e neurocientistas continuam a estudar e debater a relação entre linguagem e pensamento.
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