Ainda que o charque, conhecido nos Estados Unidos como jerky, seja hoje petisco de gente abastada, em seu começo, a carne salgada e desidratada ao sol com o objetivo de mantê-la própria ao consumo por mais tempo, era utilizada para a alimentação dos escravos que trabalhavam no ciclo da cana-de-açúcar. No Brasil, o início da produção da carne-de-sol no Nordeste se intensificou depois da Guerra dos Bárbaros, com a implantação das estâncias de gado. |
Na região andina da América do Sul, na era pré-colombiana, já havia o preparo de carne desidratada, com características de liofilização, graças às condições atmosféricas do altiplano. As carnes utilizadas eram de lhama ou outro gado, e denominava-se charqui.
Hoje, no entanto, o charque é bem diferente da antiga carne-de-sol, é produzido em larga escala e é quase completamente desidratado por sua forte salga, não é caro, tem um odor e gosto fortes típicos, e necessita longo tempo para dessalgar-se. Por isso até hoje costuma ser associado com alimentação de população de baixa renda.
Para piorar a situação do nosso charque, não é incomum que a polícia apreenda lotes de carne estragada que teriam como destino o tratamento para serem vendidas como carne-seca. Em outubro do ano passado a policiais civis da Delegacia de Crimes Contra o Meio Ambiente de Carapicuíba, na Grande São Paulo, encontraram 200 toneladas de carne podre no pátio de uma fábrica que trabalha com o beneficiamento de carne para revenda. Para o pior dos males, a fiscalização policial encontrou também um produto que seria usado para matar a bicheira da carne apodrecida.
Entretanto, hoje a carne-seca é um dos salgadinhos mais populares do mercado nos Estados Unidos e alguns países da Europa, e também um dos mais caros. O charque custa muito mais do que batatas fritas ou pretzels porque a carne bovina é cara. Também é preciso muita carne para fazer um pouco de carne-seca. A produção também é cara e demorada, aumentando ainda mais os custos.
O jerky tem dois insumos principais que se combinam para reduzir o tamanho e o peso do bife. Um quilo de bife se transforma em alguns gramas de carne-seca, e as poucas gramas jerky precisam cobrir o custo do bife e a energia necessária para evaporar toda a água e defumar.
Mesmo assim, a maioria dos amantes de carne-seca fica feliz em pagar o custo de seu lanche favorito. Você pode até petiscar sabores exóticos de carne-seca se estiver cansado de carne bovina. Esses tipos de carne-seca custam mais caro, mas você pode experimentar carnes como avestruz, javali e canguru. Aliá, esta última costuma ser a mais cara. Um pacotinho de 100 gramas de jerky bovino costuma custar em torno de 20 reais, enquanto a de canguru pode superar os 45.
Como dizíamos, a principal razão pela qual o charque é tão caro é porque é preciso muita carne para ser criado. A carne bovina é bastante cara e passa por um processo de secagem para se tornar carne-seca. A carne bovina contém até 60-70% de água e gordura, que se perdem no processo de secagem. A secagem torna a carne menor e mais densa. Ou seja, 50 quilos de carne bruta, não rendem mais que 25 quilos de charque.
Diferente da carne-seca brasileira que é salgada em cortes maiores e salgada, os funcionários das empresas processadoras de jerky devem primeiro cortar a carne à mão e retirar a gordura dela. Em seguida, marinam a carne por um tempo, embebendo-a em temperos e outros ingredientes para extrair dela o melhor sabor.
Em seguida, as tiras de carne são colocadas manualmente para garantir que evaporem uniformemente. O cozimento é demorado porque a carne deve ser cozida em fogo baixo e com umidade constante. Defumar geralmente leva três dias, e alguém precisa ficar atento à carne-seca o tempo todo para garantir que nada dê errado.
Até embalar a carne pode demorar muito. Ela precisa ser embalado em embalagens plásticas herméticas para mantê-la fresca. Além disso, o equipamento necessário para fazer jerky é caro. Porque fazer carne seca dá muito trabalho, exige muito espaço, equipamentos e funcionários.
Há uma explicação do motivo da carne-seca ter se popularizado no Nordeste durante o ciclo da cana-de-açúcar. O período coincidiu com a desvalorização do rebanho durante o transporte para abate nos mercados consumidores. Os produtores começaram a abater os animais e conservar a carne em sal, nos locais mais próximos aos portos, como Aracati, no Ceará, e nas salinas de Mossoró. Gado e sal foram os negócios que renderam lucros para suas capitanias produtoras.
Por isso, no século XIX, o charque era utilizado como alimento dos escravos da cafeicultura e da cana-de-açúcar em todo o Brasil -o outro alimento utilizado era o bacalhau barato vindo de Portugal-. Era também utilizado pelas camadas pobres da população livre, por ser barato e dispensar refrigeração. O charque era quase exclusivamente produzido no Brasil, com concorrência do Uruguai e da Argentina. Assim foi até o final do ciclo do Charque, quando o Rio Grande do Sul se tornou o maior produtor de charque do Brasil.
A carne-seca é uma das formas mais antigas de conservação de alimentos para os povos de caçadores e pastores nômades. Tradicionalmente, seca-se carne de porco, vaca, carneiro, bode, rena, peru, cavalo, avestruz e camelo, entre as espécies domesticadas, para além de várias espécies de animais selvagens. Existe evidência arqueológica de que o homem-de-neandertal secava carne de mamute.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários