Depois de tentar durante mais de um ano convencer mais sul-coreanas a terem filhos, a primeira ministra da Igualdade de Gênero e Família Chung Hyun-back diz que uma razão se destaca para o seu fracasso: "A nossa cultura patriarcal". Chung, que foi incumbida pelo governo anterior de reverter a queda vertiginosa da taxa de natalidade do país, sabe em primeira mão como é difícil ser mulher na Coreia do Sul. Ela escolheu e dedicou sua carreira à academia e à sociedade civil em vez de núpcias e filhos. |
Tal como ela, milhões de jovens rejeitaram coletivamente a maternidade em uma chamada greve de natalidade. Uma pesquisa de 2023 descobriu que mais mulheres do que homens -65% contra 48%- não querem filhos. Eles estão redobrando a aposta ao evitarem completamente o matrimônio e suas pressões convencionais. O outro termo na Coreia do Sul para greve de nascimento é "greve de casamento".
A tendência está matando a Coreia do Sul. Durante três anos consecutivos, o país registrou a taxa de fertilidade mais baixa do mundo, com as mulheres em idade reprodutiva tendo, em média, menos de um filho. Atingiu a "cruz morta", quando as mortes superaram o número de nascimentos, em 2020.
Agora, cerca de metade das 228 cidades, condados e distritos do país correm o risco de perder tantos residentes que poderão desaparecer. Creches e jardins de infância estão sendo convertidos em lares de idosos. As clínicas obstétricas estão fechando e mais funerárias estão abrindo. Na Escola Primária Seoksan, na zona rural do condado de Gunwi, o corpo discente diminuiu de 700 alunos para quatro.
Os jovens coreanos têm razões bem documentadas para não constituir família, incluindo os custos exorbitantes de criar os filhos, casas inacessíveis, péssimas perspectivas de emprego e horas de trabalho esmagadoras. Mas as mulheres, em particular, estão fartas das expectativas impossíveis das mães desta sociedade tradicionalista. Então elas estão desistindo.
O Presidente Yoon Suk-yeol, eleito em 2022, sugeriu que o feminismo é o culpado por bloquear "relações saudáveis" entre homens e mulheres. Mas ele parece ter entendido tudo ao contrário: a igualdade de gênero é a solução para a queda das taxas de natalidade. Muitas das coreanas que evitam o namoro, o casamento e o parto estão cansadas do sexismo generalizado e furiosas com uma cultura de chauvinismo violento.
A sua recusa em ser "máquinas de fazer bebês", de acordo com faixas de protesto que alguns grupos as vezes usam, é uma retaliação. Tornar a vida mais justa e segura para as mulheres faria maravilhas para reduzir a ameaça existencial do país. No entanto, este sonho parece cada vez mais rebuscado, à medida que o governo conservador de Yoon defende políticas regressivas que apenas ampliam o problema.
A crise demográfica da Coreia do Sul já foi inconcebível: ainda na década de 1960, as mulheres tinham em média seis filhos. Mas o Estado, em busca do desenvolvimento econômico, levou a cabo uma agressiva campanha de controle populacional. Em cerca de 20 anos, as mulheres tiveram menos do que os 2,1 filhos necessários para a reposição, um número que só continuou a diminuir. Os últimos dados disponíveis da agência de estatísticas da Coreia do Sul colocam a taxa de fertilidade atual em 0,72, o menor do mundo e muito abaixo da taxa mínima de reposição de população, de 2,1 filhos por mulher.
Os governos recentes ficaram de fato alarmados com uma taxa que aparentemente se aproxima de zero. Ao longo de 16 anos, 280 bilhões de wons (mais de um trilhão de reais) foram investidos em programas que incentivam a procriação, como um subsídio mensal para pais de recém-nascidos.
Muitas mulheres ainda dizem não. Não é de admirar. Há poucas maneiras de escapar das sufocantes normas de gênero, seja nas diretrizes de gravidez para providenciar roupas íntimas limpas para o marido antes do parto, ou no trabalho árduo de um dia na cozinha para feriados como o festival da colheita de Chuseok.
As mulheres casadas ficam sobrecarregadas com a maior parte das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos, o que pressiona tanto as novas mães que muitas desistem das ambições profissionais. Mesmo em famílias com rendimentos duplos, as esposas gastam diariamente mais de três horas nestas tarefas, contra 54 minutos dos maridos.
A discriminação contra as mães trabalhadoras por parte dos empregadores também é absurdamente comum. Em um caso notório, o principal fabricante de fórmulas infantis do país foi acusado de pressionar funcionárias a pedirem demissão após engravidarem.
E a violência baseada no gênero está "chocantemente generalizada", segundo a Human Rights Watch. Em 2021, uma mulher foi assassinada ou alvo de homicídio a cada 1,4 dias ou menos, de acordo com a Linha Direta Feminina da Coreia. As mulheres apelidaram o ato de terminar um relacionamento sem obter uma reação cruel de "rompimento seguro".
Mas as mulheres não aceitaram passivamente a violência. Elas se organizaram ruidosamente, desde o movimento #MeToo de maior sucesso da Ásia até grupos como "4B", que se traduz como "Quatro nãos: sem namoro, sem sexo, sem casamento e sem criação de filhos". Os movimentos feministas do país venceram a descriminalização do aborto e penas mais severas para uma epidemia de crimes pornográficos com câmeras espiãs.
Muitos jovens coreanos, no entanto, declararam-se vítimas do ativismo feminino. O Presidente Yoon subiu ao poder em 2022 aproveitando este ressentimento. Ele repetiu o apito dos defensores dos direitos dos homens, declarando que o sexismo estrutural já não existe na Coreia do Sul e prometendo punições mais duras para denúncias falsas de agressão sexual.
O governo de Yoon está removendo o termo "igualdade de gênero" dos manuais escolares e cancelou o financiamento de programas de combate ao sexismo cotidiano. O governo também está trabalhando para desmantelar a sua própria sede para o empoderamento das mulheres: o ministério da igualdade de gênero. Fundado em 2001, foi transformador na normalização da licença parental para os pais e ajudando mais mulheres a alcançarem antiguidade no local de trabalho.
A verdade é que até agora, nenhuma das medidas implementadas pelos sucessivos governos alterou as tendências do casamento e da procriação. Pior ainda, o atual governo parece estar minando ativamente os esforços que deram esperança às mulheres.
- "Esta é uma regressão histórica", disse Chung, que foi ministra da igualdade de gênero de 2017 a 2018. - "A sociedade não pode acabar com a greve dos nascimentos sem reconhecer as queixas das mulheres."
Motivar as coreanas a reconsiderar o casamento e os filhos envolve infundir agência e igualdade em todos os aspectos nas suas vidas. Uma abordagem feminista eliminaria os obstáculos à maternidade simplesmente através da aplicação das leis existentes contra a discriminação no local de trabalho. Desestigmatizaria os nascimentos fora do casamento e tornaria os deveres domésticos uma responsabilidade de todos. Condenaria a violência de gênero como repreensível. Uma abordagem mais aceitável admitiria que há um problema sistêmico.
É claro que os países com uma divisão desproporcional dos cuidados infantis ou sem licença parental nacional remunerada, como o Japão e os Estados Unidos, também apresentam taxas de fertilidade em queda. O mesmo acontece com a China, onde mulheres inspiradas na Coreia do Sul iniciaram o seu próprio movimento "Quatro nãos". Dados do governo deste mês revelam que a sua população também está diminuindo. Mas os países com pais cooperativos e boas políticas familiares, como a Suécia, ou que reconhecem diversas companhias, como a França, têm tido mais sucesso na estabilização ou mesmo no aumento da natalidade.
As Nações Unidas prevêem que a população de 51 milhões de habitantes da Coreia do Sul cairá pela metade antes do final do século. A sobrevivência da nação está em jogo.
Desde 2016, a taxa de fecundidade brasileira também só faz cair. Hoje é de 1,65 nascimentos por brasileira, quando na década de 1960 a média era de 6,3. Dados e projeções demográficas do IBGE indicam que o declínio da taxa no país deve continuar nos próximos anos. De fato, hoje nos Brasil somente os estados de Roraima, Mato Grosso e Amazonas exibem taxa de fertilidade acima da taxa mínima de reposição de população, de 2,1.
Por outro lado, um estudo sobre saúde e natalidade no mundo, publicado na Lancet, revelou que 9 dos 10 países com maior taxa de fertilidade estão na África subsariana. A Nigéria ocupa o primeiro lugar, com 7,1 nascimentos por mulher, seguindo-se do Chade, com 6,7 e a Somália, com 6,1. É por essas e outras que a população nigeriana suplantou a brasileira em 2020 e deve fazer o mesmo em relação ao Paquistão nos próximos anos.
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