Você está andando pela rua, olha para o chão e se depara com uma carteira cheia de dinheiro. O que faz? A questão pode parecer inconsequente, visto que aponta para as nossas motivações pessoais, mas é fundamental para compreender o funcionamento da "honestidade" nas sociedades modernas. Ou pelo menos é assim que foi interpretado por um grupo de acadêmicos que investigou o que as pessoas em todo o mundo fazem quando encontramos o dinheiro de outras pessoas em um experimento conhecido como " teste da carteira perdida". O estudo, elaborado por um grupo de pesquisadores de diversas instituições e liderado por Alain Cohn, professor da Universidade de Michigan, utilizou uma metodologia simples. |
Ele distribuiu mais de 17.000 carteiras com quantias variadas de dinheiro, desde o equivalente a 50 reais até mais de 500 ou sem nenhum dinheiro, em edifícios públicos e privados em 355 cidades de todo o mundo (40 países diferentes). As carteiras ainda continham uma lista de compras escrita no idioma do país, uma chave e cartões de visita com um nome masculino e endereço de e-mail onde a pessoa que encontrou poderia presumivelmente contatar o dono. E então ele esperou que as pessoas os encontrassem e agissem de acordo.
Calculando a média de todos os países juntos, houve um resultado claro e contraintuitivo. Menos da metade (40%) das pessoas se deu ao trabalho de entrar em contato com o falso proprietário da carteira quando não havia dinheiro, mas uma pequena maioria (51%) procurou o dono quando viu o dinheiro. E para as carteiras com 500 reais, uma taxa impressionante de 75% das pessoas tentou devolvê-las. Em 38 dos 40 países analisados, a maioria das pessoas preferiu devolver a carteira se esta contivesse uma pequena fortuna muito mais cedo do que se estivesse vazia.
Ou seja, se você perder uma carteira, é muito mais provável que você a recupere caso ela esteja transbordando de dinheiro. Estranho, certo? Os pesquisadores partiram da mesma base intuitiva que nós: a ganância prevaleceria, que as pessoas prefeririam o dinheiro acima do dever cívico ou da boa consciência.
O que eles descobriram foi o oposto. O desejo de satisfazer o infeliz detentor da carteira superou em muito o interesse no enriquecimento pessoal. A obra encontrou, assim, um denominador comum a todas as sociedades modernas: a "honestidade cívica".
Houve, no entanto, diferenças entre os próprios países. A maioria das pessoas que vivem na Suíça, Noruega e Holanda relatou a carteira perdida, independentemente de ter dinheiro ou não. Por outro lado, uma minoria de pessoas na China, Malásia e Peru retornou as carteiras, embora a taxa de retorno tenha aumentado quando o dinheiro estava envolvido. O México e o Peru foram os únicos dois países onde as pessoas eram menos propensas a devolver uma carteira com dinheiro do que a que não possuía. Os autores não têm nenhum senso claro de por que esses países podem ser diferentes.
O Brasil, enquanto isso, se mostrou abaixo do medianos em sua generosidade, ficando em 25º lugar em honestidade no geral. Mais uma vez, para as carteiras com quase quinhentos reais, a taxa de retorno entre os brasileiros alcançou quase 50%. Apenas 30% se preocupou em devolver a carteira vazia.
Quanto ao motivo pelo qual essas diferenças existem, os autores especulam que nossa ânsia de devolver uma carteira perdida poderia muito bem refletir a cultura local em torno da moralidade e responsabilidade cívica para com os outros.
Por que? A motivação, argumenta o estudo, é semelhante àquela que permite a manutenção de um sistema tributário ou o cumprimento da lei. As pessoas pagam impostos e concordam com os termos de um contrato não por causa do rigor jurídico, mas porque projetam um compromisso moral para com o resto do povo. É a base de toda sociedade funcional, um dever cívico que se estende a anedotas específicas, como a devolução de uma carteira ao seu legítimo proprietário.
Isso não é tudo, é claro. Nosso senso social é elevado, mas também o é a importância que damos à nossa autopercepção pessoal. Os pesquisadores acreditam que a alta taxa de retorno das carteiras ricas se deve ao fato de não querermos parecer ladrões:
- "As forças psicológicas podem ser mais importantes que as financeiras", dizem no estudo. Ou seja, nos sentimos mal por roubar o dinheiro dos outros porque não suportamos a culpa autoimposta. É outra forma de egoísmo. Um que resulta em honestidade cívica.
Portanto, é uma mistura de inteligência social e autopercepção pessoal. A lógica questiona os princípios teóricos da economia. Quando os autores pediram a 297 economistas profissionais que previssem os resultados do seu estudo com base nos seus conhecimentos, a esmagadora maioria respondeu que as carteiras com mais dinheiro seriam devolvidas com uma taxa mais baixa. Eles estavam errados.
Preferimos viver com a consciência tranquila a ter mais 500 reais no bolso. Não faz sentido econômico, mas faz sentido psicológico.
Ademais, existe uma frase muito popular no corolário nacional: "Achado não é roubado", mas não devolver o que foi encontrado também é um crime chamado "apropriação de coisa achada", cuja pena é de detenção de um mês a um ano ou multa, de acordo com o art. 169 do Código Penal. Isso se a coisa foi "perdida", pois se foi "esquecida" a pena do crime de furto é reclusão, de um a quatro anos, e multa. Além do mais, por lei, quem devolve a coisa achada tem direito a uma recompensa de 5%.
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