Roxo hoje é a cor associada à realeza resplandecente. Esta associação tem uma longa história. Há 2.000 anos, os imperadores romanos vestiram essa cor para refletir seu poder e riqueza, já que o roxo era uma das tinturas mais raras e que exigiam mais trabalho. Feito de caracóis, um corante chamado púrpura-tíria era uma das substâncias mais cobiçadas no mundo da Roma Antiga. Em uma descoberta chocante, em 2023, uma equipe de arqueólogos em Carlisle, no norte de Inglaterra, desenterrou um pedaço de púrpura-tíria preservada durante séculos nos esgotos de uma casa de banhos romana do século III. |
Nos ralos do balneário, os arqueólogos encontraram diversas joias esculpidas em calcogravura. Eles também descobriram um caroço estranho com um interior orgânico macio. Os testes revelaram bromo e cera de abelha, o que é indicativo de púrpura-tíria, criada através de uma secreção mucosa da glândula hipobranquial de algumas espécies da família dos muricídios de caracóis marinhos.
- "É um processo complexo que envolve extrair o líquido enquanto o molusco ainda está vivo e expô-lo à luz solar por um determinado período de tempo, durante o qual o corante muda de cor", escreve a Biblioteca da Universidade de Chicago. - "Podem ser necessários até 12 mil murex para produzir 1 grama de corante e isso só servia para tingir a bainha de uma roupa."
Estes números são apoiados pela quantidade de conchas descartadas que, em Sidon, no Líbano, por exemplo, criaram uma montanha de 40 metros de altura. A procura pela púrpura-tíria era tal que vastos depósitos de conchas foram escavados nos arredores de Sidon e Tiro e a espécie foi praticamente levada à extinção ao longo da costa da Fenícia.
Os imperadores romanos reivindicaram o uso proprietário da cor, e ela estava disponível para poucos devido aos custos. Na verdade, grama por grama era mais valiosa que o ouro. Esses números também explicam por que o corante valia mais do que seu peso em ouro. Em um edital de preços de 301 d.C., do reinado do imperador romano Diocleciano, descobrimos que 100 gramas de púrpura-tíria custava em torno de 30.000 denários ou cerca de 300 gramas de ouro, (equivalente a cerca de 120 mil reais no momento em que este artigo foi escrito. Meio quilo de lã pré-tingida custava meio quilo de ouro.
Imperador bizantino Justiniano I com uma veste de cor da púrpura-tíria, mosaico do século VI na Basílica de San Vitale, Ravena, Itália
- "Por milênios, a púrpura-tíria foi a cor mais cara e procurada do mundo", disse Frank Giecco, que está escavando o local. - "A sua presença em Carlisle combinada com outras evidências da escavação reforçam a hipótese de que o edifício estava de alguma forma associado à Corte Imperial do Imperador Lúcio Sétimo Severo, que estava localizada em York e possivelmente se relaciona com uma visita Imperial a Carlisle."
Segundo Frank este é o único exemplo que conhecemos de uma amostra sólida da púrpura na forma de pigmento de tinta não utilizado em qualquer lugar do Império Romano. Exemplos foram encontrados em pinturas murais, como em Pompeia, e em alguns caixões pintados de alto status da província romana do Egito.
Desde 2021, a escavação "Descobrindo a Carlisle Romana” está em andamento na cidade do norte da Inglaterra, que fica ao lado da Muralha de Adriano.
A Muralha de Adriano é um Patrimônio Mundial da UNESCO que serviu como fronteira norte fortificada do Império Romano na Grã-Bretanha. As escavações resultaram da descoberta em 2017 dos restos de uma casa de banhos ou mansão de oficiais romanos, da qual ninguém sabia anteriormente.
Tecidos tingidos de diferentes espécies de caracol marinho.
Desde então, arqueólogos da Wardell Armstrong descobriram muitos sinais da vida romana, incluindo cerâmica e uma escultura em pedra dedicada à Imperatriz Julia Domna, que foi casada com Sétimo Severo, um imperador que visitou militarmente a Inglaterra e morreu em York em 211 d.C.. Acredita-se que a presença do imperador no Reino Unido tenha possivelmente inspirado a construção, ou pelo menos o uso, das casas de banhos públicas.
Na mitologia fenícia, a descoberta da púrpura foi creditada ao cão de estimação de Tyros, amante do deus padroeiro de Tiro, Melqart. Um dia, enquanto caminhava pela praia, o casal notou que depois de morder um molusco, a boca do cachorro ficou manchada de roxo. Tyros pediu uma peça de roupa da mesma cor e assim começou a famosa indústria de tingimento.
O primeiro registro histórico da tintura está em textos de fontes ugaritas e hititas, que indicam que a fabricação da púrpura-de-Tiro começou no século XIV a.C., no Mediterrâneo oriental. O tecido tingido com púrpura foi um produto de exportação de enorme sucesso e trouxe fama aos fenícios em todo o mundo antigo.
Na verdade, alguns historiadores (mas certamente não todos) afirmam que o próprio nome "fenícia deriva da palavra grega "phoinos" que significa "vermelho escuro". Apesar de sua formidável reputação, os tintureiros de Tiro não detinham o monopólio do processo, mesmo no final da Idade do Bronze, já que quatro tabuinhas Linear B indicam que ele foi fabricado (embora em pequena escala) também na Creta minóica.
A principal função da púrpura-tíria era mesmo tingir têxteis, especialmente roupas. O tecido da mais alta qualidade era conhecido como dibapha, que significa "duas vezes mergulhado" na tinta roxa. Devido ao processo de produção demorado, ao grande número de conchas necessárias e à impressionante gama de cores dos artigos acabados, esses têxteis tingidos eram, obviamente, um artigo de luxo.
Os romanos, preocupados com o status, gostavam particularmente de roupas roxas e as reservavam apenas para a elite. A família imperial, os magistrados e algumas elites foram autorizados a usar a toga praetexta que tinha uma borda roxa, e os generais que celebravam um triunfo romano podiam usar no seu grande dia a toga picta que era inteiramente roxa com uma borda dourada.
Com o tempo, a cor roxa passou a representar o imperador, embora tenha sido Júlio César quem primeiro usou a toga purpurea toda roxa . No século V dC, a púrpura-tíria e a seda formaram uma combinação vencedora, e sua produção tornou-se um monopólio estatal a partir do reinado de Alexandre Severo.
Somente o imperador podia usar as kekolumenas (roupas de seda roxas) ou aqueles que tivessem a sorte de receber seu favor, e nenhum estrangeiro tinha permissão para comprá-las. Os imperadores também foram retratados vestindo púrpura-tíria, como o célebre retrato em mosaico de Justiniano I na Basílica de San Vitale, Ravena. O roxo foi associado por muito tempo ao sacerdócio desde os tempos romanos, e foi somente em 1464 que o Papa Paulo II ordenou a substituição das vestes roxas pelas escarlates para as vestimentas da Igreja.
Pensa-se que tal era o simbolismo da púrpura na Roma antiga que até mesmo monumentos imperiais e sarcófagos passaram a incluí-la na forma de mármore pórfiro, de cor púrpura profunda e uniforme. Além dos têxteis, a púrpura-tíria às vezes era usada para tingir pergaminhos e vários exemplos de textos da Antiguidade Tardia tingidos de púrpura sobreviveram, como o Códice Rossano.
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