Em 1964, Kitty Genovese foi esfaqueada por um agressor solitário do lado de fora de seu complexo de apartamentos. Após o ataque inicial, ela rastejou até os degraus do apartamento, onde conseguiu gritar várias vezes por ajuda. Seu agressor ouviu seus gritos e, vendo que ninguém estava vindo para ajudá-la, voltou para estuprá-la e atacar Kitty novamente até que ela foi morta. Investigadores posteriores descobriram que pelo menos 37 pessoas ouviram seus gritos de socorro, mas ninguém sequer chamou a polícia. |
Assim contavam os livros didáticos introdutórios de psicologia nos anos depois do assassinato. O crime de Kitty Genovese desencadeou uma teoria psicológica conhecida como "efeito espectador", às vezes chamada de "síndrome de Genovese".
Os psicólogos Bibb Latané e John Darley fizeram suas carreiras estudando o tal efeito e mostraram em experimentos clínicos que testemunhas são menos propensas a ajudar uma vítima de crime se houver outras testemunhas. Quanto mais testemunhas, menor a probabilidade de qualquer pessoa intervir.
O efeito espectador" foi usado pela imprensa como uma parábola de uma sociedade moderna moralmente falida que está perdendo a compaixão pelos outros, especialmente nas cidades grandes.
A morte macabra de Kitty ajudou inúmeros psicólogos a encontrarem o trabalho de suas vidas, foi o ímpeto para criar o 911 e do programa Bom Samaritano, que fornece assistência às pessoas necessitadas e em perigo. O crime influenciou vários livros, programas de televisão e filmes.
Quando seu irmão mais novo, Bill, foi enviado ao Vietnã em 1966, o comandante viu seu sobrenome e perguntou se ele era parente de Kitty. Bill respondeu que sim mas estava tão atormentado com a história que preferiu não entrar em detalhes.
Após retornar do Vietnã, sem as pernas, Bill Genovese passou seu tempo protegendo seus pais da mídia, que importunava e a afligia a família o tempo todo sobretudo porque Kitty era lésbica. Mas em 2004, muito depois que seus pais já tinham falecido, Bill, junto com o documentarista James Solomon, procurou contar a história real de sua irmã.
Naquele dia horrível em 1964, Winston Moseley avistou Kitty em um semáforo enquanto estava sentado em seu carro estacionado e então a seguiu até em casa. Ele estava dirigindo pelo Queens procurando por uma vítima, mas não deu nenhum motivo para o ataque. Winston era casado, tinha três filhos e não tinha antecedentes criminais.
Interrogatórios posteriores fariam Winston confessar vários outros estupros e dois outros assassinatos, ademais era necrófilo. Winston foi sentenciado à morte em 15 de junho de 1964, que foi reduzido para uma sentença de prisão perpétua em 1967.
Mais tarde, ele alegaria que um mafioso executou Kitty e que ele era apenas o motorista da fuga. O filho de Winston declarou que acredita que o pai atacou Kitty porque ela gritou insultos raciais para ele. O que não se provou verdade porque Kitty era ativa no Movimento dos Direitos Civis. Winston morreu na prisão em 28 de março de 2016, aos 81 anos.
No momento do assassinato havia apenas duas, não 37, testemunhas oculares; e apenas meia dúzia de testemunhas auriculares. Não apenas as duas pessoas chamaram a polícia, mas uma gritou para o agressor "deixar aquela garota em paz". Sophia Farrar, de 50 anos, que também foi acordada pelos gritos de Kitty, desceu correndo dois lances de escada para ajudar. Ela afugentou o agressor e Kitty morreu em seus braços.
Um dos dois vizinhos que presenciou o assassinato, bêbado naquela noite, Ross ouviu barulhos e, após deliberação, abriu a porta para investigar. Ele viu Kitty caída no chão, ainda viva e tentando falar, e Winston a esfaqueando. Ele fechou a porta e ligou para um amigo para perguntar o que fazer.
Ross finalmente saiu da janela e foi até o apartamento de um vizinho. Ele chamou a polícia depois de ouvir Sophie Farrar pedir para alguém fazer isso. A explicação de Ross: - "Eu não queria me envolver!", se tornou a famosa réplica do Efeito Espectador.
Ross era homossexual e ficou apavorado com a situação que se encontrava. Quando disse que não queria se envolver, queria dizer na verdade que não queria publicidade, o que faz sentido, já que a homossexualidade era considerada ilegal e ele temia por sua segurança caso sua orientação sexual fosse revelada publicamente. Ainda assim, após telefonar para o amigo e relatar o que presenciou, o amigo exigiu que ele chamasse a polícia, com medo, ele acordou uma outra vizinha, que finalmente telefonou para a polícia.
Por que os fatos reais deste caso foram tão distorcidos e serviu inclusive para criar uma síndrome? Para começar ela vivia com outra mulher em 1964, quando a comunidade LGBTQ+ era vista como marginal.
Não foram os psicólogos que erraram. A falsa narrativa foi criada pelo editor do New York Times AM Rosenthal, um homofóbico de carteirinha. Depois de ouvir sobre o assassinato do Chefe de Polícia, ele atribuiu a história ao repórter Martin Gansberg, que entregou uma história sensacionalista desprovida de fatos reais. Rosenthal decidiu publicá-la de qualquer maneira.
No dia seguinte, o jornal publicou uma análise falando com vários especialistas sobre a psicologia do motivo pelo qual as pessoas escolheriam não se envolver. Mais tarde naquele ano, Rosenthal adaptou essas informações em um livro chamado "Trinta e oito testemunhas: o caso Kitty Genovese, que se tornou um best-seller.
Dois repórteres da WNBC New York investigaram e sabiam que a história tinha muitas inconsistências. Eles confrontaram Martin, que disse que os fatos "teriam arruinado a história". A reportagem falsa de Martin não apenas remodelou a história, mas seu artigo ganhou vários prêmios de jornalismo.
A cobertura do New York Times foi criticada por vários erros factuais e acusada de inventar um fenômeno social para fins sensacionalistas. Décadas após o assassinato, um movimento jornalístico começou a corrigir a desinformação perpetuada pelas reportagens do New York Times.
Em 2004, o jornalista Jim Rasenberger escreveu um artigo para o Times desmascarando as alegações da reportagem de 1964. Um artigo de 2007 no American Psychologist desmente ainda mais as alegações de Rosenthal.
Em 2015, Bill Genovese, com a ajuda do amigo James Solomon, produziu e narrou o documentário "The Witness", que expõe o caso contra as reportagens do Times em termos fortes. Além da verdade do que realmente aconteceu, Bill também queria que as pessoas soubessem sobre a vida de sua amada irmã, e não apenas sobre sua morte.
Nascida em 1935, Catherine “Kitty” Genovese foi criada no Brooklyn com outros quatro irmãos. Uma estudante popular do ensino médio, os colegas a descreviam como engraçada, cheia de vida e como ela amava tanto as aulas de inglês quanto as de música.
Após a formatura, sua família se mudou para Connecticut, mas Kitty escolheu ficar no Brooklyn -a mudança foi desencadeada depois que sua mãe testemunhou um assassinato-. Além de não querer mais morar em casa, a cidade de Nova York ofereceu a Kitty algo mais que ela não encontraria em Connecticut na época: uma comunidade LGBTQ+ receptiva.
Vibrante, falante e extremamente gentil com as pessoas, Kitty administrou vários bares e pubs e foi morar com sua namorada Mary Ann Zielonko em 1963. As duas passavam seu tempo livre fazendo piqueniques em Coney Island, dançando no parque e dirigindo o Fiat vermelho de Kitty. Infelizmente, Mary estava dormindo profundamente naquela noite fatídica e não ouviu os gritos de socorro de sua namorada, e por isso ela se tornou uma das principais suspeitas do crime.
- "As pessoas não se lembram da gerente de bar vivaz, brincalhona, da querida irmã mais velha. Tudo de que se lembram é de uma vítima lendária", disse Bill ao Washington Post, em 2017.
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