Escravidão, o tratamento de seres humanos como propriedade, destituídos de direitos pessoais, ocorreu de muitas formas ao redor do mundo, mas um período se destaca tanto pela sua escala global, como pelo seu legado duradouro. O comércio de escravos no Atlântico, que ocorreu do final do século 15 até meados do século 19 e se estendeu por três continentes, levando à força mais de 12 milhões de africanos para as Américas. O impacto que deixou não só afetou estes escravos e seus descendentes, mas a economia e história de grande parte do mundo. |
Havia séculos de contato entre a Europa e a África por meio do Mediterrâneo. Mas o comércio atlântico de escravos começou no final do século 15 com as colônias portuguesas na África Ocidental, e os assentamentos espanhóis nas Américas logo depois.
As plantas cultivadas nas novas colônias, cana-de-açúcar, tabaco, e algodão, exigiam trabalho intensivo, e não havia colonizadores ou empregados contratados suficientes para cultivar a nova terra. Os nativos americanos foram escravizados, mas muitos morreram por conta das novas doenças, enquanto outros resistiram.
Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), a população indígena em 1500 era de aproximadamente 3 milhões de habitantes, sendo que aproximadamente 2 milhões estavam estabelecidos no litoral do país e 1 milhão no interior. Em 1650, esse número já havia caído para 700 mil indígenas e, em 1957, chegou a 70 mil, o número mais baixo registrado.
Para suprir a grande demanda por trabalho, os europeus se voltaram para a África. A escravidão africana já existia há séculos e de várias formas. Alguns escravos eram servos contratados, com o tempo de serviço limitado e a chance de comprar a liberdade. Outros eram mais parecidos com os criados europeus. Em algumas sociedades, escravos podiam fazer parte da família do senhor, possuir terra, e até mesmo subir a posições de poder.
Mas quando os capitães europeus chegaram oferecendo mercadorias manufaturadas, armas, e rum para os escravos, reis africanos e mercadores não tinham razão para hesitar. Eles viam as pessoas que vendiam não como conterrâneos africanos, mas como criminosos, devedores, ou prisioneiros de guerra de tribos rivais.
Ao vendê-los, reis enriqueciam seus domínios, e se fortaleciam contra inimigos vizinhos. Reinos africanos prosperaram por conta do comércio de escravos mas para satisfazer a grande demanda dos europeus criou-se uma competição intensa. A escravidão substituiu outras sentenças criminais, e capturar escravos se tornou uma motivação para a guerra, ao invés de seu resultado.
Para se defender de ataques em busca de escravos, os reinos vizinhos precisavam de armamentos europeus, que também compravam trocando por escravos. O comércio de escravos se tornou uma corrida armamentista, alterando sociedades e economias por todo o continente. Quanto aos escravos, eram vítimas de uma brutalidade inimaginável.
Após serem levados para fortes de escravos na costa, rapados para prevenir piolhos, e marcados, eram embarcados em navios em direção às Américas. Cerca de 20% deles nunca mais veriam terra firme. A maioria dos capitães da época atulhava os barcos, amontoando tantos homens quanto possível no porão. Enquanto a falta de saneamento causava muitas mortes por doença, e outros eram jogados ao mar por estarem doentes, ou como castigo, os capitães asseguravam o lucro cortando as orelhas dos escravos como prova de compra.
Alguns cativos decidiam resolver a situação por conta própria. Muitos africanos nunca tinham visto brancos antes, e pensavam que eram canibais, sempre levando pessoas para longe e retornando para pegar mais. Com medo de serem comidos, ou simplesmente para evitar mais sofrimento, cometiam suicídio ou morriam de fome, acreditando que, na morte, suas almas voltariam para casa.
Aqueles que sobreviveram eram completamente desumanizados, tratados como mera mercadoria. Mulheres e crianças eram mantidas em cima do convés e abusadas pela tripulação, enquanto os homens eram forçados a dançar para mantê-los em forma e impedir uma rebelião. O que aconteceu com os africanos que chegaram ao Novo Mundo e como o legado da escravidão ainda afeta seus descendentes hoje é bastante conhecido.
Mas o que raramente é discutido é o efeito que o comércio de escravos no Atlântico teve no futuro da África. O continente não apenas perdeu dezenas de milhões de sua população capacitada para o trabalho, mas pelo fato da maioria dos escravos serem homens, o efeito demográfico a longo prazo foi muito maior. Quando o comércio de escravos foi finalmente proibido nas Américas e na Europa, a economia dos reinos africanos desmoronaram, deixando-os vulneráveis à conquista e colonização.
A competição crescente e o fluxo de armas europeias estimulou a guerra e a instabilidade que continua até hoje. O comércio de escravos do Atlântico também contribuiu para se desenvolver uma ideologia racista. A maior parte da escravidão africana não tinha razão mais profunda do que punição legal ou guerra entre tribos, mas os europeus, que pregavam uma religião universal, e que há muito tempo tinham proibido a escravidão de companheiros cristãos, precisavam de justificativa para a prática que, obviamente, era contrária aos seus ideais de igualdade.
Então eles alegaram que os africanos eram biologicamente inferiores e destinados a serem escravos, fazendo um grande esforço para justificar essa teoria. Assim, a escravidão na Europa e nas Américas adquiriu um caráter racial, tornando impossível que os escravos e seus futuros descendentes alcançassem um status igualitário na sociedade.
De todas essas maneiras, o comércio de escravos do Atlântico foi uma injustiça de escala maciça cujo impacto continua muito depois de sua abolição.
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