- "Você se lembra do meu rancor desses últimos dias?", gritou irado Asano Naganori, o daimiô (poderoso senhor de terras) do Domínio de Ako no Japão, com o olhar fixo em Kira Yoshinaka (na verdade seu nome era Yoshihisa), um kōke (mestre de cerimônias). Asano estendeu sua espada curta, avançou pelo corredor do castelo a passos largos, e atingiu Kira. Embora o ferimento resultante não tenha sido fatal, suas consequências desatariam uma série de incidentes. O episódio ocorreu em abril de 1701 em Edo, atualmente Tóquio, depois que o governo militar de Tokugawa conquistou o poder cerca de um século antes. |
Isso deu início a um período de paz e estabilidade após a era dos Estados em Guerra, ou "Sengoku", que foi marcada por constantes derramamentos de sangue e conflitos causados por senhores de guerra e seus samurais.
Para garantir seu domínio, o governo Tokugawa tinha como objetivo domar a classe dos samurais. Samurais carregavam duas espadas e serviam a um único senhor até a morte, mas seus deveres se tornaram burocráticos e administrativos. Enquanto isso, as leis de Tokugawa estipulavam que ambos os lados seriam disciplinados no caso de uma disputa violenta.
No entanto, quando os oficiais se reuniram após o ataque de Asano a Kira, decidiram punir apenas Asano, o autor do incidente. Eles ordenaram que Asano cometesse seppuku, o ritual de suicídio. Mas eles não pararam por aí. Eles também ordenaram a tomada do castelo de Asano, a dissolução de sua casa e a prisão de seu irmão mais novo.
A notícia chegou rapidamente ao domínio de Asano. Da noite para o dia, cerca de 300 samurais devotos de Asano se viram despojados de suas casas e salários, e se transformaram em "ronins", ou samurais sem mestre. Ninguém, nem mesmo eles, sabiam por que Asano atacou Kira. Alguns especularam que Asano se recusou a pagar suborno a Kira, a pessoa que deveria ensiná-lo as regras de etiqueta, então Kira o humilhou.
Outros diziam que Asano simplesmente "enlouqueceu". Isso deixou os samurais do domínio de Ako em crise, enfrentando uma tensão que estava no cerne do período Tokugawa. Eles eram uma classe privilegiada de guerreiros repletos de lendas épicas de lealdade, heroísmo e glória marcial. Mas eles foram proibidos de usar a violência; seu papel tradicional era celebrado e restrito ao mesmo tempo.
Alguns samurais de Asano diziam que as ordens do governo deveriam ser cumpridas. Outros, que deveriam seguir imediatamente seu senhor até a morte. Uma facção, liderada por Horibe Yasubei Taketsune, argumentou que eles deveriam realizar os desejos de seu senhor matando Kira, alegando que enquanto o inimigo de Asano estivesse vivo, eles estavam desonrados.
No entanto, Oishi Yoshio, o líder efetivo dos samurais do domínio de Ako, acreditava que, se cumprissem as ordens oficiais, as autoridades poderiam mostrar clemência, e deixar que o irmão de Asano o sucedesse. Então, os samurais entregaram pacificamente o castelo. Mas suas esperanças foram frustradas quando o irmão de Asano foi colocado sob a custódia de outra família, deixando-os sem um caminho para restaurar seu status.
A maioria aceitou os termos do governo. Mas no fim, 47 dos samurais de Asano, incluindo Horibe e Oishi, não aceitaram. E em vez de pedir formalmente permissão para se vingar usando o sistema de vingança do governo, eles começaram a conspirar secretamente para matar Kira. Quase dois anos após a morte de Asano, os ronins, liderados por Oishi, invadiram a residência de Kira, mataram 16 de seus samurais e feriram outros 23, antes de decapitar o próprio Kira.
Eles apresentaram a cabeça de Kira no túmulo de Asano, depois se renderam aos oficiais de Tokugawa, justificando sua violência dizendo que não poderiam viver sob o mesmo céu que o inimigo de seu senhor. As ações dos ronins criaram grandes problemas para o governo Tokugawa. Os ronins haviam quebrado a paz e uma série de leis.
Mas as autoridades sabiam a importância da honra e da lealdade entre os samurais. Após semanas de debates, os oficiais decidiram: os ronins podiam ser elogiados, mas deveriam ser punidos. Eles foram autorizados a cometer seppuku, o que lhes ofereceu mortes honrosas, e foram enterrados ao lado de Asano. Mas a história deles logo se transformou em lenda.
Em poucas semanas foi dramatizado. E logo depois, estudiosos começaram a debater as ações dos ronins, alguns os elogiando como samurais perfeitamente leais e obedientes; outros os condenando como criminosos delirantes.
Nos três séculos seguintes, o Japão continuou examinando e adaptando a história em teatro, cinema, propaganda e muito mais, enfrentando as tensões entre lei e cultura, passado e presente, e debatendo repetidamente o incidente muito depois do veredicto oficial ter sido proferido.
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