Em 1960, o compositor e teórico musical John Cage foi à televisão para compartilhar seu último trabalho. Mas, ao invés de utilizar instrumentos tradicionais, John apareceu cercado por uma bagunça doméstica que incluía uma banheira, cubos de gelo, um peixe de brinquedo, uma panela de pressão, um pato de borracha e vários rádios. Provido de tais peças e um cronômetro, ele realizou "Water Walk", a partir de uma série de sons, com uma expressão séria e uma precisão incrível. Alguns espectadores acharam a performance histérica, enquanto outros acharam completamente absurda. |
Mas, a maioria das pessoas que assistiam provavelmente compartilhava o mesmo questionamento: isso é de fato música? Essa pergunta é mais difícil de se responder do que se imagina. O que determinamos como música depende, muitas vezes, de nossas expectativas. Por exemplo, imagine que você está em um clube de jazz escutando o som rítmico de cornetas A maioria das pessoas concordaria que isso é música. Mas, caso esteja na estrada ouvindo a mesma coisa, muitos chamariam de barulho. Afinal, buzinas de carros não são instrumentos e esses motoristas não são músicos... certo?
Expectativas como essas influenciam a forma que categorizamos tudo que ouvimos. Normalmente, pensamos que algo soa mais musical se uma estrutura reconhecível ou sons populares são usados combinados em padrões conhecidos. E mesmo dentro da esfera musical, esperamos que certos gêneros usem instrumentos e harmonias específicas.
Tais expectativas são baseadas em tradições musicais existentes, mas essas tradições não são imutáveis. Elas variam de acordo com culturas e períodos diferentes. E no início do século 20, quando muitos artistas estavam empurrando os limites de suas áreas John Cage queria descobrir os novos tipos de música que poderiam existir para além dessas limitações.
Ele começou criando novos instrumentos que ultrapassavam os limites entre a arte e o cotidiano e usava objetos surpreendentes para reinventar instrumentos existentes. Ele também explorou novas formas para a música cruzar com outras artes. Ele e seu companheiro criativo, Marce Cunningham, faziam recitais onde a música de John e a coreografia de Marce pudessem ser criadas de forma independente antes de serem executadas juntas.
Independente da abordagem, John alegremente desafiou espectadores a questionarem os limites entre a música e o barulho assim como os limites entre o som e o silêncio. Talvez o melhor exemplo seja a composição mais famosa de John: uma peça solo de piano constituída de nada além de pausas musicais durante quatro minutos e 33 segundos.
A intenção não era de ser uma brincadeira, mas, ao contrário, um questionamento. Poderia a abertura e o fechamento de um piano ser considerado uma música? E o clique do cronômetro? Quem sabe, o sussurro e até a reclamação da plateia? Assim como as telas em branco de seus amigos pintores, John pedia para que o público questionasse suas expectativas sobre o que era a música e enquanto a peça não evocava o drama de algumas composições clássicas, ela certamente evocou uma forte resposta emocional.
O trabalho de John geralmente priorizava experiências espontâneas e efêmeras ao invés de performances precisas e previsíveis. Ele inclusive desenvolveu processos que deixavam as composições em aberto. Um de seus sistemas favoritos era o I Ching, um antigo texto chinês de adoração. Utilizando apenas um punhado de moedas. O i>I Ching
Porém, John adaptou tais padrões para uma série de tabelas que geravam durações, tempos e dinâmicas musicais diferentes. Finalmente, ele até usou computadores primitivos para produzir esses padrões aleatórios. Para algumas obras, John foi ainda mais longe, oferecendo composições incompletas com amplas instruções para os músicos, permitindo que compusessem de maneira espontânea com a ajuda de suas instruções.
Alguns compositores rejeitaram a abordagem aparentemente desordenada de John. Eles acreditavam que era o trabalho do compositor organizar o som e o tempo para fins específicos e intencionais. Se essas composições estranhas fossem música, onde traçaríamos o limite? Porém, como um ousado explorador, John não queria ser limitado pelas restrições e certamente não queria seguir regras antigas.
Ele se dedicou a quebrar nossas expectativas, criando uma série de vivências únicas que continuam a encorajar músicos e plateias a abraçarem o inesperado. Para mim, a diferença entre música e barulho nunca poderia ser explicada por John: ambos são sons, se o som é indesejado é barulho, se é desejado é música. Por exemplo, você pode tamborilar com seu lápis na mesa, pode achar isso cativante porque você preenche os sons em sua cabeça, mas seu colega de quarto depois de alguns minutos pedirá para você parar de fazer barulho.
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Não é música. Mas é uma performance artística.