Há quase 50 anos, quando ainda não existia a internet e os blogs nem pensavam em nascer, as notícias curiosas e virais eram impressas em papel. Cada noticiário, jornal e revista tinha sua seção de notícias curiosas, histórias insólitas e acontecimentos misteriosos. Eram parcos em fotografias e material gráfico, mas muito ricos na narração que detalhava com muito cuidado e zelo todo o ocorrido. Dentre todas as revistas da época ninguém dominou a arte de contar histórias curiosas como a Reader's Digest, a revista de variedades mais famosa que já existiu e cuja edição mensal era aguardada com ansiedade por todo bom curioso. |
Na reta final, para seus 100 anos de história (ela foi lançada em 1922), a publicação on-line decidiu recuperar algumas de suas histórias mais loucas e famosas. Como a que nós vamos contar a seguir. É uma delícia e você não deveria deixar de lê-la.
O marido desaparecido
Jim e Anne McDonnell viviam sozinhos em uma pequena casa de alvenaria em Larchmont, Nova Iorque. O casal tinha-se casado no começo dos anos 1960, mas não tinham conseguido ter filhos. Mesmo assim sentiam devoção um pelo outro e eram muito felizes.
Jim trabalhava como chefe dos carteiros do distrito, era querido por todo mundo, e quase todos seus vizinhos o conheciam pessoalmente. Anne era amável e alegre, também dona de casa e membro ativo da comunidade. Juntos formavam um grande casal.
Entre fevereiro e março de 1971, com 50 anos recém completados, Jim sofreu uma curiosa corrente de infortúnios que lhe levou a bater fortemente sua cabeça até em quatro ocasiões.
Primeiro, quando levava o lixo para fora, escorregou no solo gelado e golpeou a cabeça. Alguns dias mais tarde sofreu um ataque de soluços e perdeu o controle do carro e bateu contra um poste. De novo sua cabeça bateu contra o parabrisas. Uma vertigem enquanto trabalhava resultou em um mal súbito e a cabeça novamente foi beijar o chão, e dez dias mais tarde um segundo acidente de carro fez com que Jim fosse internado com uma contusão cerebral.
Já em março de 1971, Jim dirigiu uma caminhonete emprestada de um amigo até o aeroporto para buscar o irmão de Anne e sua família. Depois de levá-los em casa e devolver o veículo, Jim decidiu voltar caminhando para espairecer.
Eram 10 horas da manhã e o trajeto devia durar uns 15 minutos, mas quando o relógio marcava meio-dia Anne começou a se impacientar. Às 12:15 telefonou para o amigo dono da caminhonete que explicou que Jim já tinha devolvido fazia mais de uma hora. Às 14:00 Anne deu parte à polícia e relatou que Jim tinha desaparecido.
Decorridas 24 horas, a polícia enviou sua ficha a todas as delegacias sem resultados. Também não acharam rastros em nenhum necrotério ou hospital. O detetive atribuído para o caso, George Mulcahy, conhecia Jim do grupo paroquial. Em seu relatório descreveu-o como um homem amável e de boa conduta sem problemas pessoais e com uma excelente carreira profissional. Sem tendências delitivas nem autodestrutivas. A falta de um acidente mortal ou ataque fortuito, George só encontrou um explicação plausível: a amnésia.
A teoria do detetive não era mais que uma simples especulação, mas podia ser sustentada em base à medicina. Uma forte contusão ou acidente cerebrovascular podem causar a perda da memória, motivo pelo qual Jim poderia ter ficado desorientado e começado a vagar sem rumo até se perder.
Durante semanas Anne esperava em casa agoniada, enquanto rezava para que Jim estivesse bem. Ela concordou com a teoria da amnésia e com frequência sonhava que Jim se recuperava e regressava para casa. No entanto depois acordava para comprovar que não estava ali.
Pouco depois do desaparecimento, Anne deu-se conta de que teria que começar a trabalhar para ganhar a vida. Primeiro começou como babá, repositora de supermercado e como camareira na cafeteria do hospital. Em 1977 passou a auxiliar de enfermaria. Anne era uma boa profissional, sempre disposta a trabalhar para se manter ocupada.
- "Tenho que seguir adiante", falava sozinha com a esperança de que Jim pudesse regressar algum dia. Ela continuou guardando sua roupa no armário, o barbeador e o creme sempre estavam no mesmo local no banheiro; e sua almofada favorita, o sofá onde se sentava a descansar a cada tarde.
A história de Jim
Durante seu caminho para casa, depois de entregar a caminhonete, Jim foi perdendo a capacidade de memória. Não ficou claro o que ocorreu, mas acabou chegando à estação central onde pegou um trem aleatório. A seguinte coisa que ele recorda é que de repente estava no centro da cidade da Filadélfia.
Não sabia seu nome, mas se fixou em um anunciou publicitário de um agente imobiliário chamado James Peters e o emprestou como próprio. Apesar de todas suas dúvidas e lacunas de memória, não pensou em nenhum momento em perguntar na polícia ou ir até a algum hospital. Não tinha passado, sua única realidade era o presente e naquele momento era o que bastava.
James Peters conseguiu um carteirinha de Seguro Social, algo que naquela época podia ser adquirida sem apresentar a certidão de nascimento. Com ela, encontrou um emprego no serviço de cozinha de uma residência de idosos. Depois em um centro de pesquisa contra o câncer onde limpava as gaiolas dos animais. Mais tarde, conseguiu um emprego como cozinheiro em uma rede de lanchonetes famosa na época, aonde chegou a ser bastante conhecido por suas deliciosas panquecas, sua alegria e bom humor.
Jim uniu-se à Legião Americana e converteu-se em membro ativo da Igreja Católica Romana San Hugo. Nunca falava de seu passado e seus amigos não insistiam. Uma vez alguém lhe disse:
- "Por seu sotaque, você deve ser de Nova York". Quando Jim respondeu:
- "Acho que sim".
Cheryl Sloan, uma garçonete da mesma rede recorda que Jim era um tipo bondoso e genial.
- "Ele amava as crianças. Lembro que um ano ele deixou a barba crescer para poder ser o Papai Noel do Natal no orfanato local. Lógico que nos perguntávamos por seu passado, mas não a ele. Minha mãe achava que ele era um ex-padre ou alguém que tinha cumprido alguma pena na prisão".
Bernardine Golasshovsky, também da rede de lanchonetes, desenvolveu uma relação especial com Jim. Seu pai havia morrido quando ela começou a trabalhar no local e o bom homem se converteu em uma espécie de figura paterna. Seu marido e seus quatro filhos, aceitaram Jim em seu seio familiar, passando juntos os Natais e datas festivas.
Na Ação de Graças de 1985, ela recorda que seu marido, Peter, via televisão com Jim enquanto um filme mostrava um carteiro todo molhado entregando cartas em um dia chuvoso.
- "Esse é um trabalho que eu jamais gostaria de ter na vida", disse o marido. Jim franziu o cenho e disse:
- "Hummm, acho que eu costumava ser carteiro."
- "Como assim? Onde?", perguntou Peter.
- "Não sei, não faço a mínima ideia".
- "Em Nova Iorque?", insistiu Peter.
- "Não estou certo, mas acho que lembrei algo de meus pais."
Como dizíamos, Jim havia passado todos os Natais em companhia da família Golashovsky, mas em 24 de dezembro de 1985 ele não apareceu.
Dois dias antes, em 22 de dezembro, Jim levou um tombo e bateu a cabeça no chão com toda a força. No dia seguinte, continuava distraído e voltou a perder o equilíbrio. No dia 24 pela manhã Jim acordou diferente, estava desbocado, agitado e eufórico. Após 15 anos enfim recordava quem ele era: chamava-se Jim A. McDonnell, de Larchmont, Nova Iorque e o nome de sua esposa era Anne.
- "Anne! Anne! Anne!", exclamou o homem até perder o fôlego. Sua amada Anne, estaria viva ainda? Teria casado outra vez? E se não, estaria disposta a recebê-lo? Sem perder tempo vestiu-se e foi correndo à estação.
Um Natal inesquecível
Anne acabara de chegar em casa após a missa de Natal, onde acendeu como sempre algumas velas e rezou por Jim. Estava nevando levemente e ela preparava a comida para levar à ceia de Natal na casa de sua irmã. Ela devia se apressar antes que todos os caminhos se tornassem escorregadios. Então a campainha tocou.
- "Uch! Essa não é uma boa hora para receber visitas, quem será?" pensou enquanto foi abrir a porta.
Em frente a ela um homem de barba branca espessa -ele havia cultivado a barba para ser Papai Noel novamente- a olhava fixamente. Imediatamente reconheceu Jim e o coração foi parar na boca. Jim observou Anne mais envelhecida, mas também mais bonita e uma primeira lágrima rolou.
- "Olá Anne!" disse Jim.
- "Jim, é você mesmo!" - disse Anne com a voz entrecortada. - "Isto é real? Alegro-me que esteja em casa, entra".
Suas mãos apenas se tocaram, pois ambos estavam aturdidos demais para trocar um carinho. Os abraços e as lágrimas chegariam depois.
Anne levou Jim até seu sofá favorito e trouxe sua almofada surrada. Começaram a falar preenchendo os vazios destes 15 anos separados. Choraram, riram, se beijaram timidamente e orgulharam-se do tipo de pessoas que tinham sido estando separados. De madrugada, quase de manhãzinha, os olhos de Jim pesaram e ele caiu rendido na cama.
Ao dia seguinte, Jim informou de seu regresso à polícia e, nessa mesma noite, os Golashosky receberam uma chamada de um jornalista do Daily News de Nova Iorque que lhes comunicava que Jim estava bem e que o diário desejava fazer uma entrevista. Bernadine avisou a todos os amigos de Jim das boas e incríveis notícias.
Uma semana depois Jim submeteu-se a uma tomografia para comprovar o estado de seu cérebro, com bons resultados, mas ninguém nunca soube explicar o motivo da amnésia. Anne e Jim retomaram sua relação com o mesmo amor do primeiro dia e voltaram a ser o casal mais romântico de Larchmont.
- "A cada dia que estamos juntos estamos melhor e faz com que o tempo que vivemos separados pareça mais curto", disse Jim.
Mais tarde, em uma entrevista aos meios locais, os McDonnells disseram que durante a sua separação de 15 anos, nunca ocorreu a qualquer um deles sequer o pensamento de se casar com alguém.
- "Eu não queria outro casamento e mais um marido fujão", riu Anne com seu característico bom humor. Já Jim disse que nunca nem cogitou o assunto. Então ele olhou para sua esposa e disse:
- "Alguma coisa me dizia que eu já tinha a mulher certa."
Jim Mcdonnell morreu em janeiro de 2007, ele tinha 85 anos. Sua esposa Anne o precedeu na morte em 1999.
Fonte: Reader's Digest.
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Comentários
Coisa que só Deus explica. Por isso que não se conhece tudo do amor, porque Deus é o amor. Ele é o amor conhece a todos.
Nossa que historia !!
Conheço essa revista desde os anos 70, quando ainda era uma criança. Depois de muitos anos, já adulto, passei a ser assinante dela, e após alguns anos eu rompi esse relacionamento, mas é uma excelente revista.
Quanto a essa história, ela é muito emocionante. Coisas que só o amor pode explicar.
Conheci a revista Reader's Digest ainda criança, nas edições antigas em espanhol que minha mãe colecionava. Realmente o conteúdo era diferente de tudo que se produzia na época.
Um dia desses tomei todas, fiquei o fim de semana inteiro sem memória, só recuperei na segunda-feira 04:00 da manhã. Tava na porta de um puteiro, não sei com fui parar lá.
A desculpa não rolou lá em casa e levei uma coça da patroa...