Muitas das histórias sobre a Coreia do Norte tendem a parecer surrealistas. Esta é provavelmente uma dessas histórias. A dívida comercial mais importante que o país têm com o mundo ocidental é estranha inclusive para os próprios padrões do comunismo de Pyongyang. Resulta que Kim Il-sung fraudou a Suécia. Com 1.000 carros da Volvo. A história começou várias décadas atrás, quando o sedã Volvo 144 ainda estava em produção e as empresas suecas começaram a se expandir a um novo e promissor mercado: Coreia do Norte. |
A situação política do mundo antes de 1989 era um pouquinho mais fácil de explicar que a atual. Por um lado estavam os países aliados dos Estados Unidos e da NATO e pelo outro estavam os países aliados da União Soviética. E no meio destes dois bandos estavam os chamados países não alinhados ou teoricamente neutros, como a Suécia.
Enquanto EUA e União Soviética olhavam-se com cara de poucos amigos, todos os outros países tentavam fazer negócios com qualquer dos dois bandos. A Itália, por exemplo, vendeu a licença de sua Fiat 124 à URSS, que lá se tornou o infame Lada 124.
Assim, enquanto a União Soviética pagava as contas, isto é enquanto o governo da Coreia do Norte conseguia eletricidade e alimentos quase presenteados por seu protetor, podia se permitir o luxo de pôr em marcha despropósitos propagandísticos, entre eles o de fazer crer o resto do mundo que na Coréia do Norte também fabricavam carros e que as pessoas os compravam. Sim, em um país em que a propriedade privada é ilegal.
Nos anos 80 conseguiram uma série de Mercedes 190E -as ditaduras sempre querem Mercedes-Benz- que desmontaram e copiaram sem remorsos, criando um tal de Kaengsaeng 88 (acima). Ao que parece, a qualidade de fabricação desta cópia do 190E era tal que um fusca, em comparação, era como um Rolls-Royce.
Mais tarde voltariam a tentar fabricar carros com a ajuda da igreja Moon. E atualmente, em teoria fabricam carros a partir de kits enviados da China -um desses modelos se parece ironicamente a um Kia Sorento de gerações atrás. Mas antes de decidir fabricar seus próprios veículos, Kim Il-sung comprou carros do ocidente. E é quando entra em cena a Volvo.
Em meados da década de 1970, as empresas exportadoras suecas assinaram grandes contratos comerciais e enviaram toneladas de equipamentos industriais fabricados na Suécia à Coreia do Norte, incluída maquinaria de mineração pesada e uma frota de nada menos que 1.000 Volvos 144 GL, um carro robusto e fabricado até 1974.
Por que? Desde o ponto de vista dos exportadores, a economia emergente da Coreia do Norte tinha muitas riquezas (cobre e zinco). Após a Guerra da Coreia sua economia foi reconstruída e converteu-se em um estado industrial em funcionamento, ainda que muito dependente da ajuda da União Soviética.
Dada a avareza, olho comprido e, talvez, um pouco de ingenuidade dos suecos, que acreditaram na história que assegurava um crescimento anual do PIB da Coreia, nos anos 60, de 25 %, não parecia uma má aposta aproveitar a situação para poder comercializar com os países comunistas ou aliados da URSS e assim ficar com um mercado que outros países alinhados não podiam ter acesso.
Assim foi como Suécia enviou mais de 70 milhões de dólares em produtos. De fato, investiram tanto na Coreia do Norte que as empresas exportadoras suecas alentaram o Ministério de Relações Exteriores da Suécia a enviar para lá um diplomata. E assim foi. Em 1975, a Suécia passou a ser o primeiro país ocidental em estabelecer uma embaixada em Pyongyang.
O homem a cargo da tarefa foi o diplomata Erik Cornell, que se uniu ao ministério em 1958. Poucos meses após de sua chegada à Coreia do Norte começou o "reinado" de Kim Il Sung.
Cornell foi o encarregado dos negócios da embaixada até 1977. Como recordaram vários jornais posteriormente, a capital era um vazio só.
- "Não dava para ir a um café ou a um restaurante porque não tinha. Às vezes, a única coisa que alguém podia fazer era sair e dar pequenos passeios no seu Volvo. Essas eram as condições da vida."
Em realidade, Cornell recebeu a missão de dar sentido a situação econômica da Coreia do Norte e, como descobriu rapidamente, os números não iam ajudar. Pouco depois da inauguração da embaixada em Pyongyang, o comércio do país com Ocidente recebeu uma forte freada.
A razão? Coreia do Norte não estava pagando ninguém os bens que importava. Iam vencendo os prazos de pagamento enquanto aumentavam as dívidas e os juros, e em pouco tempo ficou claro que a Coreia do Norte não ia poder pagar todos seus investimentos.
Dizia o próprio Cornell nas memórias que publicou faz alguns anos, que o problema de Pyongyang foi ter superestimado suas capacidades industriais. O país estava convencido de que estava à par de desenvolvimento com as nações industrializadas. No entanto, na opinião de Cornell, a Coreia do Norte não sabia como fazer negócios fora do bloco comunista. Sua economia tinha um monte de problemas.
Como resultado disso, mais de quatro décadas depois o governo ainda não pagou por esses 1.000 Volvos. De fato, e segundo a Agência Sueca de Crédito à Exportação, a mesma que assegurou os pagamentos, a dívida da Coreia do Norte com a Suécia cresceu ao longo dos anos até atingir mais de 300 milhões de dólares.
O cenário é tão surrealista que a Suécia ainda envia lembretes semestrais a Pyongyang, ainda que a Coreia do Norte nunca tenha confirmado oficialmente tal acordo.
E daí, o que aconteceu com a incrível frota de 1000 carros? Graças a um grande número de filmes e documentários parece que a frota de Volvos verdes segue sendo uma característica muito destacada da paisagem urbana de Pyongyang, pelo demais, um tanto monótona.
Na atualidade, estes Volvos 144 GL seguem funcionando como táxis na capital do país, Pyongyang, para os poucos cidadãos que podem se mover livremente pela cidade e se permitir pagar um táxi. Após 40 anos de serviço é uma campanha de publicidade duvidosa e cara, mas diz muito a favor dos Volvos daquela época.
Fonte: Npr.
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Comentários
Que gente burra...
Bem feito !!!
Cresceram o olho e se ferraram.