A história do dia em que a Coca cometeu o erro mais grave de sua história: copiar o sabor da Pepsi

Em meados da década de 80, a Coca-Cola, a qual podemos dizer sem temor de equívocos que é o refrigerante que domina parte do planeta, esteve a ponto de cometer um suicídio com uma decisão que depois passou a fazer parte das disciplinas de muitas universidades e escolas de negócio: mudaram sua fórmula "mágica" que durante muito tempo suscitou a curiosidade das massas a respeito de sua receita.

Para entender o ocorrido em meados dos 80 há que retroceder uma década. Em 1974, o departamento de marketing da Pepsi lançou uma série de stands sob o nome de Pepsi Challenge em muitos shoppings dos Estados Unidos. O público era presenteado com duas latas de refrigerantes. Cada participante era convidado a experimentar ambas sem marcar e indicar sua preferência.

Ainda que as estatísticas variaram segundo a região, os casuais "provadores' em geral assinalaram a Pepsi aproximadamente 13% a mais com frequência. A Coca-Cola desestimou estes testes alegando sua visão pouco científica, mas quando reproduziram o experimento de forma interna obtiveram os mesmos resultados. Então sim, começou a sentir certa angústia.

O tema não foi fútil. Pepsi Challenge supôs a lenta escalada da Pepsi, recortando pouco a pouco clientes que antes eram da Coca-Cola. Seu domínio reduziu-se na indústria em milhões de dólares. Apesar de gastar mais que a Pepsi, quase 100 milhões de dólares anuais, a participação de mercado de Coca-Cola caiu de 60% para 23%.

No entanto, ninguém foi capaz de antecipar que a Coca-Cola seria o suficientemente temerária para abandonar sua centenária receita de mais de 5 bilhões de dólares anuais, um dos produtos mais rentáveis da história, para se aproximar do sabor da concorrência.

New Coke, ou como dar um tiro no pé

Roberto Goizueta (CEO) e Donald Keogh (presidente) no dia da apresentação da New Coke.

Em 1985, o então CEO da Coca-Cola, Roberto Goizueta, propôs uma mudança inesperada, tanto, que inclusive muitos na própria empresa não quiseram acreditar. Ordenaram que os químicos que trabalhavam no laboratório da companhia a variar ligeiramente o misterioso Merchandise 100X, o famoso coquetel secreto do refrigerante, isto é, extrato de folha de coca, extrato de noz-de-cola, baunilha, óleos cítricos, canela, coentro, noz moscada e outros condimentos (fórmula mágica).

A companhia também optou por abandonar por completo o açúcar convencional pelo xarope de milho com alto conteúdo de frutose (HFCS), uma alternativa fácil de manipular, mas antinatural que daria às novas cocas uma vida bem mais longa. O uso de HFCS também reduziu os custos de produção, já que os produtos de milho são artificialmente baratos nos Estados Unidos devido aos subsídios agrícolas. AO contrário, o açúcar era desproporcionadamente caro devido aos impostos de importação.

O cofre que Aqui guarda a fórmula da Coca-Cola (Atlanta).

Bem, uma vez que os químicos entregaram estas cocas atípicas, realizaram vários testes internos de sabor às cegas. Nelas o novo refrigerante superou aproximadamente 9% a Pepsi, e aproximadamente 21% a mais que a receita original da Coca-Cola. Quando perguntaram aos participantes se beberiam Coca-Cola com esta nova fórmula, a maioria respondeu positivamente.

No entanto, ao redor de 10% dos voluntários, inclusive alguns que preferiram o novo sabor nas provas às cegas, se mostraram contrariados e hostis à ideia. Estavam assombrados de que o gigante tivesse a ideia de brincar com a bebida com a qual tinham conquistado um país. Dita indignação foi tão grande que exerceu uma pressão indireta entre os grupos de teste, contaminando assim os resultados finais, motivo pelo qual o grupo a cargo do experimento da Coca-Cola detectou e corrigiu o efeito rapidamente.

Depois de vários milhões de investimento e todo tipo de provas de campo, Goizueta estava convencido de que a Merchandise 7X-100 era a fórmula que estavam buscando. "O novo sabor da Coca-Cola" estava programado para ser lançado sem que os desprevenidos cidadãos soubessem, seria em 23 de abril de 1985. Na véspera desse fatídico anúncio, os executivos da Coca se reuniram com seus engarrafadores em uma reunião privada. Revelaram sua intenção de fazer a primeira grande mudança na fórmula desde que eliminando a cocaína por folhas de coca seca no começo de 1900. Poucos sabiam que os executivos da Pepsi conheciam seus planos e já estavam orquestrando um contra-ataque.

No dia do anúncio, Goizueta e o presidente de Coca-Cola, Donald Keough, sentaram-se em frente a um grande grupo de repórteres com latinhas de refrigerante redesenhadas, era a "New Coke", com um sabor mais doce e suave. Sem que Goizueta e Keough soubessem, a Pepsi vazou a alguns membros da imprensa e forneceram informação com questionamentos que puseram ambos executivos em sérios apertos..

Essa mesma manhã, muitos já sabiam do anúncio da Coca-Cola graças a jornais como o New York Times, onde a Pepsi anunciava em uma página completa sua vitória na guerra das colas. Outros anúncios da concorrência causavam bem mais dano. A Pepsi chegou a utilizar o slogan: "Coca-Cola troca seu sabor para imitar a Pepsi".

O que ocorreu? Nas primeiras semanas as ações da companhia pareciam subir depois do anúncio, as pesquisas indicaram que um impressionante 75% dos consumidores estavam contentes com a New Coke e voltariam a comprá-la. A grande campanha incluía Bill Cosby com o slogan: "A Coca tem o melhor sabor de sempre".

No entanto, em poucas semanas começaram a aparecer sentimentos muito contrários de certo setor do público imprevisível. Teve um segmento da população, aproximadamente 15%, que não gostou muito da New Coke, e começaram a reclamar com muito entusiasmo, junto a editoriais da mídia, que começaram a prevalecer sobre a aprovação pública que existia até então. Em pouco tempo, a New Coke desapareceu das lojas, já que o escasso recurso foi armazenado por empresários.

Cartas enfurecidas aos meios, protestos e centenas de telefonemas à sede da companhia transformaram a New Coke em um desastre e uma comoção como jamais a Coca-Cola teve.

- "Só há duas coisas em minha vida: Deus e Coca-Cola. Agora me tiraram uma dessas coisas", dizia um dos clientes enfurecido.

Alguns inclusive compararam a alteração da Coca-Cola com o ato de cuspir na bandeira americana. Os desconcertados executivos da empresa contrataram um grupo de psicólogos para escutar as queixas dos clientes, e estes assinalaram que muitos dos clientes falavam que as lamentações eram semelhantes a de alguém que fala de um parente falecido. Inclusive Fidel Castro criticou as revisões de seu refrigerante favorito e citou como - "Outro exemplo a mais da decadência capitalista".

Assim foi como depois de alguns meses de absoluto caos, a Coca-Cola anunciava o fim da New Coke pedindo desculpas em público enquanto a receita original voltava ao mercado como "Coca-Cola Classic". A Coca ganhou o perdão do povo, glorificado em muitos jornais como "um momento significativo na história dos Estados Unidos". De fato, a companhia não demorou em reclamar, sob esse clima de perdão, seu papel como parte orgulhosa do movo de vida americano.

Talvez mais importante do que tudo isso, a história da "new coke" deixou algumas lições muito importantes, sobretudo para a indústria da publicidade e a importância da conformidade social no marketing. É possível que se a Coca-Cola tivesse mudado a fórmula sem mudar o nome, as pessoas teriam aceitado, mas mudar de forma drástica imagem e produto foi demais qualquer um.

Fonte: Bloomberg.