- "Matei minha mulher e joguei seu corpo no esgoto", disse John Timothy Evans aos incrédulos polícias de uma delegacia de Londres em 30 de novembro de 1949. Confissões semelhantes costumam ser escutadas com alguma frequência, provenientes de mitomaníacos ou dementes que querem chamar a atenção sobre si. Mas os policiais foram, por rotina, verificar a denúncia no apartamento de Timothy, no número 10 da Riliington Place, mas não encontraram nada no local. |
Timothy Evans (à esquerda), Beryl Evans (à direita) e Geraldine no colo da meia-irmã de Evans, Mary Westlake.
O casamento de John e Beryl era caracterizado por brigas raivosas recorrentes. Suas discussões eram altas o suficiente para serem ouvidas pelos vizinhos e a violência física entre eles foi testemunhada em várias ocasiões. Em 1949, Beryl revelou a Timothy que estava grávida do segundo filho. Como a família já estava com dificuldades financeiras, Beryl decidiu fazer um aborto. Após certa relutância inicial, Timothy concordou com esse curso de ação.
A confissão
Timothy confessou que matou Beryl acidentalmente, dando-lhe algo em uma garrafa que um homem lhe dera para abortar o feto e ele descartou o corpo dela em um esgoto do lado de fora do prédio onde moravam. Ele disse à polícia que, depois de providenciar para que Geraldine, a filha, fosse cuidada, foi para o País de Gales. Como falamos anteriormente, quando a polícia examinou o bueiro fora do prédio, não encontrou nada e, além disso, descobriu que a tampa do bueiro exigia a força combinada de três policiais para ser removida.
Quando questionado, Timothy mudou sua história e disse que um tal John Regjnald Christie, que morava no térreo do mesmo edifício, logo abaixo de seu apartamento, havia se oferecido para fazer um aborto em Beryl. Ele afirmou que havia deixado Christie de fora de sua primeira declaração para protegê-lo -o aborto era ilegal no Reino Unido no momento-.
Timothy Evans sendo transladado ao fórum para ser julgado.
Depois de conversarem, Timothy e sua esposa concordaram em aceitar a oferta de Christie. Em 8 de novembro, Timothy voltou para casa do trabalho para ser informado por Christie que o aborto não havia funcionado e que Beryl estava morta. Christie disse que se livraria do corpo e tomaria providências para que um casal cuidasse de Geraldine. Ele disse que Timothy deveria deixar Londres por algum tempo. Em 14 de novembro, Timothy partiu para o País de Gales para a casa de parentes. Timothy disse que mais tarde voltou ao prédio para perguntar sobre Geraldine, mas Christie se recusou a deixá-lo vê-la.
Ante a insistência de Timothy a polícia renovou a busca e na lavanderia do edifício encontraram sob tocos de lenha o cadáver de Beryl Evans enrolado em uma toalha de mesa. Significativamente, o corpo de Geraldine, de 15 meses, também foi encontrado ao lado do corpo de Beryl. Em nenhum momento Timothy mencionou que havia matado a filha em suas declarações. Beryl e Geraldine foram estranguladas até a morte.
O descrédito devido as declarações contraditórias
Mas devido as declarações contraditórias de John Timoth, que muitas vezes foi interrogado em regime de coação que provavelmente o levaram a dizer o que não sabia, os investigadores da polícia acharam que o homem estava desequilibrado e nunca deram ouvidos as suas alegações.
Timothy Evans sendo transladado ao fórum para ser julgado.
O processo contra Timothy por assassinato de sua esposa e filha foi aberto em Londres em 11 de janeiro de 1950, mas a acusação, de acordo à lei britânica que aceita julgamento por só um delito, se centraram sobre a morte da pequena.
A principal testemunha da acusação foi o vizinho John Reginald Christie, que, junto com sua esposa, declarou que a noite dos fatos (8 ou 9 de novembro de 1949) tinha escutado no andar superior ao seu -ocupado pelos Timoth- toda classe de ruídos suspeitos. De fato, os dois eram conhecidos por suas discussões homéricas. Desde então não voltaram a ver a senhora Timothy nem a pequena.
Seu depoimento foi decisivo, ainda que a defesa de Timothy não só o questionou, senão que o acusou. Sustentou que os antecedentes de Christie eram péssimos, com cinco condenações por roubo, abuso de confiança, lesões, e que o próprio Christie -e não Timoth- era o assassino.
Beryl Evans.
A acusação triunfou, no entanto, ao convencer o júri que Christie era um homem digno de fé, proveniente de uma família honrada, culto -diferente do iletrado e alcoólatra Timothy-, ex-polícial e com serviços honráveis prestados durante a guerra.John Timothy Evans foi declarado culpado e executado na prisão de Pentonville, em 9 de março de 1950. Pouco antes de morrer fez questão de repetir várias vezes que o assassino era Christie.
A descoberta do verdadeiro assassino
Christie continuou vivendo no mesmo edifício após a execução de Timothy, ainda que sua saúde piorou. Três anos mais tarde, em 20 de março de 1953, abandonou o lugar para ir viver nos arredores de Londres. Ninguém sabia de sua esposa que deixou de ser vista pouco tempo depois da execução do vizinho. Christie dizia que ela se encontrava na casa de outros parentes.
Geraldine Evans.
O apartamento bastante miserável, sem banheiro e com toalete coletiva, passou a ser ocupado pelo imigrante jamaicano Beresford Brown, que, ao tentar instalar uma antena de rádio, fez um macabro achado na cozinha, tinha três cadáveres emparedados no local. Nesse mesmo dia, em 24 de março de 1953, a polícia encontrou no piso do dormitório outro cadáver, o da esposa de Christie, e mais dois corpos no quintal do prédio.
Christie foi detido após intensa busca em 31 de março de 1953 e confessou os assassinatos no meio de mentiras, contradições e simulados desvarios, enquanto fingis ser maluco. Os investigadores forenses estabeleceram que o primeiro, de uma austríaca, tinha sido cometido em 1943. Outro, de uma operária de fábrica, em 1944. Os das três mulheres de "vida fácil", emparedadas na cozinha, em 1953; e o de sua própria esposa, pouco antes destas três últimas.
Durante o processo, Christie reconheceu que ele era igualmente o assassino da esposa de Timothy, mas depois alegou tê-la estrangulado enquanto era íntimo dela, ou que ela queria se suicidar e ele a ajudou a fazê-lo e depois ainda teve relações sexuais com o corpo sem vida. Ele foi enforcado em 25 de julho de 1953. A execução despertou no público a lembrança da morte de Timothy e quase todos tinham certeza que, nesse caso, aconteceu o justiçamento de um inocente.
A negligência forense
John Regjnald Christie.
Em grande parte, o caso se resumiu à palavra de Christie contra a de Evans e o curso do julgamento se voltou contra o segundo. O julgamento durou apenas três dias e muitas evidências importantes foram omitidas, ou nunca mostradas ao júri. Evans foi considerado culpado, quando o júri levou apenas 40 minutos para deliberar sua decisão.
Um fato importante não foi levantado no julgamento de Timoth: dois zeladores estavam dispostos a testemunhar que não havia corpos na lavanderia quando trabalharam lá vários dias depois que Timoth confessou, mas eles não foram chamados para depor. De fato, a polícia entrevistou novamente os homens e supostamente os forçou a mudar suas evidências para se encaixar na ideia preconcebida de que Evans era o único assassino. Com efeito, Christie, teria escondido os corpos de Beryl e Geraldine no apartamento temporariamente vago no primeiro andar e depois os transferiu para a lavanderia quatro dias depois, quando os zeladores terminaram de limpar o local e quando Evans já estava preso.
Investigação sobre um possível erro judiciário
As investigações posteriores, decretadas pelo secretário do interior, para investigar a possibilidade de um erro judiciário no caso de Timothy não foram concludentes, ainda que havia claros indícios de que a investigação policial foi marcada pela falta de perícia forense, com evidências significativas negligenciadas e, o que resultava muito inverossímil, que dois assassinos tenham vivido simultaneamente em uma mesma casa e cometido crimes com o mesmo método: abuso seguido de estrangulamento. A conclusão foi recebida com ceticismo pela imprensa e pelo público: se as confissões de Christie não eram confiáveis, por que as de Evans deveriam ser aceitáveis?
Um diorama sombrio de Christie sobre seu trabalho maligno no Madame Tussauds
Christie era um maníaco sexual; Timothy, não. Ademais, se o júri que condenou Timothy soubesse que a testemunha principal, Christie, já tinha ao menos dois assassinatos nas costas, teria prestado mais atenção às acusações formuladas contra ele pela defesa.
Por outra parte, se os polícias que encontraram os cadáveres da senhora Evans e sua filha tivessem buscado bem, teriam encontrado os dois cadáveres que três anos mais tarde foram descobertos no pátio do prédio. Então, certamente não teriam executado Timothy. A crença, hoje generalizada, é que naquela ocasião, por falta de diligência e perícia policial, enforcaram um inocente.
As tentativas de inocentar Timothy
Em janeiro de 2003, o Ministério do Interior britânico concedeu a meia-irmã de Timothy Evans, Mary Westlake, e sua irmã, Eileen Ashby, pagamentos ex gratia como compensação pelo erro judiciário no julgamento de Evans. O avaliador independente do Ministério do Interior, concluiu que a condenação e execução de Timothy Evans pelo assassinato de sua filha eram ilícitas e um erro judicial e que não havia evidências para implicar Timothy no assassinato de sua esposa. Ela provavelmente foi assassinada por Christie.
Já em 2004, Mary Westlake iniciou um pedido de revisão judicial no Tribunal Superior da Inglaterra, contestando uma decisão da Comissão de Revisão de Casos Criminais de não encaminhar o caso de Evans ao Tribunal de Apelação para que sua condenação fosse formalmente anulada. Ela argumentou que o perdão de Evans não havia formalmente eliminado sua condenação por assassinar sua filha, e embora o relatório posterior tenha concluído que Evans certamente não matou sua filha, não o declarou inocente. O pedido de remessa do caso foi indeferido, com a alegação dos juízes que o custo e os recursos para anular a condenação não eram justificados, embora aceitassem que Evans não tenha matado sua esposa ou sua filha.
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