Qualquer um que recebeu um "pito" da mãe por não "lavar as mãos!" antes de comer, depois de usar o banheiro ou depois de brincar ao ar livre, pode agradecer (ou culpar) um médico húngaro do século 19 por esse mantra. Ignaz Semmelweis foi apelidado de "salvador das mães" por sua descoberta de que os casos de febre puerperal -então chamada de febre do parto- poderiam ser drasticamente reduzidos pelo método simples de médicos obstetras e enfermeiras lavarem as mãos como um procedimento antissépticos para evitar a propagação de doenças. |
Em meados do século 19, a maioria das mulheres na Europa ainda dava à luz em casa, mas aquelas que deram à luz em clínicas e hospitais tinham uma taxa de mortalidade invulgarmente alta de 25% a 30%. Ignaz não foi o primeiro médico a sugerir que o pessoal médico estava espalhando febre puerperal; isso foi feito por vários médicos antes dele.
Em 1842, o médico britânico Thomas Watson chegou a sugerir que aqueles que trabalhavam em obstetrícia deveriam trocar de roupa e lavar as mãos com uma solução de cloro para evitar que o médico se tornasse um veículo de contágio e morte entre um paciente e outro.
Em 1843, o médico americano Oliver Holmes recebeu uma carta irada de um obstetra proeminente que afirmava que "médicos são cavalheiros, e as mãos dos cavalheiros são limpas" depois que Oliver sugeriu que médicos e enfermeiras estavam espalhando febre puerperal.
Ignaz foi nomeado assistente do professor Johann Klein na Primeira Clínica Obstétrica do Hospital Geral de Viena em julho de 1846, em uma função que na atualidade seria comparável em um hospital de "residente-chefe".
Existiam duas maternidades no hospital vienense. A Primeira Clínica tinha uma taxa média de mortalidade materna de cerca de 12% devido à febre puerperal. A taxa da Segunda Clínica era consideravelmente menor, com média inferior a 4%. Este fato era conhecido fora do hospital.
As duas clínicas admitiam em dias alternados, mas as mulheres imploravam para serem admitidas na Segunda Clínica, devido à má reputação da Primeira. Ignaz descreveu mulheres desesperadas implorando de joelhos para não serem admitidas na Primeira Clínica.
Algumas mulheres até preferiam dar à luz nas ruas, fingindo ter dado à luz repentinamente no caminho para o hospital, o que significava que elas ainda teriam direito aos benefícios de assistência à criança sem terem sido internadas na clínica.
Ignaz ficou intrigado com o fato da febre puerperal ser rara entre as mulheres que davam luz nas ruas. Ele também estava seriamente preocupado com o fato de sua Primeira Clínica ter uma taxa de mortalidade muito maior devido à febre puerperal do que a Segunda.
As duas clínicas usavam quase as mesmas técnicas, e Ignaz começou a eliminar todas as diferenças possíveis, inclusive práticas religiosas. A única grande diferença eram os indivíduos que trabalhavam lá. A Primeira Clínica era o serviço de ensino para estudantes de medicina, enquanto a Segunda Clínica havia sido selecionada em 1841 para a instrução apenas de parteiras.
A descoberta de Ignaz ocorreu em 1847, após a morte de seu amigo Jakob Kolletschka, que havia sido acidentalmente cutucado com o bisturi de um estudante enquanto realizava um exame post mortem. A autópsia de Jakob mostrou uma patologia semelhante à das mulheres que estavam morrendo de febre puerperal. Ignaz propôs imediatamente uma conexão entre contaminação cadavérica e febre puerperal.
Ele propôs que ele e os estudantes de medicina carregavam "partículas cadavéricas" em suas mãos da sala de autópsia para as pacientes examinadas na Primeira Clínica Obstétrica. Isso explicava por que as estudantes de obstetrícia da Segunda Clínica, que não faziam autópsias e não tinham contato com cadáveres, tinham uma taxa de mortalidade muito menor.
A teoria dos germes da doença ainda não havia sido aceita em Viena. Assim, Ignaz concluiu que algum "material cadavérico" desconhecido causava febre puerperal. Ele instituiu uma política de usar uma solução de cal clorada (hipoclorito de cálcio) para lavar as mãos entre o trabalho de autópsia e o exame dos pacientes.
Ele fez isso porque descobriu que essa solução clorada funcionava melhor para remover o cheiro pútrido do tecido de autópsia infectado e, assim, talvez destruísse o agente causal "venenoso" ou contaminante "cadavérico" hipoteticamente transmitido por esse material.
O resultado foi que a taxa de mortalidade na Primeira Clínica caiu 90% e foi então comparável à da Segunda Clínica. A taxa de mortalidade em abril de 1847 era de 18,3%. Após a instituição da lavagem das mãos em meados de maio, as taxas em junho foram de 2,2%, julho 1,2%, agosto 1,9% e, pela primeira vez desde a introdução da orientação anatômica, a taxa de mortalidade foi zero em dois meses do ano após esta descoberta.
A hipótese de Ignaz, de que havia apenas uma causa, que tudo o que importava era a limpeza, era extrema na época e foi amplamente ignorada, rejeitada ou ridicularizada. Ele foi dispensado do hospital por motivos políticos e assediado pela comunidade médica em Viena, sendo eventualmente forçado a se mudar para Budapeste.
Ignaz ficou indignado com a indiferença da profissão médica e começou a escrever cartas abertas e cada vez mais raivosas a proeminentes obstetras europeus, às vezes denunciando-os como assassinos irresponsáveis. Seus contemporâneos, incluindo sua esposa, acreditavam que ele estava enlouquecendo e, em 1865, quase 20 anos após sua descoberta, ele foi internado no hospício Landesirrenanstalt Döbling. Ele morreu lá de choque séptico apenas 14 dias depois, possivelmente como resultado de ter sido severamente espancado por seguranças.
Em 1867, dois anos após a morte de Ignaz, o cirurgião escocês Joseph Lister também indicou a higienização das mãos e também dos instrumentos cirúrgicos para impedir a propagação de doenças infecciosas. Suas ideias também foram fortemente criticadas por seus pares, mas na década de 1870, alguns médicos, geralmente recém formados, começaram a adotar o procedimento de higienização antes das cirurgias.
Pouco tempo depois, outros começaram a reconhecer o trabalho pioneiro Ignaz. A posteriori, seu trabalho auxiliou Louis Pasteur a desenvolver a teoria dos germes, que mudou a maneira como os médicos cuidavam de seus pacientes e prognosticavam a causa e a propagação das doenças.
Por incrível que pareça a importância da lavagem diária das mãos só se tornou universal mais de um século depois da morte de Ignaz. Apenas na década de 1980, a higiene das mãos foi oficialmente incorporada aos cuidados de saúde nos Estados Unidos, com a criação das primeiras diretrizes nacionais de higienização.
Mais de um século depois das teorias de Ignaz terem sido ridicularizadas, a Universidade de Medicina de Budapeste mudou seu nome para Universidade Semmelweis, em homenagem à sua persistência não reconhecida em melhorar a saúde por meio da higiene.
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Comentários
Nossa, eu lembro que acompanhava esse site todos os dias antes de ir pra escola, e uma galera conversava nos comentários de todos os posts... que época boa, saudades :); Vida longa ao Mdig! Abraços adm.