No começo dos anos 80, o produtor musical Marco Mazzola pediu a Guilherme Arantes que compusesse uma canção para Ney Matogrosso que estava produzindo um disco sobre a Amazônia. Naquele dia, Guilherme se sentou no piano em casa e começou a dedilhar uma toada mineira e tudo ocorreu tão naturalmente, que, como ele diria anos depois em uma entrevista, a canção foi quase que uma incorporação, como se tivesse sido psicografada e concluída em pouco mais de uma hora. Assim nascia "Planeta Água". A canção não entrou no álbum de Ney, mas se tornaria a protagonista de uma grande polêmica. |
A letra da bela canção, que fala sobre os ciclos dos oceanos e rios da terra, destacando os poderes curativos e destrutivos da água, é realmente muito envolvente e inspirada. A canção é um dos poucos "vermes de ouvido" que a gente não cansa de ouvir, culminando com um refrão apoteótico e glorioso.
Em 1981, Guilherme participou do Prêmio MPB Shell com a canção e depois da segunda estrofe todo o público presente no Maracanãzinho já havia escolhido a sua vencedora. Todos cantavam o refrão da música inédita e pareciam favas contadas quem seria o vencedor do festival.
Guilherme abandonou o palco com um ruidoso "Já ganhou! Já ganhou!" É uma cena até muito bonita de se ver e também nos serve para lamentar como a música brasileira decaiu desde então.
No entanto, a expectativa do público não foi correspondida pelo júri de 138 pessoas que deu a vitória a "Purpurina", composição do gaúcho Jerônimo Jardim e interpretada por uma ainda jovem e muito linda Lucinha Lins. No momento que ela foi anunciada como a vencedora, o ginásio veio abaixo.
Quando Lucinha voltou ao palco para repetir "Purpurina", foi fortemente vaiada, durante 15 minutos, pelas quase 30 mil pessoas presentes que passaram a vociferar palavrões e a jogar no palco quaisquer coisas que tinham ao alcance das mãos.
A pobre Lucinha praticamente se escondeu atrás do microfone e foi obrigada a se afastar da música por um certo tempo. Isso fica claro, quando ela quase chora na entrevista com Glória Maria, mostrada no vídeo acima.
Algumas fontes asseveram que a Shell, que patrocinou o festival, influenciou o resultado. O próprio Guilherme já falou sobre essa teoria em entrevista para o Jornal da Música em 2011. Quando foi questionado sobre como lidou com aquela ocasião, sabendo que sua canção era melhor do que a da concorrente, Guilherme não mediu palavras.
- "Aquilo foi uma pixotada, uma palhaçada... Não o festival em si, que foi ótimo, mas o resultado foi um mistério."
"Planeta Água" não venceu, mas se tornou um dos grandes sucessos -senão o maior- de Guilherme Arantes. A canção teve grande execução nas rádios de todo o Brasil liderando as paradas de sucesso por boas semanas. "Planeta Água" nunca mais saiu do repertório de shows de Guilherme e inclusive empresta o nome ao seu instituto, localizado em Jacuípe, na Bahia, que promove o plantio e replantio de mudas, conservação de manguezais, atividades de artesanato e educação ambiental para jovens e idosos.
A linda música conseguiu mesmo ser atemporal e romper a barreira do tempo e de gênero. Prova disso foi o rolê aleatório que Guilherme Arantes fez no show de heavy metal do amigo Edu Falaschi, realizado em 2019, para celebrar os 15 anos do álbum "Temple Of Shadows".
A hoje atriz Lucinha Lins participou nesta semana do programa The Noite, quando durante o papo com Danilo Gentili relembrou o episódio constrangedor durante o Prêmio MPB Shell. Ela mesma concorda que "Purpurina" talvez merecesse um terceiro ou quarto lugar, mas jamais deveria ser a vencedora. Ela ainda contou que teve que ser escoltada por policiais após as vaias:
- "Fui uma das pessoas mais vaiadas desse país... Eu saí escoltada pela polícia, era linchamento."
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