Muito provavelmente você conheça algumas dessas pessoas que dizem segura, alegremente e autoenganosamente que "Eu não prejulgo ninguém"? Pois é mentira! Tal asseveração, talvez, possa ser dita por um robô com disfarce de ser humano, ou alguém que não bata bem da cabeça, mas se for uma pessoa normal, estará mentindo lindamente para si mesmo. Porque é praticamente impossível que alguém não tenha preconceitos. |
Os que dizem "Eu não prejulgo ninguém" fazem parte do grupo de pessoas que também pronunciam frases do tipo "Sou boa pessoa", "Há que respeitar os demais acima de tudo", "Não me importa o que digam de mim", "Falo objetivamente" e outras tantas ilusões cognitivas que em uma conversa de botequim podem fazer sentido -sobretudo com algumas doses a mais-, mas que resultam profundamente débeis e banais sob uma análise mais profunda.
Ainda que mais ou menos convencemos uns aos outros de que podemos viver em um mundo ideal no qual, ao conhecer uma pessoa, não devemos formar uma primeira impressão de julgar o livro pela capa, a verdade é que as pesquisas relacionadas indicam outras conclusões... diametralmente opostas.
Em seu livro "Presence", Amy Cuddy (famosa na rede por ser protagonista da segunda palestra TED mais assistida de sempre) confirma o corolário popular de que "você dificilmente terá uma segunda chance de deixar uma primeira impressão".
O traje faz parte da primeira impressão
Membro da Mighty Mongrel Mob. Via: Jono Rotman
Prejulgar é inevitável em primeiro lugar porque não temos suficiente tempo material para conhecer todos os detalhes de todos os eventos novos que se apresentam a nossa frente, incluídas as pessoas. Por isso resulta um pouco estranho que alguém que se vista, por exemplo de roupa de couro preto, com caveiras no peito, dedos cheios de aneis de gosto duvidoso e botas capazes de triturar crânios se lamente de que vivemos em um mundo tão superficial que ele é estereotipado por seu aspecto.
Ninguém sabe se alguém que se veste assim tem boas intenções ou não -de fato, algumas pessoas usam gravata para eludir suas intenções avessas-, no entanto nosso aspecto oferece informação a respeito de nós, isso é básico. Em um beco escuro, confiaremos antes em um homem que se vista bem do que outro que se vista de forma desalinhada ou atípica ou arquetipicamente agressiva.
Não porque isso tenha que ser necessariamente assim, senão porque temos regras mais ou menos pré-estabelecidas que as pessoas que se vestem bem são mais respeitáveis (ainda que depois não sejam), e precisamente por isso as pessoas que querem dar boa impressão se vestem bem (e se pretendem nos enganar, como muitos diretores de banco e vendedores de Bíblias, se vestirão de forma impoluta).
Alguém que use roupas estranhas, em consequência, tem um problema de percepção (ou quer chamar a atenção sobre si, como os hipsters) que nos faz duvidar de sua capacidade de raciocínio, ou então tem a típica atitude de quem está pouco ligando para o que as pessoas pensam (o que é louvável em determinados contextos, mas dá medo em um beco escuro), ou diretamente quer projetar temor (o que necessariamente não nos diz nada de que seja perigoso, mas ao menos quer parecer, e isso já suscita desconfiança).
Em um mundo ideal eu poderia fantasiar-me de Batman e sair pelas ruas, ir a minha entrevista de emprego e dirigir uma grande empresa. Mas como não temos tempo de aprofundar na enorme complexidade dos motivos que me levam a me disfarçar de Batman (Eu sou o Batman!), causando um desafio cognitivo em todas as pessoas que encontro, então é melhor não arriscar. Como também não nos arriscamos a sair sem guarda-chuva em um dia de chuva.
Porque uma coisa é o que somos e outra, a que projetamos. Recordemos o paradoxo sobre o pessoal que é fã de heavy metal que se parece muitíssimo aos fãs de música clássica.
Teste de Associação Implícita
Via: Musical Billy Elliot
Mas vamos à prática com o Teste de Associação Implícita. O IAT (por suas siglas em inglês) mede a distância entre nossas atitudes conscientes e as inconscientes, por exemplo, ele permite-nos comprovar a existência de preconceitos implícitos em toda uma variedade de grupos -geralmente de índole racial- medindo tempos de reação para associações entre atributos positivos e negativos e fotografias de representantes dos grupos.
Em base à velocidade de categorização de uma pessoa em cada uma destas variantes determina-se seu grau de preconceito implícito. Por exemplo, se alguém associar com mais rapidez "afro-americano" com "mau" estamos ante um preconceito racial implícito. Você pode fazer o teste no Project Implicit da Universidade de Harvard. É quase certo que se surpreenderá com seus conceitos pré-estabelecidos.
O Teste de Associação Implícita não deixa dúvidas: inclusive pessoas que se autodenominam escassamente preconceituosas ou nada racistas ou sexistas, acabam sendo muito em base aos resultados do teste.
Os muitos preconceitos
Os preconceitos são, desde um ponto de vista de raciocínio e lógica -que não de sobrevivência diária-, geralmente nocivos. No entanto, tente conversar com qualquer pessoa livre de preconceitos, e comece a perguntar sobre qualquer coisa. Talvez não seja preconceituoso com a raça, ou com o sexo, mas finalmente achará algum preconceito em algum campo. De fato, combater os preconceitos de modo individual é tão lento e exasperante como transportar areia do deserto com as mãos: sempre cairão alguns grãos de areia entre os dedos, e tudo tudo é deserto de areia.
Por exemplo, podemos lançar campanhas para evitar o preconceito racial ou o homofóbico, mas alguém seguirá alimentando o preconceito pela obesidade. Ok, vamos abraçar a causa dos gordinhos. Putz, esquecemos dos carecas, dos magrelos, dos ateus, dos religiosos, dos lindos (é muito chato ser )... Mil, milhões de preconceitos a mais. Combater os preconceitos significa combater em tantas frentes que nem sequer sabemos quantas há, e quando descobrirmos, provavelmente terão nascido um milhão a mais.
Algo similar ao que ocorre no terreno linguístico com a modinha de eufemizar palavras com conceitos difusos: mudamos as palavras que consideramos pejorativas por outras palavras que não contenham essa pecha, mas esse eufemismo acaba por ser contaminado pelo sentido pejorativo, e de novo deve ser mudada por outra mais politicamente correta, e assim ad infinitum e além enquanto o conceito não mudar.
Por conseguinte, o lógico não parece favorecer a imagem que em geral temos de determinados grupos, ao menos não como forma de evitar que sejamos preconceituosos. Nesse caso o certo é atacar a raiz do problema, isto é, atacar a forma como nosso cérebro procede quando enfrenta informação nova ou informação sobre a quais tem muitas lacunas ou muitas ideias de segunda ou terceira mão. Talvez o certo não seria nem tanto eliminar os preconceitos senão neutralizar ou atenuar os efeitos na conduta.
O caso é que o contexto também influi muito em nossos preconceitos sobre determinados grupos, o que nos dá outra pista: devemos gerenciar tanto o contexto quanto os próprios atalhos mentais. Grosso modo, quando formos falar para alguém sobre algo que ele não conhece ou quando nos depararmos com assuntos e/ou grupos desconhecidos, o melhor é que isso fosse feito de forma em que todas as circunstâncias sejam tão favoráveis quanto possíveis. O problema, contudo, segue sendo diabolicamente complexo, quase como um nó górdio, sem princípio nem fim, e dista muito de ser resolvido.
Voltando ao início... sim, todo mundo tem tabus e preconceitos e o pior é que a maioria nem sequer é consciente de seus preconceitos, pois sempre costumamos ver nós mesmos muito melhor do que somos realmente.
Nosso cérebro está desenhado para formar preconceitos, estereótipos e demais distorções cognitivas porque é sua forma de filtrar a enorme quantidade de informação que nos rodeia. Esta foi uma forma relativamente útil de classificar informação (da qual dependíamos para sobreviver) quando éramos caçadores-coletores, mas agora é um problema porque é a origem do racismo, do sexismo e outros classismos. Uma vez assumido isto, o que devemos tentar é combatê-los frontalmente ou, ao menos, eliminando seus efeitos mais perniciosos como o ódio e a intolerância.
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Comentários
Um artigo bem interessante e que tem uma sólida argumentação, pois como somos seres sociais e advindos de núcleo familiar, escolar já absorvemos muitas regras, preceitos e conceitos, que no entrelaçamento de ideias vão se solidificando e criando estes "tabus", que tanto incomodam e melindram nas relações. Temos que nos auto analisar o tempo todo para conseguirmos lidar com tantos conceitos absorvidos frente aos comportamentos exigidos socialmente. Valeu a leitura