- "Um pouco mais, o tempo de uma soneca..." - Pensa em posição fetal.
Esta era uma manhã diferente para Ricardo. Não porquê aquela quinta-feira fosse o início do inverno, mas sim porque fazia exatatamente um ano desde o dia "D", desde o dia que sua vida deu um giro inesperado com a trágica morte de Silvana.
O relógio de novo 6:12...
- "Que saco!" - susurra a seu travesseiro. A luz que entra por sua janela já permite ver uma casa toda empoeirada, roupas amassadas pelo chão e sobre a mesinha de cabeceira dois cinzeiros não limpos há dias.
Ricardo ficou sabendo do fato no escritório da empresa logo após o primeiro cigarro da manhã, vício que ela detestava. Seu chefe estava atarentado, bastante nervoso. A primeira coisa que Ricardo pensou é que seria despedido, mas a realidade era outra.
Ricardo não chegou a vê-la de novo com vida, quando chegou ao Hospital São José lá pelas dez e meia da manhã, Silvana tinha falecido a alguns minutos. Um automóvel tinha truncado o futuro de ambos, a tão somente quatro meses de seu casamento. Desde esse inverno Ricardo não era o mesmo, havia convertido se numa sombra do homem que uma vez foi, um espectro aferrado à nostalgia do passado.
As 6:30, soa o despertador..., desliga-o. Um facho de luz acizentada cruza o quarto, a única sombra parece cobrir somente a Ricardo que se debate até as 6:45 cobrindo a cabeça com uma almofada rosa, lembrança dela, pensando na possibilidade de faltar ou não ao trabalho. Finalmente resigna-se a ir; já que para faltar de qualquer forma teria também que levantar-se da cama para conseguir um atestado médico.
As 7:09 veste-se com a lentidão solene de sempre, de maneira quase mecânica; desce as escadas preguiçosamente e toma o café sem açúcar de todas as manhãs na xícara marrom; depois recorta dois comprimidos da cartela e guarda-as no bolso de sua camisa; conquanto fazia meses que tinha conseguido deixar de tomá-las, sempre levava um par de ansiolíticos consigo a todo canto, assim como um asmático leva sua bombinha.
As 7:52, sai à rua e sente que o frio lhe cala os ossos, uma fina garoa cobre o céu cinza de Joinville. Encolhe os ombros e caminha em silêncio as três quadras que separam sua casa da parada de ônibus. No meio do caminho para, volta-se e tenta lembrar se fechou a porta de casa, dúvida cotidiana. Toma o coletivo após um senhor de bengala e acomoda-se na metade do corredor em um assento individual.
Rara vez costumava abrir os olhos no trajeto até ao trabalho; tinha comprado um reproductor de MP3, e como escutava sempre a mesma playlist sabia exatamente quando devia descer do ônibus, e isso era exatamente à metade de "Volta pra mim" do Roupa Nova. Mas como aquela não era uma manhã comum decidiu manter os olhos abertos e olhar pela janela para tratar de se distrair.
As 8:19, uma mulher linda e toda vestida de negro sobe no ônibus na Rua Benjamin Constant. Ao passar a seu lado, sorri estranhamente e deixa o halo da fragrância do perfume "Lily Essence", o mesmo que Silvana usava naquela fatídica manhã. Para Ricardo o perfume traz cruéis lembranças, sente que uma melancolia amarga embriaga seus sentidos e sua realidade, uma pesada tristeza toma conta dele e sua respiração ofegante e descompassada embaça o vidro do coletivo. É nesse preciso instante que ele crê ver Silvana, com seu vestido verde de alças, exatamente na esquina da Rua dos Ginásticos; sem pensar, quase que instintivamente levanta do assento, aperta a campainha e desce do ônibus.
São 8:25, quando olha para a esquina onde tinha a visto, não encontra nada. Desesperado procura com seus olhos por sobre a indiferente gente, até que finalmente ao longe, acredita distinguir uma mulher de vestido verde virando a esquina da Rua João Collin. Corre desesperado para dar alento a sua esperança absurda, quase irracional, passa por entre os carros, esquiva-se de duas senhoras idosas e finalmente fica a só um metro da misteriosa mulher. Observa-a um instante exatamente às 8:30 e pensa na loucura que está cometendo, balança negativamente a cabeça, baixa os olhos e respira profundamente. Quando olha novamente a mulher já não está. Fica inerte alguns minutos, finalmente volta e afasta-se caminhando pela rua Princesa Isabel. O Sol brilha muito, profundamente, como nunca antes. Caminha de frente para o sol, sentindo no rosto uma doce brisa gostosa e aliviadora.
As 10:22 o Doutor Marcos Gemini, responsável pela área de traumatologia declara a morte do Sr. Ricardo Soares da Silva, de nacionalidade brasileira, de 32 anos, estado civil viúvo, que deu entrada no hospital vítima de uma parada cárdio-respiratória traumática em função de um acidente de trânsito na rua Princesa Isabel.
Qualquer semelhança com pessoas situações e lugares conhecidos é mera coincidência já que este texto é totalmente ficcional.
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Comentários
historia interessante,o problema se é verdadeira
O que me levou a gostar do texto depois de lê-lo duas vezes foi exatamente a estranheza:
- da melancolia e desleixo do personagem;
- dos flashes de lembrança;
- do aviso da sua morte(mulher de negro);
- da aparição de sua ex-mulher
gostei :P
Aos que não gostaram, sugiro que releiam o texto para entender melhor.
Eu gostei!
Amar(alma gêmea) é uma merda
um dia (de 2001) escrevi:
OS PÉS
LEMBRAR QUE COMECEI COM O PÉ DIREITO
LEMBRAR QUE COMECEI COM UM PÉ ATRÁS
LEMBRAR QUE,COM OS PÉS NO CHÃO,
PODERIA DAR NO PÉ.
LEMBRAR QUE PODERIA DAR PÉ.
MAS SEM ESTAR EM PÉ DE IGUALDADE,
TALVEZ DEVESSE METER OS PÉS PELAS MÃOS.
TALVEZ FICASSE A PÉ,
SE PEGASSE NO SEU PÉ.
TALVEZ NÃO DEVESSE BATER O PÉ
TALVEZ DEVESSE FICAR EM PÉ DE GUERRA,
MAS PODERIA FICAR COM O PÉ NA COVA.
LEMBRAR QUE NÃO ARREDEI O PÉ.
LEMBRAR QUE LAMBI SEUS PÉS.
LEMBRAR QUE PERDI MEU PÉ DE APOIO.
LEMBRAR QUE QUASE CANSEI,
COMO QUEM TEM PÉS CHATOS.
LEMBRAR QUE NÃO DEVERIA ENTENDER NADA AO PÉ DA LETRA.
LEMBRAR QUE, ÀS VEZES,ERA UM PÉ NO SACO,
NÃO CHEGAR AOS SEUS PÉS.
PENSAR QUE TUDO PODERIA SER TÃO FÁCIL
COMO QUEM FAZ TUDO COM UM PÉS NAS COSTAS.
QUE TUDO PODERIA SER TÃO RÁPIDO,
COMO IR NUM PÉ E VOLTAR NO OUTRO.
PRÁ PODER DANÇAR UMA MÚSICA LENTA ,
MESMO QUE EU PISE NO SEU PÉ.
NO SEU PÉ DE ANJO.
TE AMO DA CABEÇA AOS PÉS.
(NÃO SEI SE JÁ TE DISSE ISSO AO PÉ DO OUVIDO)
...e muito tempo depois ,li e vi(sem saber) que Neruda tb gostava de um pézinho :
(....)
Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.
Pablo Neruda
Aê Luisão, fora alguns clichês perdoáveis... muito bom mesmo! Passou um filme aqui na minha cabeça imaginando o que aconteceu.
Ah, para agradar este pessoal descontente aí de cima, coloque algo que não exija raciocínio, por exemplo, uns desenhos tipo aquarela, aqueles para pintar, eles vão adorar :twisted:
oh my ...its a big sheet.
achei estranho ...mas na segunda vez que li entendi e gostei muito.
que texto meio sem graça
mas valeu a intenção....
bom dia a todos...
texto mais estranho :evil:
:evil: I LOST MY TIME READING THIS