Este post conta uma história triste e trágica sobre um dos assassinos mais famosos da França: Jean-Claude Romand, um homem que viveu 18 anos levando uma vida dupla construída sobre a base de uma cadeia de mentiras. Sua história é tão rocambolesca que dificilmente seria imaginada por um autor de ficção. Em seu segundo ano na faculdade de medicina, Romand perdeu um dos exames finais e começou a inventar uma mentira que terminaria por se constituir em sua vida real. |
Começo do fim
Na manhã de segunda-feira, 11 janeiro de 1993, uma tragédia atingiu a cidade francesa de Prévessin-Moëns, perto da fronteira suíça. A casa de Jean-Claude Romand tinha pegado fogo e sua esposa e filhos morreram no incêndio. Jean-Claude foi encontrado inconsciente e levado às pressas para o hospital mais próximo. Membro muito respeitado da comunidade local, ele era um pesquisador da Organização Mundial de Saúde em Genebra, e tinha participação ativa no funcionamento do conselho escolar local.
Foto da casa queimada
O que a princípio parecia ser um trágico acidente tomou um rumo para o pior quando descobriram que sua esposa e filhos tinham sido mortos antes do fogo: Jean-Claude atirou em seus dois filhos e bateu em sua esposa até a morte.
Infância
Jean-Claude Romand, nascido em 11 de fevereiro de 1954 em família tradicional, foi educado como uma criança talentosa e inteligente. Era muito amado pelos pais, que não mediam esforços para fazer tudo o que o garoto desejasse, era mimado e elogiado em todos os sentidos, o que posteriormente levou à formação de um transtorno mental, o "narcisismo", que ocorre tanto devido ao excesso, quanto a falta de amor na infância.
Jean-Claude logo começou a se sentir diferente e superior as outras pessoas e tudo isso foi agravado pelo excesso de cuidado parental. Como resultado ele cresceu sentindo-se como o centro do universo, e acreditava na sua genialidade.
Em sua juventude, certa manhã quando estudava na Faculdade de Medicina, sem saber explicar o porquê, ele faltou a importantes exames finais. Naquele dia, decidiu ficar na cama sem nada fazer. Até hoje ele não sabe porque tomou esta decisão naquele dia.
A mentira
Romand sabia que, mesmo com o conhecimento em medicina, ele não podia se tornar um médico de pleno direito sem um diploma. Mas com medo de decepcionar os pais que o idolatravam como um "garoto de ouro", no terceiro dia após aqueles exames, como se nada tivesse acontecido, foi para a faculdade. Desde aquele dia sua vida mudou dramaticamente. Escondeu dos colegas que faltara à prova e que já não fazia mais parte do curso. Continuou a frequentar as aulas, "formou-se" e alardeou ter arrumado um ótimo emprego.
Quando ainda era um estudante Romand conheceu a encantadora Florence Kroled. Algum tempo depois eles se casaram. A partir do momento que se tornou um homem de família, Jean-Claude ia todos os dias "ao trabalho" e se comportava como um especialista altamente qualificado. A imagem de um médico bem sucedido e brilhante passou a ser firmemente relacionada à sua consciência, e ele magistralmente desempenhava esse papel. Ele precisava não apenas representar suas atividades senão também viver uma vida imaginária de sucesso.
Em 1983, ele se mudou para sua própria casa na periferia da França, perto da fronteira com a Suíça, onde estaria mais perto de seu novo trabalho. Desta vez Jean-Claude inventara para a feliz esposa que havia conseguiu um emprego na Organização Mundial de Saúde (OMS), baseada na Suíça.
Prédio da OMS em Genebra
A partir dali, todas as manhãs, beijava a família e saía para trabalhar. Desse momento até retornar para casa, Romand existia em seu limbo secreto. Às vezes, atravessava mesmo a fronteira e entrava, como visitante, na OMS, onde assistia palestras ou recolhia impressos gratuitos que largava providencialmente no banco de trás do carro. Noutros dias, parava em um acostamento qualquer e ali ficava horas lendo publicações médicas, comendo sanduíches ou cochilando. Romand recomendara a sua esposa para nunca ligar para seu serviço, mas apenas enviar mensagens para um pager. Cada vez que dizia fazer uma "viagem de negócios", na verdade implicava ficar em um hotel perto do aeroporto e comprava lembrancinhas da loja do aeroporto para levar para casa.
Jean-Claude e Florence tiveram dois filhos. Carolina em 1985, e Antoine em 87. Tinham status da família exemplar e muitos de seus vizinhos tinham inveja daquela família feliz. Florence amava o marido e confiava cegamente nele. Romand certa vez levou seus filhos para a frente do prédio da OMS e apontou para a janela onde supostamente trabalhava.
Ele nunca levou uma amigo de trabalho em sua casa, claro, ele dizia preferir manter sua vida privada e profissional em separado. Quando questionado sobre o seu trabalho, sempre fingia modéstia. Sua esposa brincou certa vez dizendo que um dia ela iria descobrir que ele era um espião comunista.
Mas a vida aparentemente feliz de Jean-Claude Romand adquiriu um caráter sinistro. Seu estado emocional se agravava a cada dia. Era extremamente deprimente ser obrigado a mentir para sua esposa e filhos durante as 24 horas do dia. A paranóia causada pelas mentiras constantes, não deixava-o viver uma vida normal. Ele sabia que a cada telefonema, qualquer chance podia arruinar seu mistério perfeito. Que no fim sua sorte iria mudar.
Pois foi isso o que aconteceu depois que conheceu a mulher com quem teve um breve romance. Jean-Claude não tinha idéia de que esse relacionamento se transformaria em um fator chave para sua detecção.
Mentiras e dinheiro
Nesse momento todos já devem estar se perguntando como Romand vivia já que para ter aquele status precisava de muito dinheiro. Ele desenvolveu um plano ardiloso, que, como era natural, estava associado com um blefe permanente. Explicando seu trabalho na Suíça, Jean-Claude dizia aos pais, sogros, outros parentes e até amigos que como funcionário da OMS, tinha direito a investimentos especiais em bancos suíços, e que podia abrir uma conta com taxas muito favoráveis. Muitos caíram no golpe e deram todas suas economias para ele, que desta forma sustentava um estilo de vida compatível com o de um cientista que tem na agenda encontros com ministros.
A ruína
O cerco começou a se fechar. Suas mentiras começaram a alcançá-lo. Primeiro, em 1988, seu sogro quis retirar uma parte do dinheiro investido. Algumas semanas mais tarde, morreu em um acidente, cuja única testemunha foi Jean-Claude. Embora nunca tenha sido provado que ele foi o responsável, a morte foi extremamente conveniente. Sua sogra decidiu que ela não precisava mais morar em uma casa tão grande, vendeu-a e se mudou para um apartamento menor, deixando Jean-Claude cuidando do dinheiro restante. Quatro anos mais tarde foi a vez de sua amante que pediu a devolução do dinheiro que tinha investido, um total de 900 000 francos. No mesmo ano, um amigo conseguiu a lista de números de telefone do pessoal da OMS e estranhou não encontrar o nome de Jean-Claude nela.
Decisão fatal
Seu estado psicológico estava à beira de um colapso. A ex-amante passou a perseguí-lo exigindo que devolvesse seu dinheiro. Não importava como ele tentasse agir, tudo caminhava para a sua exposição, até que entendeu claramente que não conseguiria mais manter aquele rede de mentiras e neste momento um pensamento assustador passou por sua cabeça. Jean-Claude começou a acreditar que a morte de todos os seus parentes seria a melhor solução.
Na quarta-feira, 6 de janeiro de 1993, Jean-Claude foi para a cidade de Leon e fez uma retirada de sua conta bancária. Ao longo do caminho, em um momento de lucidez, repensou seu plano e deu os 500 francos para um mendigo, mas logo se arrependeu, voltou, fez nova retirada e foi até uma loja de armas onde comprou uma pistola com um silenciador e duas latas de gás. Pediu que sua compra fosse embalada para presente.
Dois dias depois, como se nada tivesse acontecido, Jean-Claude e a família foram fazer compras para comemorar o aniversário de Antoine. Naquela noite, quando as crianças estavam dormindo em suas camas, Jean-Claude esmagou o crânio de sua esposa a bordoadas. Calmamente acordou na manhã seguinte, disse para os filhos que a mãe estava indisposta e fez o café para as crianças, que jamais podiam imaginar que a mãe estava morta no quarto.
Depois do lanche, assistiu TV com eles, antes de colocá-los na cama novamente. Assim que dormiram, Jean-Claude deu um tiro em cada um com a pistola que havia comprado. Depois saiu e começou a caminhar nos lugares onde ele ia habitualmente com sua família. Jean-Claude mostrava a calma de sempre para não levantar suspeitas.
Mas este ainda não era o fim do banho de sangue. Depois do almoço, ele pegou seu carro e foi até a casa dos pais. Se confraternizaram com grande alegria e após o jantar Jean-Claude atirou nos dois.
Ele, então, marcou um encontro com sua amante. Sob o pretexto de que estavam indo jantar, Romand levou-a para uma estrada deserta, onde provocou um falso problema no carro e pediu a ela que descesse. Ele atacou a mulher e tentou estrangulá-la, mas encontrou uma forte resistência. Ao ver que não lograria matá-la, ele a soltou de repente, pediu desculpas, levou para casa, e depois foi para sua casa, onde sua família estava morta.
Sentado na sala de estar, Jean-Claude assistiu TV até tarde da noite quando então ateou fogo à casa, tomou um vidro inteiro de barbitúricos e se deitou para morrer.
O fim da mentira
Em 18 de janeiro de 1993 Jean-Claude Romand foi preso pelo massacre de toda sua família. Em 1996 ele foi acusado e condenado à prisão perpétua sem direito a pedir indulto antes de 2015. Agora que já cumpriu 18 anos de sua prisão os agentes penitenciários falam dele como um diligente e disciplinada prisioneiro que realmente lamenta suas ações, mas que condenado a viver, finalmente se sente aliviado pelo fardo dos 18 anos de mentiras.
Post-Scriptum
Em 1993, após a prisão de Jean-Claude, a polícia encontrou seu BMW, a uma distância de uma milha da casa queimada, com um bilhete de Romand no porta-luvas:
"Acidente ou injustiça pode levar à insanidade."
A história de Jean-Claude Romand se tornou um livro, L'Adversaire (O adversário) pelas mãos do afamado escritor francês Emmanuel Carrère em 2000. Posteriormente, em 2002, a história foi levada ao cinema, com direção de Nicole Garcia com nome homônimo ao livro.
Fontes: Arquivo de artigos, CNN e Everything2.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários
To lendo o livro de Carrère. Há dias que não consigo dormir por conta do desenrolar da história. O livro é muito bem escrito, ótimo.
Tento desvendar a mente do assassino mentiroso e me parece, até agora, que tudo começou com uma mentira pequena que tomou proporções gigantescas pelo simples fato de sua vaidade não lhe permitir passar pela vergonha de ser desmascarado.
Fico imaginando a tensão extrema que o cara vivia e me pergunto: se não tivesse havido a primeira mentira, como teriam transcorrido esses 18 anos de sua vida?
Esse cara so perde para o LULA.
Especialista, Angelina.
Incrível o que esse cara conseguiu viver. Legal.
Mentes criminosas – vou com a cara.
Chega a ser surreal.
Caraca, que coisa incrível.
Interessante.
Ah, Tyr, o amaríssimo José dias.
Pois é. 2V
Odeio crianças mimadas.E ele não lamenta coisa alguma.
Se o cara fez tudo isso ele não se considerava um gênio, ele ERA um gênio :D
Fui com a cara dele.
"Todo narcisista patológico é psicopata. Qualquer um pode mentir, mas o psicopata usa a mentira como ferramenta de trabalho."
Concordo.
Já tinha lido sobre esse sujeito na Seleções (Reader´s Digest). Mas aqui está mais objetiva e detalhada a história. Doido.
Credo !!!!!
que historia hein o.O
fico imaginando a agonia que ele sentia pra tentar controlar tanta mentira
Pasmei! 8O
Além de narcicista tinha perfil de psicopata. Eu não entendo pq esses cretinos não se matam, ao invés de assassinar tanta gente, :x
Larau: eu não tive nada a ver com essa história... :lol: :twisted: :roll:^^
Acreditem! Eu tenho pena dele...Os maiores culpados dessa história foram os pais.
Pessoas de bem, devem saber e respeitar as limitações dos outros.
:|
E como diz o ditado
" Mente vazia oficina do Diabo"
:fool: :fool: :fool: :fool: :fool:
Admin
Me lembrou o José Dias de Dom Casmurro!
Viveu a vida ás custas alheias discorrendo sobre a alopatia e homeopatia sempre defendendo a primeira e sempre questionando a segunda. E no fim não era nada! Apenas alguém que ganhou livros quando vivia na roça e os leu bem.
Fortíssimo! Verdadeiríssimo! Certíssimo!
Pobre diabo!
que louco, cada história e pior que tudo real
E ainda tem gente q apoia a mentira =D
"Acidente ou injustiça pode levar à insanidade."?
Não entendi, no final de contas a história dele nem foi grande coisa. Psicopatas como ele existem em um numero grande. Infelizmente isso é o século XXI.
A única coisa que eu achei interessante foi o fato de ele viver 18 anos como um médico...
tomou um vidro inteiro de barbitúricos e se deitou para morrer.
E NAO MORREU?
Esse homem é podre. Os pais foram errados de mimar demais mas nao sao os culpados pelos erros desse cara. Tenso ler isso.
:| muitooooo lokooo o cara viiajava na maiiioneseee!
mais é como diz o ditado popular. Aqui se faz aqui se paga!
eleee tomou os barbituriicos pra morrer tmb.. mais não morreu, pq tudo que elee fez tem que ser pagado aqui mesmo!
A história da humanidade esta repleta de tipos assim, aliás, muito piores do tipo Erzsébet Báthory que riria desse cara ai.
Alguém conhece Myra Hindley? A vida macabra dela, é uma das tantas contadas no livro "As Mulheres Mais Perversas da História". Eu passei mal e vomitei lendo esse livro, tive pesadelos, taquicardia e fiquei com S. Pânico.
Cid Moreira diz: Transtoooornos mentaaaaaaaaisss. A bizarra mente humanaa é capaz de coisas inimagináááááááveis.
8O Odeio quando o Cid faz isso. Medo.
realmente mto triste....por isso temos q tomar todo cuidado com nossos filhos, pois
o carater de um adulto, depende da educaçao q recebe durante a infancia
Caramba, é meio agonizante até ler isso!
Imagina a cabeça dele?
Sei la, deitar toda a noite e não conseguir dormir, pensando que no outro dia tudo pode ser descoberto.
Da dó vai, pensa como ele devia ficar perturbado.
Fico puto com pais que, pelo amor, não educam certo o filho, mimando eles. É muita burrice.
:?
Cruzes! 8O
O capeta pegou ele.
tenso