Nos Jogos Olímpicos de 1956, celebrados em Melbourne (Austrália), a seleção de futebol da União Soviética ficou com a medalha de ouro. A estrela daquela equipe era Eduard Streltsov, um jovem atacante veloz e habilidoso que triunfava no clube Torpedo Moskva e que a história acabou alcunhando de "Pelé Russo". Dois anos mais tarde, com apenas 21 anos, a grande promessa do futebol, considerado por muitos o maior jogador russo de todos os tempos, era encerrado em um gulag siberiano. Que diabos ocorreu durante estes dois anos para que tivesse um destino tão desgraçado? |
Após uma semifinal épica na qual a União Soviética conseguiu derrotar a Bulgária com 9 jogadores em campo -dois jogadores soviéticos se lesionaram e ainda não permitiam as substituições- com dois gols de Eduard, no final em frente a Iugoslávia o técnico soviético decidiu deixar no banco a sua jovem estrela e colocou em seu lugar Nikita Simonyan.
Apesar desta decisão, os soviéticos conseguiram o título. Como os reservas não recebiam medalhas, foi o próprio Simonyan que honradamente ofereceu a sua para Eduard reconhecendo que tinham chegado até ali graças a ele.
No Kremlin organizaram um evento para homenagear os campeões de Melbourne, com a presença da delegação de futebol soviética e os membros mais destacados do Politburo, entre os quais se encontrava Yekaterina Furtseva -a mulher mais poderosa do país- e sua filha Svetlana de 17 anos.
Ela estava maravilhada com a jovem estrela e queria conhecê-lo a todo custo. Para sua mãe, aquele namoro podia consolidar sua posição no partido, mas lamentavelmente, Eduard não gostou muito da moça e de forma polida recusou-se a flertar com ela, no entanto, após algumas vodcas, e ante a insistência de mãe e filha, chucro como uma porta disse:
- "Jamais me casaria com essa cara de macaco... Prefiro ser enforcado a me casar com essa garota."
Yekaterina Furtseva e a filha Svetlana
Yekaterina Furtseva não esqueceria aquele desplante e para piorar mais a situação, Eduard recusou a oferta das duas equipes mais poderosas de Moscou -o CSKA, a equipe do exército vermelho, e o Dynamo de Moscou, a equipe da KGB- para continuar jogando no humilde Torpedo. Assinou seu destino.
Ademais, o governo tinha outros motivos para não gostar muito dele: Streltsov estaria se transformando em ídolo da juventude soviética com seu jeito jovem e cortes de cabelo "não-convencionais", encarnando uma indesejada rebeldia contra a tirania do regime político do país.
Em 25 de maio de 1958, em plena preparação para o Mundial da Suécia, o time russo estava concentrado nos arredores de Moscou em uma casa de campo propriedade de Eduard Karakhanov, oficial do exército vermelho. Mas Streltsov e dois companheiros decidiram sair para festar em uma dacha. Na manhã seguinte, após uma noite de farra, Eduard foi preso e acusado da violar Marina Lebedeva, uma jovem de 20 anos que tinha conhecido na festa.
Depois de um primeiro interrogatório da KGB, assinou uma declaração onde confessava o crime. Foi julgado e condenado a 12 anos de trabalhos forçados em um gulag na Sibéria. Além da prisão, ele também foi expurgado por um período onde jornais e revistas esportivas da União Soviética fingiam que Streltsov sequer existira.
Quando ficaram sabendo da sua prisão, os trabalhadores da ZIP, empresa dona do Torpedo, organizaram uma manifestação na qual participaram mais de 100.000 pessoas gritando que aquilo foi uma vingança. Todos diziam que apesar de ser mulherengo, beber muito e levar uma vida extravagante fora do futebol, o rapaz carismático não cometeria tal crime. A KGB encarregou-se de calar os protestos.
Mas por que Eduard assinou aquela declaração quando tinha enviado uma carta a sua mãe declarando sua inocência? A pressão e as ameaças da KGB, e a promessa de que se assinasse, permitiriam que participasse no Mundial da Suécia... voltou a cair na armadilha. Sem a participação de Eduard, a URSS cairia ante a Suécia, seleção que há pouco tempo perdera para a URSS por 6-0 com 3 gols de Eduard.
Após sete anos enclausurado no gulag, perdoaram o resto da condenação e Eduard, fiel a sua equipe, regressou ao Torpedo e, ao pisar no campo, o ex-prisioneiro do Gulag foi aplaudido de pé pela multidão. Eduard foi campeão em 1965 e 1968, tendo ele mesmo recebido o troféu de melhor jogador nas temporadas de 1967 e 1968.
Ele nunca falou sobre o tempo em que passou na prisão até seu leito de morte, quando declarou sua inocência à esposa. Havia rumores de que o governo teria ameaçado matar toda a sua família caso dissesse a verdade sobre seu julgamento.
Ele morreu em 1990, na véspera de seu 53º aniversário, por causa de um câncer na garganta, que muitos acreditam ter sido resultado de comida irradiada na prisão. O Torpedo fez uma homenagem, para aquele, que, muitos acreditavam, teria sido o melhor jogador do mundo, pondo seu nome no estádio e erigindo uma estátua nos arredores.
Investigações posteriores descobriram fotos de Marina Lebedeva nas quais aparece na cama de um hospital com manchas roxas no rosto que poderiam demonstrar a violação, mas foi mesmo Eduard Streltsov?
Muitos acreditavam em sua inocência e em 2001 foi criado a CPI Streltsov, encabeçada pelo enxadrista Anatoly Karpov e o prefeito de Moscou Yury Luzhkov, para limpar seu nome.
Depois da festa na datcha, Marina Lebedeva desapareceu do mapa, mas contam que ela visitou algumas vezes a sepultura de Eduard para depositar um ramalhete de flores.
Fonte: 20 minutos.
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