A cada vez que chegava na sequência de risos, me fixava no som insuportável, minha mandíbula ficava tensa, cerrava os punhos e por fim pressionava o controle remoto com toda a força para buscar outro canal, antes que Will Smith ou o Carlton fizessem outra gracinha. Mas a questão aqui é que os risos enlatados funcionam, e por isso são usados até hoje e durante tanto tempo, o sem graça Zorra Total que o diga.
Conta-se que o primeiro programa que empregou as risadas gravadas foi The Hank McCune Show em 1950, ainda que esta prática já era comum em programas de rádio ou rádio-teatro, antes do aparecimento da televisão, usando então público ao vivo que obedecia aos sinais de uma claquete. Inclusive o engenheiro de som Charles Rolland Douglass chegou a desenvolver a Laff Box, uma máquina que reproduzia risos, suspiros, aplausos.
A razão de que os risos alheios nos induzam também a sorrir é que o riso, bem como muitas outras atividades, é uma atividade essencialmente social. Isto é, que rimos para transmitir aos demais que estamos contentes. Rimos com mais frequência com outras pessoas, não sozinhos. Se os demais riem (ou ouvimos risos alheios, ainda que sejam gravados), interpretamos que os demais estão contentes, e por propagação também sorrimos ou gargalhamos, tal e qual acontece com o contágio do bocejo.
Inclusive, muitos jovens, com a facilidade atual de baixar narede um filme que acaba de ser lançado, não conhecem a magia de ir ao cinema. Eu já desafiei alguns a assistirem comédias besteirois em casa e depois no cinema. Parecem dois filmes diferentes. Por exemplo, se assistirmos a qualquer um dos filmes da trilogia "Corra que a Polícia Vem Aí", com Leslie Nielsen interpretando o tenente trapalhão Frank Drebin, em casa deve render algumas boas risadas, mas o contágio do cinema pode fazer com que qualquer um passe mal de tanto rir, a ponto de evitar olhar para a tela.
Em 1992, o neurofisiologista italiano Giacomo Rizzolattei e seu grupo de pesquisadores de Parma, Itália, estudavam o cérebro de alguns macacos com a esperança de descobrir como o cérebro organiza os comportamentos motores. Concretamente centravam-se na região do cérebro denominada F5 ou zona de pré-motricidade, que registrava atividade quando os macacos realizavam certos gestos, como por exemplo recolher uma noz.
Giacomo descobriu que essa região cerebral se ativava não só quando os macacos esticavam a mão para pegar a noz, senão também quando viam outros macacos fazer o mesmo. Este fenômeno foi chamado de "neurônios espelho", e também acontece nos seres humanos. Neurônios que disparam quando alguém realiza uma atividade e também quando observa a mesma atividade.
Os neurônios espelho, também, estão por trás de nossa empatia, nossa capacidade de sentir na pele o que acontece com os demais, do fato que choremos quando alguém está triste, de ficar emocionado quando alguém -mesmo desconhecido- está alegre, ou que componhamos um gesto de dor quando outra pessoa dá uma martelada na mão (Ui!).
A capacidade de imitar origina-se inclusive entre os bebezinhos: se mostramos a língua a uma criança, este seguramente repetirá a ação, o bebê não fala (a primeira vez) "Papá" ou "Mamã", ele na verdade repete a palavra que um dos pais babões disse tanto. Quando outras pessoas sussurram, tendemos a baixar a voz e exatamente por isso se você falar a alguém ao pé do ouvido, mesmo que seja mentira, é bem capaz que ela acredito pelo tom de secretismo. Quando estamos próximos de pessoas idosas, tendemos a nos mover mais lentamente. Falamos mais alto com pessoas cegas, tratamos crianças fofas como retardadas ("Que coisa mais cute cute tchubirubidiube do titio... Ahmnnh!!!)
Da mesma forma, imitamos bordões da TV ("Epa epa epa, muita calma nessa hora!") e depois de um lançamento de um filme de sucesso, imitamos durante algum tempo alguns dos traços do protagonista. O contágio do bocejo também acontece de um modo similar. Inclusive se lemos a palavra bocejo, já dá vontade de fazê-lo (quantos já não estão abrindo a boca nesse momento?). Isto acontece porque os neurônios espelho também são ativados quando lemos sobre o que outra pessoa faz, tal e qual explica Martin Lindstrom em seu best-seller Buyology – Truth and Lies About Why We Buy:
"Recentemente um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, Los Angeles, utilizou a ressonância magnética funcional para observar o cérebro dos voluntários de um estudo enquanto liam frases que descreviam uma série de ações como 'morder uma melancia' e 'segurar uma caneta'. Posteriormente, quando os mesmos voluntários olhavam vídeos de pessoas fazendo essas duas simples ações, exatamente as mesmas regiões do córtex cerebral eram ativadas.
Apenas escrevendo frases como 'arranhar um tabuleiro com as unhas', 'chupar um limão' ou 'grande aranha negra peluda', o mais provável é que você faça um gesto de desagrado ou pavor (a mente visualiza o som chato, o sabor ácido e as patas peludas subindo pela coxa da perna)."
Isso também explica o sucesso de alguns criadores de vídeos da Internet, sobretudo os que são rodados em primeira pessoa, desde vídeos pornográficos até vídeos nos quais alguém ensina como abrir a embalagem do último modelo de smartphone que saiu ao mercado ou que mostram pessoas se emocionando, bebês rindo (os campeões de audiência), ou alguém sendo feliz. As cenas contagiam a emoção ao espectador assim como um riso enlatado incita ao riso ou nos indica em que momento há que rir. Os seres humanos, em essência, somos muito sociáveis, empáticos e nos alegramos com a alegria dos outros. Pena que os momentos alegres andem tão em baixa!
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Comentários
Muito bacana esses neurôniozinhos :P
Legal. :clap:
Gostaria de saber com funciona com animais (bocejarmos ao ver um animal bocejando, mover-nos mais devagar perto de um animal velho, rir ao ver um animal feliz etc), mas é só uma curiosidade acadêmica.
Um dos motivos de eu não gostar. V
Gostei do texto.
E não gosto muito de ir no cinema. Tem sempre um chato que não se cala, fica de conversa paralela ou comentando cada cena do filme. Entre amigos é outra coisa e não precisa ser no cinema.
Também não me incomodo com as risadas de fundo.
É, rende alguns comentários este post.
Primeiro, eu gosto de Chaves e minha mente é seletiva, por isso as risadas não me incomodam.
Zorra Total eu nunca assisti, mas já vi trechos e posso garantir que nem as risadas salvam este programa lixo.
Comportamentos repetitivos... Eu poderia dizer que não tenho, ou ao menos os evito. Não gosto de parecer igual aos outros.
Bordões? Fujo de todos. Acho patético imitar bordões, especialmente de programas populixos como as pessoas costumam fazer.
Cinema... Bom, fui pouquíssimas vezes ao cinema. Mas gostei das vezes que fui, é divertido.
E falando nisso, realmente os momentos felizes estão se rareando. E acho que sei de quem é a culpa: as pessoas estão vivendo com mais pressa, com menos esperança, com menos amor, acreditando menos nas coisas, buscando explicações intrincadas e deturpadas para coisas que não devem ser explicadas, apenas vividas. E quem acha que estou errado, tem que conseguir me provar o contrário sorrindo.
Engraçado. :roll:
Mas já vi no que dá... :roll:
"Acho que tá mais que explicado agora, porque tais besteróis de m***a fazem sucesso com pessoas de mentes fracas e sugestionáveis."
Reflexos condicionados pela memória, bastante utilizados no treinamento/adestramento de animais.
Eu gosto de HDR, mas acho que exageraram um pouco, meu olho ardeu.
Bocejar é uma maldição em mim.
E nem é por sono, se não por que tem dias que flui de uma forma que me incomoda.
Toda afobada e desengonçada, e ainda esse problema, que piora tudo.
Nunca bocejei ao ver outra pessoa bocejando.
Moe, às vezes acho que sou retardado. Passo mal rindo de seriados e filmes e a minha esposa nem esboça reação.
Comentário inútil do dia 1: Imaginei o Luisão falando "Que coisa mais cute cute tchubirubidiube do titio... Ahmnnh!!!" Coisa fofa!
Comentário (não tão) inútil do dia 2: Espero que os momentos alegres não fiquem tão em baixa. Precisando, pode contar comigo - e com todos os amigos, tenho certeza.
Comentário sobre o texto: não tenho o que comentar sobre o texto, foi mal aí.
Baita texto! Deveras interessante.
Não consigo rir com programa de televisão.
Comigo não funciona.