Em algum ponto da história humana consolidou-se o modelo que submete à maioria da população a dedicar a maior parte de seu tempo, e de sua energia, a algo que em realidade não desfrutam. Refiro-me ao sistema trabalhista. Conquanto muitos encontram em seu emprego certos benefícios, por exemplo a possibilidade de socializar, uma rota para auto-realizar-se ou inclusive um escape à vida familiar, a verdade é que a grande maioria fica aborrecida, em menor ou maior medida, com sua rotina trabalhista. |
Em uma pesquisa realizada por uma empresa de RH, ManPowerGroup, com empregados dos Estados Unidos e Canadá, comprovaram que apenas 19% dos entrevistados afirmou estar satisfeito com sua vida trabalhista. Do restante, 16% advertiou estar relativamente satisfeito, enquanto 22% respondeu "relativamente insatisfeito", e 44% simplesmente tem nojo de seus empregos.
Uma empresa similar, a Mercer, realizou em 2011 uma pesquisa global, de muito maior dimensão que a citada previamente, para confirmar que entre 28 e 56% das pessoas ao redor do mundo desejariam deixar sua atividade trabalhista.
Antecedentes
O emprego, como hoje o percebemos, é um conceito que surgiu há aproximadamente cinco séculos, durante o Renascimento -com o nascimento do primeiro antecedente corporativo-. Obviamente os seres humanos sempre trabalharam, mas até então as pessoas trabalhavam para si mesmas, fosse como carpinteiros, ferreiros, sapateiros, ou outro oficio, em um modelo fundamentado na troca de trabalho, de seu fruto, por outros bens e serviços que requeriam para viver.
Nesse esquema de troca entre ofícios, os únicos que viam sua riqueza diminuir eram os aristocratas, quem dependiam de seus títulos de nobreza para obter dinheiro a partir do esforço daqueles que trabalhavam. Ante estes, as classes dirigentes recorreram a um novo sistema que obrigou a todos estes pequenos trabalhadores a ceder seu trabalho a indústrias que tinham a autorização exclusiva para fornecer para o mercado e assim surgiram os conceitos de emprego e de empregados.
Desemprego
Curiosamente ficamos alarmados com a latente ameaça conhecida como desemprego, isto é a ausência de algo que no fundo nos parece pouco estimulante, e que no entanto cobiçamos energicamente pois estamos imersos em uma relação de submissão ante o emprego como fonte exclusiva de sustento. Sobre o assunto, Douglas Rushkoff, brilhante teórico contemporâneo, afirma:
- "Tenho medo até de perguntar, mas desde quando o desemprego se transformou em um problema? Entendo que todos queremos nosso salário, ou ao menos queremos dinheiro. Queremos alimento, casa, roupas e todas essas coisas que o dinheiro pode adquirir. Mas falar a verdade: queremos empregos? [...] A pergunta que temos que começar a nos fazer não é como empregaremos toda essa gente que é substituída pela tecnologia na era digital, senão como podemos organizar uma sociedade ao redor de algo para além do emprego".
Reflexão
Se observarmos objetivamente o fenômeno que envolve milhões de pessoas dedicando inumeráveis horas ao longo de suas vidas a uma atividade que não desfrutam, resulta francamente incrível ter caído, como espécie, em uma dinâmica destas características. No entanto, podemos detectar um par de influências determinantes para que isto aconteça.
Por um lado temos um sistema que nos obriga a subsistir mediante o consumo de produtos (alguns deles indispensáveis, muitos outros não) originados em uma abstração chamada mercado. Paralelamente, para poder adquirir estes víveres devemos gastar dinheiro, divisa que geralmente obtemos por meio do emprego (trabalho inserido dentro de um modelo sintonizado com o sistema anteriormente descrito). Neste sentido, pode inclusive parecer um tanto frívola a sugestão de buscar um melhor emprego ou "fazer o que gosta" como diz a famosa frase "Faça aquilo que gosta e não terá de trabalhar um único dia na sua vida", quando muitas pessoas não têm sequer tempo ou energia para contemplar a possibilidade de escolher seu próprio trabalho.
Independentemente do sistema, e de aceitar que uma boa porção das pessoas que ficam aborrecidas com seus empregos estão imersas em condições que dificilmente permitem que contemplem outros horizontes -o que poderia pôr em risco sua própria subsistência-, a verdade é que também há milhões de pessoas que simplesmente permanecem em sua rotina trabalhista por comodidade, conformismo, ou por covardia. E precisamente neste setor recai, creio eu, a responsabilidade de organizar, como diria Rushkoff, "uma sociedade ao redor de algo para além do emprego".
Em meu caso demorei pouco mais de uma década em encontrar aquilo que realmente procurava como trabalho, e com o tempo detectei um par de indicadores que resultam contundentes no momento de questionar se alguém está fazendo o que gosta. O primeiro é um indicador relacionado ao calendário: se nas sextas-feiras a tarde você experimenta uma felicidade transbordante e nos domingos a noite mergulha em um vazio desolador, seguramente poderia dedicar essa significativa porção de sua existência a fazer outra coisa. O segundo, uma espécie de teste de fogo, refere-se a uma pergunta direta que meu pai sempre fazia: "Se amanhã espontaneamente resolvesse seu futuro econômico pelo resto da vida, você continuaria fazendo o que faz?" Se a resposta for afirmativa, independentemente de que existam algumas variações, então está de parabéns, você é parte de uma minoria talvez muito privilegiada, mas sobretudo congruente.
Mas, e você, na real, gosta de seu emprego?
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Comentários
Não existe trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar.
Todos são doutrinados que o caminho de uma pessoa correta e de sucesso é estudar, se formar e arrumar um emprego, depois se casar, juntar as rendas, comprar um imovel, carros, etc e pronto, vão ser assalariados a vida toda, tendo que acordar cedo todo santo dia para conseguir seu sustento e se quiser mais suce$$o, vai ter que trabalhar mais ainda. Essa é a vida vivida por 90% dos casais brasileiros.
O que dizer então de quem tem filhos novos, a pessoa passa o dia todo fora de casa e quando chega, os filhos já estão cansados e com sono, a pessoa praticamente não participa da vida do filho, a babá passa mais tempo com o filho do que a mãe, chegando a casos extremos do filho chamar a babá de mãe...
Há tantas coisas boas para se fazer na vida do que ficar preso em um escritorio num belo dia de sol resolvendo problemas dos outros e sendo cobrado constantemente.
Eu não pretendo passar mais 28 anos trabalhando para poder me aposentar com mais de 60 anos... Se eu não conseguir me tornar um bom especulador financeiro até os 45 anos certamente pedirei uma redução de jornada de trabalho. Nem que eu ganhe menos, mas quero viver para mim e passar o maior tempo possivel com as pessoas que amo e fazendo as coisas que gosto.
A vida tem que ser desfrutada e não sofrida, corrida, pressionada...
Do que adianta ter um condição financeira boa com mais de 60 anos, sendo que a esta altura já terá muitas limitações para realizar coisas que sempre sonhou quando tivesse mais tempo.
Obviamente que uma pessoa com uma vida vazia mergulha no trabalho pois é sua única opção. Meu chefe me mandou um email semana passada as 22hrs de um sabado, fiquei com pena dele...
Mas eu certamente não pretendo fazer parte da grande maioria que acha que trabalhar dignifica o homem.
Essa é velha mas ainda tem muita gente que não sabe:
O segredo de uma vida tranquila não é trabalhar por dinheiro e sim botar o dinheiro para trabalhar por você.
Bom... eu penso mais ou menos como o PH disse abaixo.
Não faço no meu trabalho o que gosto, mais gosto muito do meu trabalho.
Minha filosofia é a seguinte, eu não gosto de trabalhar!!!
Porém preciso dele pra realizar as outras coisas que gosto. Em decorrência disto, procurei seguir minha carreira em algo que eu considero "menos chato". E tento fazer do meu ambiente de trabalho menos estressante e mais produtivo possível... Meu lema com minha equipe é menor esforço dispendido pro melhor resultado obtido... Hora extra é proibido por lei aqui... kkkkk
É mais ou menos isso, PH... Eu sou uma pessoa fácil de agradar. Em casa, o que mais gosto de fazer é limpar o banheiro, mais pelo prazer de ve-lo brilhando depois.
Mas se eu transformar isso em trabalho - obrigação - acaba ficando chato e até nojento.
Agora, sobre trabalho secular, o grande problema no meu caso é que eu nunca gostei de sair de casa cedo, acordar antes do necessário para o meu corpo, ficar o dia inteiro cumprindo horário por conta de trabalhos que eu faço em questão de minutos... Acho que é isso que me faz não gostar muito do trabalho em si, apesar de gostar do meu.
Concordo com o raciocínio do Pulguento, mas, a meu ver, o que dá ao trabalho suas inúmeras imagens negativas é justamente fazê-lo somente por obrigação. No entanto, quando há alguma motivação prazerosa, por menor que seja, a situação é contornada. Por exemplo: ao realizar uma tarefa porque, simplesmente, é preciso, vêm o desânimo, a preguiça e a vontade de procrastiná-la. Este cenário, porém, muda, quando você encontra um motivo que "faça sentido", com o qual concorde e decide se empenhar, por vontade própria – e não mais por obrigação. Acredito que esse é um dos estágios iniciais pelos quais passam aqueles que, atualmente, gostam do que fazem.
La pergunta... :fool:
Eu gosto do que eu faço, mas acho que trabalhar é um desperdício de tempo, de maneira que se não precisasse trabalhar, a essa hora estaria acordando numa das belas praias daqui do sul.
Trabalhar... é chato
"O segredo não é fazer o que gosta, mas gostar do que faz."
"Se nas sextas-feiras a tarde você experimenta uma felicidade transbordante e nos domingos a noite mergulha em um vazio desolador..."
"Se amanhã espontaneamente resolvesse seu futuro econômico pelo resto da vida, você continuaria fazendo o que faz?"
A minha resposta para ambos os casos é sim! Bizarro, não?
Com o diferencial que o vazio começa no sábado à noite! :roll:
Odeio o trabalho, é muito estressante, desgastante e "improdutivo", mas gosto do que faço e quando a sexta-feira acaba fico feliz por tudo o que fiz! 8)
O prazer de trabalhar, além de gostar do que faz, também está em ganhar o sustento, é como algo essencial para a vida, e geralmente, é o que dá sentido a ela.
Penso que quero trabalhar com o que gosto de fazer, sendo que ainda nem sei o que quero fazer... :/
eu nao trabalho mas mesmo assim ja sei que a felicidade nao se compra com essas porcarias materias, sei que viverei uma vida infeliz, mas o que eu levarei comigo mesmo, serao minhas virtudes que realmente importam
Eu amo o que faço, amo o local onde trabalho.
Adoro as sextas a noite e não gosto muito dos domingos, mas é simplesmente porque amo passar tempo com minha cadelinha e PRECISO arrumar várias coisas na minha vida pessoal e na minha casa, fora obrigações da pós graduação, o que só posso fazer no fds. Mas não venho ao trabalho já pensando nas seis horas.
E, se eu não precisasse mais trabalhar, provavelmente não trabalharia mais onde trabalho, ou reduziria a carga horária aqui, para poder trabalhar em alguma ONG, de preferência em alguma área parecida com a que hoje trabalho. Não por não gostar do que faço, mas para poder ajudar quem precisa.
"Se amanhã espontaneamente resolvesse seu futuro econômico pelo resto da vida, você continuaria fazendo o que faz?"
Tal pergunta me lembra outra, feita pelo médico e palestrante Lair Ribeiro, numa de suas colunas: "Se o trabalho não fosse obrigatório para garantir seu sustento, você continuaria trabalhando?".
Há mais de uma variável a se considerar, para responder à pergunta do título do post: satisfação com as tarefas, com o ambiente de trabalho, com os colegas e com o chefe, satisfação pessoal, salário, entre outras – avaliações para cada uma (e, por fim, para o trabalho como um todo) dependem dos objetivos de cada um. Se pararmos para pensar, não é uma pergunta fácil de ser respondida.
nao estou trabalhando no momento justamente para poder conquistar a possibiliade de fazer algo q irei amar..
acho q farei parte da minoria um dia! =]
Ver este post logo agora... Chega a ser irônico.