Se algum dia você receber uma corrente de WhatsApp dizendo que as vacinas com alumínio (ou coisa assim) provocam autismo e citando um estudo de uma Universidade ou um cientista qualquer, entre em contato com a pessoa que enviou e educamente mande enfiar a corrente no rabo, porque é falsa. Desculpe! O motivo da minha irritação é a decadência da civilização moderna com o descuido, falta de apoio e franco desprezo pela mais refinada ferramenta que a humanidade desenvolveu para sobreviver: o pensamento científico. |
Cada vez há mais campanhas de desprestigio contra ideias científicas bem estabelecidas, promovidas por teorias da conspiração para desqualificar a informação científica -alegando sempre inconfessáveis interesses de irmandades, bigfarma, governos estrangeiros ou corporações internacionais sem ética-, e que muitas vezes têm conseqüências danosas e francamente alarmantes para o bem-estar social.
É cada vez mais frequente em nosso país escutar comentários como "eu não tomo vacina" ou "não vacino meus filhos porque as vacinas são perigosas". Trata-se do perigoso movimento anti-vacinação que está causando verdadeiro dano em vários países, divulgadas aqui no Brasil por sites criminosos com temáticas como "cura pela natureza". Acreditem ou não, esse movimento ameaça a saúde mundial.
Sua base são as ideias do guru pseudomédico Andrew Wakefield -seu diploma foi caçado-, que afirmou em 1998 que a vacina tríplice viral causava autismo em crianças. Ideias que, sobra dizer, foram ampla e definitivamente refutadas.
Não obstante, estas ideias deram cria e estão fazendo com que milhares de pais se neguem a vacinar seus filhos, deixando-os expostos a estas doenças e colocando em perigo toda a sociedade, pois quando há um número suficiente de indivíduos não protegidos, as epidemias podem ressurgir. E isso já está ocorrendo: doenças consideradas erradicadas, como sarampo ou coqueluche, em países como a França, Reino Unido e Estados Unidos, estão mostrando os mesmos níveis dos anos 80 do século passado.
E, para piorar, na semana passada foi publicado um estudo que manipula tanto seus dados que a comunidade científica não quer se limitar apenas a rasgar os papers senão que quer a cabeça de seus autores. E há um motivo para tanta sanha: tais estudos dão ração aos negacionistas de um dos maiores êxitos científicos da história da humanidade, a vacina.
O estudo foi publicado na revista Journal of Inorganic Biochemistry e o que sugere é que as injeções em ratos do mesmo alumínio usado como adjuvante imunológico em algumas vacinas provoca uma resposta imunológica nos genes que se traduz em uma inflamação no cérebro que coincide com os sintomas do autismo, para o regozijo dos conspiranoicos.
O problema é que o estudo tem a mesma qualidade que aqueles trabalhos que a gente fazia em equipe com o grupo do fundão da sala de aula do colégio. O oncologista David Gorski, da Universidade de Wayne é o que faz a análise mais certeira e comedida dos resultados:
- "Seguindo a mais amável das interpretações, o que o estudo diz é que foram registrados níveis elevados de proteínas associadas com a inflamação no cérebro de ratos que foram injetados com adjuvante de hidróxido de alumínio com uma frequência que nenhum bebê humano vai receber em toda sua vida. Outro caso de tortura gratuita com ratos em nome da pseudociência da anti-vacinação."
A lista de críticas ferozes por parte de biólogos, químicos e médicos com uma sólida reputação é interminável, mas não se trata só de uma questão de opinião. As análises independentes do estudo encontraram uma larguíssima lista de falhas em seus procedimentos que incluem:
- Injetar hidróxido de alumínio sob a pele em vez de nos músculos, que é como as vacinas são dadas.
- Usar dose baseadas em erros sobre o desenvolvimento dos ratos e que não se ajustam ao calendário de vacinação em seres humanos.
- Estudar os marcadores genéticos com base em pesquisas desatualizadas.
- Usar um método impreciso e desatualizado para registrar a atividade dos genes.
- Usar provas estatísticas desatualizadas.
- Eliminação clara e deliberada dos dados de controle do estudo.
- Receber fundos de organizações particulares que questionam a segurança das vacinas.
O despropósito chega ao extremo de que alguns dos dados do estudo foram completamente manipulados. Não será nenhuma surpresa se descobrirem que nem foi revisado por pares. Em alguns casos até copiaram e colaram as fotografias dos resultados.
Tão logo surgiram estas análises críticas, tanto a publicação como os autores solicitaram a imediata retirada do estudo. Os autores, por verdade, são os doutores Dan Li, Lucija Tomljenovic, Yongling Li e Cristopher A. Shaw, todos eles da Universidade da Columbia Britânica. Quem solicitou a retirada foi Cristopher Shaw, que declarou que não entende como os dados chegaram manipulados ao estudo final e assinala como autor o primeiro, Dan Li.
Li, por sua vez, foi trabalhar na China e levou com ele toda a documentação do estudo. O pesquisador assegura não ter feito nada errado, mas se nega a ceder os dados originais para sua revisão. Para piorar as coisas, tanto Cristopher quanto Lucija têm um histórico muito nublado. Não é a primeira vez que são obrigados a retratar-se por um estudo. Em 2012, a Organização Mundial da Saúde teve que solicitar a retirada de um estudo de ambos que relacionava o alumínio das vacinas com o autismo. A OMS qualificou a pesquisa de "seriamente errônea".
No ano passado, ambos os autores tiveram que retratar-se de outro estudo publicado na revista Vaccine que relacionava o autismo com a vacina do papilomavírus. Enquanto isso, a Universidade da Columbia Britânica esgrime a liberdade acadêmica para não tomar medidas contra os dois pesquisadores, mas as provas se acumulam e a comunidade científica já perdeu a paciência. Recuperar os dados do estudo e esclarecer o caso vai ser complicado, mas é a saúde das pessoas que está em jogo, não só a reputação acadêmica de uma instituição.
Fonte: ArsTechnica.
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Comentários
tá difícil, a cada dia que passa parece que a humanidade arruma uma forma de dar um passo atrás.