Quando um paciente chegou desacordado a uma pronto atendimento médico de um hospital na Flórida, o pessoal se surpreendeu ao descobrir a frase "NÃO RESSUSCITAR" tatuada em seu peito, com a palavra "NÃO" sublinhada e a assinatura do homem logo abaixo. Confusos e alarmados, os médicos optaram inicialmente por ignorar a aparente Ordem de Não Ressuscitação (ONR), mas quando alertaram à equipe de ética do hospital, esta tinha uma opinião diferente sobre o assunto. |
Segundo o caso médico, que foi publicado esta semana pela revista New England Journal of Medicine, o homem anônimo de 70 anos foi levado ao pronto-socorro pelos paramédicos em estado de inconsciência e com um nível elevado de álcool no sangue. O paciente tinha antecedentes de doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes e frequência cardíaca irregular. Seu estado começou a deteriorar-se várias horas após ser internado, e foram necessárias intervenções médicas para mantê-lo vivo.
No entanto, quando viram a tatuagem, a equipe da unidade de cuidados intensivos enfrentou um sério dilema. O paciente chegou ao hospital sem identificação, o pessoal médico não conseguiu contatar os parentes mais próximos e os esforços por reanimá-lo ou se comunicar com o paciente foram inúteis. O pessoal médico não tinha forma de saber se a tatuagem representava os verdadeiros desejos do homem, motivo pelo qual decidiram ignorá-la.
- "Inicialmente decidimos não honrar a tatuagem, invocando o princípio de não seguir um caminho irreversível em caso de incerteza", escreveram os autores do caso médico. - "Esta decisão deixou-nos em conflito, devido ao extraordinário esforço do paciente com sua suposta petição; portanto, solicitamos uma consulta de ética."
Mas não era só uma questão de ética médica. Gregory Holt, o autor principal do caso, diz que a maior questão em sua mente era o aspecto legal: era aceitável ou não?
Conquanto tatuar uma ONR pode parecer extremo, a solicitação de não ser ressuscitado durante uma atenção médica de vida ou morte certamente não é. Aproximadamente 80% dos pacientes da Medicare nos Estados Unidos dizem que desejam evitar a hospitalização e os cuidados intensivos durante a fase terminal da doença.
Mais? Uma pesquisa de 2014 mostrou que a grande maioria dos médicos preferiria ignorar intervenções de alta intensidade para si mesmos. Dos 1081 médicos pesquisados, mais de 88% optou pela não ressurreição. As medidas para manter vivo o paciente costumam ser invasivas, dolorosas e caras. A ONR é uma solicitação explícita para evitar intervenções de alta intensidade como reanimação cardiorrespiratória, descargas elétricas e intubações. Mais implicitamente é uma solicitação para não acabar conectado a uma máquina.
Pelo geral, o ONR é um documento formal que um paciente fornece a seu médico e a seus familiares. Os tatuagens podem ser um meio muito pouco ortodoxo, mas possivelmente direto de transmitir os desejos sobre o final da vida. Dito isto, a tatuagem deste paciente apresentou algumas complicações inegáveis para o pessoal do hospital. Seria uma tatuagem um documento legal? Ele fez a tatuagem, mas depois mudou de opinião? Neste último ponto, existe um caso médico anterior em o que a tatuagem ONR de um paciente não refletia seus desejos. Segundo escreveram os autores de um relatório em 2012:
- "Ele achava que ninguém fosse levar a sério sua tatuagem..."
Neste caso mais recente, a equipe da UTI fez todo o possível para manter vivo o paciente, enquanto a equipe de ética refletia sobre a situação, lhe administrando antibióticos, vasopressores -para reduzir a pressão arterial elevada-, reanimação com líquidos por via intravenosa e outras medidas.
- "Após revisar o caso do paciente, os consultores de ética aconselharam que respeitássemos a tatuagem ONR do paciente", disse Gregory. - "Sugeriram que era mais razoável inferir que a tatuagem expressava uma preferência autêntica, o que poderia ser visto como precaução, mas também como uma cerimônia de aderência à tradição e normas médicas, e que a lei às vezes não é suficientemente ágil para apoiar a atenção centrada no paciente e no respeito por seus interesses."
Em conseqüência, a equipe da UTI redigiu uma ONR e o paciente faleceu mais tarde naquela noite sem ser submetido a nenhuma medida de emergência. Antes de morrer, o departamento de trabalho social do hospital descobriu no histórico do paciente um pedido de ONR extra-hospitala emitido pelo Departamento de Saúde da Flórida, que coincidia com a tatuagem.
Como assinalam os autores do novo relatório, todo o incidente produziu mais confusão do que esclarecimentos. Apesar da dificuldade que pode entranhar para os pacientes informar seus desejos sobre o final de sua vida, "... este relatório não admite nem se opõe ao uso de tatuagens para expressar desejos sobre o final da vida quando a pessoa está incapacitada."
Kerry Bowman, um bioético da Universidade de Toronto, está de acordo que este incidente foi um desafio.
- "As ONR de qualquer tipo não anulam os desejos expressados mais recentemente", explicou Kerry. - "Em outras palavras, o paciente pode ter mudado de opinião e é possível que não tenha forma de saber. O arrependimento de uma tatuagem não é uma coisa rara. A equipe da UTI posicionou-se do lado da vida."
Ao mesmo tempo, Kerry se mostra compreensivo com o paciente: acha que a tatuagem pode ser uma expressão de como os desejos dos pacientes não são levados em conta. - "Minha posição seria que se alguém se preocupou em ter uma ONR tatuada com uma assinatura, isso indica um desejo forte e claro", disse.
Dadas as dúvidas sobre a legalidade e crenças (infundadas ou não) de que as tatuagens poderiam representar lembretes permanentes de decisões tomadas em estado de intoxicação e de que a pessoa pode ter se arrependido, o que você faria se, de repente, se deparasse com um caso desse? Tentaria salvar a vida da pessoa ou "respeitaria" a tatuagem? É complicado...
Fonte: Gizmodo.
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Comentários
Se se arrependesse era só riscar a tatuagem com outra tatuagem em forma de «X».