A notícia da semana passada sem dúvida foi o caso de John Allen Chau, 27 anos, o missionário que foi morto por uma tribo indígena isolada depois de invadir ilegalmente sua remota ilha, com a suposta boa intenção (para ele era) de pregar a palavra de Deus para os pagãos (para eles não) que vivem ali. Um episódio triste, causado pela imprudência do homem e que não necessitaria mais desdobramentos depois que a própria família de John se recusou a condenar os membros da última tribo pré-neolítica existente, mas há quem não concorde com isso. |
- "O americano de 27 anos, identificado como John Allen Chau, veio para a Índia com um visto de turista, mas chegou às ilhas Andaman e Nicobar em outubro com o propósito expresso de proselitismo", disse Dependra Pathak, Diretora Geral de Polícia local.
- "Nós nos recusamos a chamá-lo assim. Sim, ele veio com um visto de turista, mas tinha o propósito específico de pregar em uma ilha proibida”, disse a mulher.
Ademais John Chau não informou a polícia de suas intenções de viajar até a ilha para tentar converter os habitantes da Sentinela do Norte, protegidos pela lei indiana. Então, para recapitular, ele invadiu ilegalmente uma nação soberana, foi -dentro do contexto dos habitantes- percebido como uma ameaça e acabou morto em legítima defesa.
Mas o International Christian Concern, uma organização sem fins lucrativos com o propósito de "aliviar o sofrimento da igreja perseguida em todo o mundo", não pensa isso e quer que a tribo seja acusada de assassinato. Sério! Em seu comunicado de imprensa oficial dizem:
- "Nós da International Christian Concern estamos extremamente preocupados com os relatos de um missionário americano que foi assassinado nas Ilhas Andaman e Nicobar, na Índia. Nossos pensamentos e orações vão para a família e os amigos de John. Cobramos a realização de uma investigação completa deste assassinato e que os responsáveis sejam levados à barra da justiça."
Nada contra o rapaz, que realmente acreditava no que fazia, mas por que diabos ele não é responsabilizado por seu próprio comportamento imprudente e estúpido? Mas tem mais. No mesmo comunicado de imprensa a ONG tentou estabelecer uma conexão entre a morte de John e relatos de discriminação contra os praticantes do cristianismo em toda a Índia.
A Índia tem uma história de ataques a missionários cristãos estrangeiros. Em janeiro de 1999, Graham Staines, um missionário australiano, foi queimado vivo junto com seus dois filhos Philip, de 10 anos, e Timothy, de 6 anos. Uma multidão de fundamentalistas Bajrang Dal atacou o missionário e seus filhos quando eles dormiam em sua caminhonete na Aldeia de Manoharpur, localizada no distrito de Kendujhar, no estado indiano de Odisha.
Em toda a Índia, os relatos de perseguição continuam aumentando em números e de forma alarmante. Grande parte dessa escalada na perseguição seguiu-se à ascensão do atual governo liderado pelo Partido do Povo Indiano (PPI) em maio de 2014. Usando uma retórica religiosamente divisora para ganho político, o PPI incita os radicais hindus a tomar medidas contra as minorias religiosas.
Em 2014, ano em que o governo liderado pelo PPI assumiu o poder, a Evangelical Fellowship of India (EFI) documentou 147 incidentes de perseguição cristã. Em 2017, após três anos do atual governo, a EFI documentou 351 incidentes.
Aviso de spoiler: A morte de John Chau não teve absolutamente nada a ver com qualquer tipo de "perseguição religiosa" e sim com as consequências de tentar levar sua bíblia para um lugar onde não tinha altar. Como bem disseram seus próprios pais em um post do Instagram:
- "Nós perdoamos os supostamente responsáveis por sua morte. [...] Ele se aventurou por vontade própria e seus contatos locais não precisam ser perseguidos por suas ações."
De fato, a polícia local abriu uma investigação de assassinato, mas parece ser apenas uma formalidade legal, que mais visa condenar os pescadores que levaram John até a ilha, porque da ilha para dentro eles não podem fazer absolutamente nada, inclusive a polícia não tem nem mesmo a certeza se poderão resgatar o corpo do homem porque isso exigiria invadir ilegalmente uma ilha soberana também.
- "Seria um exercício inútil tentar resgatar o corpo da ilha", disse Pankaj Sekhsaria, especialistas em direitos tribais. - "Não acho que seja uma boa ideia, porque acabará criando mais um conflito com a comunidade dali."
O único homem que visitou a ilha e saiu para contar história, o antropólogos T.N. Pandit, crê que não dá simplesmente para invadir o local com armas para retirar o corpo.
- "Não funciona assim. É preciso observar a máxima cautela", afirmou. Por outro lado, uma carta com as últimas palavras do missionário deixa clara sua vontade no caso de que acontecesse algo muito errado (e ocorreu):
- "Não quero que recuperem meu corpo", escreveu.
Na sexta-feira, unidades policiais indianas -junto com alguns dos pescadores presos por ajudar John a chegar até a ilha- circundaram a Sentinela sem localizar nada. A uma distância prudencial e com o motor desligado, observaram através de binóculos como um grupo de sentinelenses vigiavam algo no mesmo local em que John foi abatido. No entanto preferiram não se aproximar e decidiram ir embora depois de fotografar a localização exata.
Ao que parece, as autoridades contam com uma possibilidade alternativa de resgatar o corpo, com base no passado, quando dois pescadores foram mortos catando caranguejo na ilha. Após aproximadamente uma semana, os sentinelenses penduraram os corpos em mastros de bambu em frente ao oceano. Se fizerem o mesmo novamente com o corpo de John, poderia apresentar a única oportunidade de recuperar seu corpo sem violar a soberania do local e de seu povo.
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Comentários
vei.. que embaçado isso.. na boa
Se deus é onipotente e onipresente pq ele precisa que missionários preguem a palavra dele? Pq ele não faz isso pessoalmente? Pq ele deixou o missionário morrer?
O lado bom é que esse missionário agora está no céu.
SQN
ESSE IRRACIONAL MORREU DE TONTO !!!
Então, o direito à "soberania do local" parece ser superior ao direito à vida.