Enquanto as autoridades debatem a possibilidade de entrar na Sentinela do Norte para resgatar o corpo de John Allen Chau, a pessoa que provavelmente melhor conheça o terreno decidiu falar. O antropólogo Nath Pandit foi o último a entrar e sair com vida entabulando certa amizade com a tribo. Pandit, hoje com 84 anos e chefe regional do Ministério de Assuntos Tribais da Índia, embarcou faz muito tempo com rumo a ilha proibida e durante décadas fez viagens que o converteram no primeiro antropólogo a entrar com sucesso nesta ilha isolada de Andamã, junto com uma equipe de 20 membros. |
Sua história começou em janeiro de 1967, momento em que se aventurou pela primeira vez na ilha. Ali liderou um grupo de pesquisadores, funcionários públicos e inclusive pessoal da Marinha para explorar a Sentinela do Norte e fazer contato com a tribo.
Em um livro que escreveu mais tarde ele contava que quando sua equipe chegou pela primeira vez na ilha, os sentinelenses se esconderam atrás dos primeiros arbustos do bosque, observando silenciosamente a chegada do que para nós seriam uns extraterrestres.
O antropólogo Nath Pandit.
Hoje conta que não existia nada dessa hostilidade tão comentada na atualidade. Seguindo um rastro de impressões, Pandit e sua equipe caminharam um quilômetro no interior do bosque e encontraram uma área aberta que constava de 18 cabanas. Segundo explicou na época:
- "Essas casas estavam ocupadas, não abandonadas. Notei fogo e alimentos cozinhados. Vimos pescado assado, frutas silvestres. Tinha arcos, flechas e lanças por todas as partes. Também tinha cestas sendo feitas. Não usavam roupa. Não coletavam nada e tudo o que têm guardam em suas choças. No entanto, estas são muito bem construídas. Cabanas abertas, feitas com galhos de árvores e folhas, sem portas nem janelas."
No relato desta primeira viagem o antropólogo descreveu como um dos membros de sua equipe viu brevemente outro da tribo, mas não teve nenhuma reunião ou coisa parecida e a hora que passaram na ilha ocorreu sem incidentes, mas sem contatos.
Foi durante as visitas posteriores quando sim houve contato e certa resistência. No segundo encontro e antes de que seus barcos pudessem chegar à margem, os sentinelenses esperavam com gestos hostis, arcos e flechas.
Por esta razão, o grupo decidiu manter uma distância segura e criou uma estratégia de lançar na água presentes como cocos e utensílios para que chegassem à margem. Em 1991, Pandit explicava como, pela primeira vez, a tribo se aproximou e recolheu os presentes, ainda que os membros da expedição não puderam entrar à ilha. O antropólogo explicava:
- "Tinham decidido que não éramos perigosos, e se abriram um pouco. Também sabiam que não tínhamos intenções de ficar na ilha. Nossos idiomas podem ser diferentes, mas entendemos perfeitamente, não nos queriam ali."
Pandit diz que entende porque eles mantém essa hostilidade com os forasteiros. Grande parte dessa paranóia pode ser atribuída a um certo Maurice Vidal Portman, um oficial da Marinha britânica, e seus companheiros coloniais que criaram uma obsessão tóxica com os povos indígenas das Ilhas Andamã, incluindo os sentinelenses, no final do século XIX.
Maurice documentou seus desentendimentos com o povo da Sentinela do Norte em seu livro de 1899, que você pode ler na íntegra no seguinte link: "Uma História de Nossas Relações com os Andamenses"
Maurice Vidal Portman sentado em uma cadeira ao lado do povo andamense.
Através de um esforço conjunto com o Serviço Civil de Andamã, o contato com os habitantes locais começou como uma tentativa ingênua de documentar e "civilizar" os indígenas; no entanto, o relacionamento rapidamente caiu em uma espiral descendente de sequestros, mortes, doenças e fotografias assustadoras.
Um parágrafo fala especificamente sobre sua visita à Ilha Sentinela do Norte com um grupo de britânicos, indianos e birmaneses condenados em janeiro de 1880, onde ele descreve as aldeias, armas e ferramentas dos sentinelenses. Tudo parece francamente curioso até que ele detalha sua segunda viagem à ilha alguns dias depois, quando se depararam com uma família no meio da floresta. Compreensivelmente assustado com esses invasores inesperados, o nativo puxou seu arco e a briga começou.
O sentinelese acabou morto e Maurice sequestrou um casal de idosos e mais quatro jovens que foram levados a Port Blair, a capital da ilha de Andamã do Sul, tudo pelo "interesse da ciência", segundo o homem. Todos adoeceram rapidamente e o casal de idosos morreu. Os quatro jovens foram mandadas de volta para a ilha com muitos "presentes", acrescentou Maurice, não deixando claro se os "presentes" eram mimos ou as muitas doenças que acabaram contraindo durante o contato forçado.
De fato, alguns historiadores dizem que Maurice estava "eroticamente obcecado com os andamenses". Além de fotografar homens andamenses em poses homoeróticas, com temas de escultura clássica, ele também catalogou seus corpos com um obsessivo foco nos órgãos genitais. Um artigo acadêmico recente sobre esse assunto descreve a obsessão de Maurice com os órgãos genitais dos povos indígenas, sugerindo como a "afirmação de controle e fantasias delinquentes do colonizador".
Pandit diz que, segundo sua experiência, o grupo é em grande parte amante da paz e acha que sua temível reputação é totalmente injusta. De fato, explicou que o turista americano morreu apenas por sua culpa:
- "Durante nossas interações nos ameaçaram, mas nunca chegou a um ponto em que mataram ou feriram. Cada vez que se agitavam, retrocedíamos. Fico muito triste pela morte deste jovem, mas cometeu um erro. Teve a oportunidade de salvar-se. Mas persistiu e pagou com sua vida."
Após várias expedições em que tentaram estabelecer contato, e depois de seu primeiro grande avanço com os presentes, o seguinte passo ocorreu no final do mesmo ano de 1991, quando a tribo saiu para se aproximar pacificamente a eles no oceano:
- "Ficamos desconcertados porque nos permitiram. Foi sua decisão reunir-se conosco e a reunião teve lugar em seus próprios termos. Saltamos do barco ficamos com a água até o pescoço, distribuindo cocos e outros presentes. Mas não permitiram ir além. Estavam falando entre eles, mas não podíamos entender seu idioma. Soava similar aos idiomas falados pelos outros grupos tribais na área,mas era diferente."
Também recorda momentos de tensão, como quando ele mesmo se separou do grupo e um jovem membro da tribo o ameaçou:
- "Quando estava presenteando os cocos, me separei um pouco do resto de minha equipe e comecei a me aproximar da praia. Um jovem sentinelense fez uma careta, pegou uma faca e indicou que cortaria a minha cabeça. Imediatamente nadei em direção ao bote e saí da água. O gesto do jovem foi significativo. Deixou claro que não era bem-vindo."
E desde então ninguém mais tem teve contato direto com a tribo. O governo indiano abandonou qualquer expedição e os estrangeiros são proibidos de ir até ali. Como contamos antes, o isolamento completo da tribo significa que qualquer contato com o exterior poderia colocá-los em risco mortal por doenças porque é provável que não tenham imunidade contra condições comuns como a própria gripe.
Enquanto decidem o que fazer com o possível resgate do evangelista, Pandit parece saber muito bem o que fazer:
- "Somos os agressores aqui, somos nós que estamos tentando entrar em seu território. Devemos respeitar seu desejo de permanecerem isolados”, concluiu o antropólogo.
Mesmo depois de todos esses anos, parece que a paranóia e a cautela (não a selvageria) continuam sendo as opções mais sábias para essas pessoas altamente ameaçadas.
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