Eles têm mais de 60 anos e fazem parte da nova quadrilha de delinquentes que está enchendo as prisões do Japão. São presos, principalmente, por roubar em lojas e por reincidir até seis vezes no mesmo delito. Seu objetivo é, precisamente, esse: acabar na prisão. Estar em um lugar que lhes proporcione companhia, um teto, comida, luz e água... Em troca de sua liberdade. |
Este é o caminho que optaram muitos idosos japoneses, com o objetivo de não passarem seus últimos anos de vida sozinhos e sem recursos econômicos. Algo que ocasionou uma onda de delitos sem precedentes, pois quase 40% dos furtos são cometidos por pessoas com mais de 60 anos. Quase o dobro de uma década atrás.
Não faz muito falamos de um senhorzinho que entrou em uma loja de conveniência, na cidade de Ogori, e perguntou educadamente ao gerente se poderia roubar o local; diante da negativa, agradeceu e foi embora só para mais tarde se entregar à polícia.
Uma das causas disto é que a pensão básica de velhice, recebida pelos japoneses com mais de 65 anos, resulta insuficiente. Segundo dados do sistema nacional de aposentadoria, a pensão anual ronda os 780.000 ienes (algo em torno de 2.200 reais). E no caso de um casal, se um dos dois falece, o montante ascende até pouco mais de um milhão de yenes. O problema é que o custo de vida para apenas uma pessoa nessa faixa de idade também supera o milhão.
Em março, a Bloomberg publicou uma reportagem onde relatava a vida de algumas idosas no Japão que haviam sido presas fazia muito pouco tempo. Não são casos isolados, senão uma tendência que se transformou na melhor e única saída para muitas pessoas idosas. De fato, há um ano foi verificada uma situação insólita no Japão. Enquanto o país tinha a maior percentagem de expectativa de vida, algo a priori positivo, a tendência começava a se transformar em um problema.
Um ano antes, em 2016, o governo nipônico publicou dados que surpreendiam meio mundo: 32 mil pessoas chegavam à barreira dos 100 anos ou mais, e somavam-se ao resto com um total de 65 mil centenários. Dito de outra forma, não existe outro país no planeta com uma percentagem maior de pessoas que chegaram aos 100.
Mais dados. Segundo as estimativas de 2014, 33% da população japonesa estava acima dos 60 anos, 25,9% tinha 65 anos ou mais, e 12,5% tinha 75 anos ou mais. A estes dados há que somar que os idosos com mais de 65 anos formam um quinto de sua população total, e a estimativa é que chegarão a ser um terço em 2050.
As estatísticas indicavam que o número de japoneses de 65 anos ou mais quase quadruplicou nos últimos quarenta anos até superar os 33 milhões em 2014, representando 26% da população do Japão.
No entanto, uma notícia que deveria ser celebrada, como é o aumento da expectativa de vida, se transformou em um problema social que não tinham considerado. A proporção da despesa com cuidados médicos disparou, aumentado drasticamente à medida que a população com mais idade passava mais tempo nos hospitais.
Para os japoneses a situação é perversa. As pessoas maiores, ainda que reverenciadas, estão comendo os recursos a um ritmo que as gerações mais jovens não podem igualar. Um exemplo: faz quatro anos outorgaram a 59.000 centenários o prato de prata -para aqueles que chegam aos 100 anos-, com um custo aos sofres públicos de aproximadamente 8,3 milhões de reais.
Se compararmos com 1966, o país só teve que dar algumas poucas centenas destes "prêmios". Em 1998, o número já havia subido a 10.000, e em 2016 o Ministério anunciou 65.692. Nesta situação o país chegou a um problema que jamais previu: a delinquência de idosos buscando refúgio e companhia... no cárcere.
As queixas e detenções que envolvem os maiores de idade, e em particular às mulheres, têm taxas superiores às de qualquer outro grupo demográfico. O número diz tudo: 1 em cada 5 mulheres nas prisões japonesas é idosa, e seus delitos costumam ser menores, o justo para que acabem atrás das grades: 9 em cada 10 mulheres idosas condenadas foram declaradas culpadas por roubar uma loja.
Por que? O fenômeno incomum deriva-se das dificuldades de cuidar à população idosa do país. O número de adultos maiores japoneses que vivem sozinhos aumentou em mais de 650% entre 1985 e 2018. Ao que parece, o governo descobriu estes dados no ano passado, a metade dos adultos idosos flagrados roubando em uma loja viviam sozinhos, e 40% deles disseram que, ou não têm família, ou dificilmente falam com eles.
Portanto, para estas pessoas maiores, uma vida na prisão é melhor que qualquer outra alternativa existente. Segundo contou a Bloomberg Yumi Muranaka, diretora da prisão de mulheres de Iwakuni:
- "Podem ter uma casa. Podem ter uma família. Mas isso não significa que tenham um lugar onde se sintam como em casa. E a prisão está servindo para isso."
Em números, cada preso custa mais de 78 mil reais ao ano, e os reclusos idosos elevam esse custo um pouco mais porque muitos precisam de atenção especial e necessidades médicas. Neste círculo de agonia dos recursos também há destaque para os funcionários das prisões, que cada vez mais cumprem as tarefas de um enfermeiro ou assistente de asilo de idosos.
E no entanto, todas as reclusas entrevistadas pela Bloomberg sugeriram que sentem uma sensação de comunidade na prisão, uma que nunca sentiram fora. Segundo explicava uma das entrevistadas:
- "Desfruto mais minha vida na cadeia. Sempre há gente por aqui, e não me sinto sozinha. Quando saí pela segunda vez, prometi que não voltaria. Mas quando estava lá fora, não consegui. Roubei de novo para voltar para cá."
Ser preso intencionalmente não é necessariamente exclusivo do Japão, existem outros muitos casos em qualquer parte do mundo, mas a situação com os idosos sim é e faz com que a magnitude do problema seja alarmante para as autoridades.
O governo está tentando combater o problema da delinquência de idosos mediante a melhoria de seu sistema de assistência social e seu programa de serviços sociais, mas a onda de delinqüentes que ultrapassam os 65 anos não parece perto de terminar.
Como explicava um assistente social à imprensa:
- "A vida aqui dentro nunca é fácil, mas para alguns, lá fora é ainda pior."
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