Muitos filósofos e cabeças pensantes cortaram um dobrado durante o período medieval quando decidiram falar ou fazer ciência. Os pensadores que defendiam pontos de vista aos quais poderíamos atribuir cunho científico, ou abjuravam o que tinham dito, como Galileu, ou acabavam passando por horrores indescritíveis condenados à fogueira como Giordano Bruno ou Lucilio Vanini, que teve a língua cortada e foi enforcado sobre uma fogueira. |
A inquisição foi verdadeiramente um período chocante de perseguição ao livre-pensamento e à ciência. Tempos obscuros aqueles que tiveram significativa influência histórica. Mas se a punição à ciência na época estava relacionada com o desafio aos poderes estabelecidos, hoje, à crítica vem da correção política, que abomina termos e argumentos "biologizantes".
De fato, as revistas científicas que estão entre as mais conceituadas do mundo pisam em ovos na divulgação de ciência que possa debilitar ideologias consideradas corretas sob determinados pontos de vista.
Por exemplo, imaginemos que um estudo descobriu que a inteligência da população do país "A" é estatisticamente inferior à do país "B". Devemos silenciá-lo sob pena de evitar xenofobia ou explorar a ideia em procura das razões subjacentes (lembrando que não devemos respeitar os demais porque são iguais a nós, senão precisamente porque são diferentes)?
Foi por essas e outras que nasceu a Intellectual Dark Web. Claire Lehmann é editora chefe da Quillette, uma revista que está servindo como plataforma para dar guarida à liberdade de expressão ao núcleo duro da Intellectual Dark Web (não confundir com Dark Web, Deep web ou Darknet).
Claire é uma psicóloga australiana que começou a ser conhecida por seus interessantes artigos em revistas e jornais a propósito do feminismo, educação científica e videogames. Até que, pouco a pouco, seus textos começaram a ser recusados por todos já que ela não se alinha com o discurso atual. Então, em outubro de 2015, ela fundou a revista Quillette para publicar textos como os seus, que foram podados pelos meios convencionais.
A maior parte desta Internet obscura intelectual informal é formada por acadêmicos e ex acadêmicos, além de empresários ocasionais como Eric Weinstein ou personalidades do YouTube como Dave Rubin. O que lhes une é que todos se sentiram excluídos da sociedade acadêmica, e inclusive alguns foram despedidos de seus empregos por expressar suas opiniões, como o professor de psicologia de Yale Nicholas A. Christakis, como podem ver neste grotesco vídeo:
Também participam Bret Weinstein e Heather Heying, respeitados professores titulares no Evergreen State College, onde sua política estava em sintonia com o espírito progressista da escola. Hoje deixaram seus trabalhos, perderam muitos de seus amigos e há tentativas recorrentes de assassinar suas reputações. Tudo isso porque se opuseram a um "Dia de Ausência", uma proposta que promovia o campus sem alunos brancos por um dia. Por questionar um dia de segregação racial encoberto de progressismo, o casal foi chamado de racista. Após as ameaças, saíram da cidade por um tempo e, finalmente, renunciaram a seus empregos.
O filósofo e neurocientista Sam Harris diz que seu momento chegou em 2006, em uma conferência no Instituto Salk ao lado de Richard Dawkins, Neil deGrasse Tyson e outros cientistas promeinentes. Harris argumentou algo que, a seu juízo, era óbvio: nem todas as culturas são igualmente propícias para o florescimento humano. Algumas são superiores a outras, e é exatamente por isso que algumas progridem e outras não.
- "Até esse momento eu tinha criticado a religião, motivo pelo qual as pessoas que odiavam o que eu tinha que dizer estavam em maior medida à direita", assinalou Harris. - "Esta foi a primeira vez que entendi completamente que tinha um problema equivalente com a esquerda secular."
Outro exemplo. Em 2017, Sergei Tabachnikov e Theodore Hill publicaram um estudo no jornal Mathematical Intelligencer onde propunham um modelo matemático para explicar que existia maior variabilidade de inteligência entre os homens do que as mulheres. Isto é, que há mais gênios entre o gênero masculino, mas também mais idiotas. Normal!
O estudo foi aceito depois de passar por um processo de peer-review bastante rígido, mas finalmente a publicação foi retirada pela pressão de um coletivo chamado Women in Math da Universidade Estatal de Pensilvânia, entre outros. Um artigo científico só deve ser retirado (e retratado) se demonstrarem que há fraude acadêmica, não porque as propostas não encaixem com nossa ideologia.
Entre os que fazem parte de forma mais ou menos explícita da Intellectual Dark Web encontramos Steven Pinker, Michael Shermer, Stephen Hicks, Heather Heying, Gad Saad, Jonathan Haidt, Jordan Peterson... enfim uma grande número de pessoas que estão sendo caladas das mais variadas formas. Alguns inclusive foram banidos do Patreon.
Apesar de estar em uma mesma organização de hereges, são poucos os pontos que os membros do Intellectual Dark Web têm em comum, salvo talvez os seguintes: que há universais culturais, isto é, que alguns traços nascem da biologia, e não da criação, que as diferenças biológicas e psicológicas entre homens e mulheres são reais e estão bem documentadas, que a política de identidade de gênero é uma tolice polarizante, que a cortesia ao se dirigir aos oponentes só confere capacidade de persuadir, que os floquinhos de neve são mimados, que o woke é demagogia dopada com culpa judaico-cristã, que os justiceiros sociais são contraproducentes e que a liberdade de expressão é a condição sine qua non da sociedade civil, sem exceções, o que permite falar desde qualquer ponto de vista de temas espinhosos como a religião, o aborto, a imigração ou a natureza da consciência.
A verdade é que a sociedade ocidental parece ter sido infectada por um terrível vírus de puritanismo e censura (somente quando é conveniente, lógico). A nova ideologia, a correção política, impôs-se de forma silenciosa, mas implacável.
Esta ideologia que classifica à humanidade em coletivos bem diferenciados. Uns seriam vítimas ("minorias") e, por tanto, bons, sempre em posse da razão. Outros, pelo contrário, verdugos, e, por isso, malvados e mentirosos. No entanto, que um ato esteja justificado, ou não, não depende de sua própria natureza, senão do coletivo ao que pertença quem o cometa.
A correção pretende eliminar qualquer expressão ou conceito científico que possa ofender algum grupo qualificado como minoria, -mesmo que para isso seja necessário esquecer os conceitos unificadores e coerentes da ciência, que precisamos de séculos para aprender- mas permite insultar e ofender a quem faz parte dos malvados, a praticar a intolerância do bem ou o ódio compreensível.
A ideologia do politicamente correto é contrária à racionalidade porque não define as verdades pela qualidade dos argumentos, ou por sua objetividade, senão por critérios meramente subjetivos como o coletivo ao que favorecem. Deve, para isso, estabelecer verdades inquestionáveis relacionadas à emoção, tabus que não podem ser quebrados em castigo. Isso sem mencionar o critério absolutamente arbitrário com o qual divide a sociedade em vítimas e verdugos.
Há quem frivolize o fenômeno da correção política, argumentando que alertas sobre seu perigo é exagerado: como pode ser chamado inquisição algo que não executa na praça pública? Mas também é incompatível com a democracia, com a sociedade aberta, porque nega a liberdade de pensamento, expressão e debate, impondo um conjunto de proibições, códigos e besteirxs linguísticas. Sua desculpa é que só proíbe o que pode resultar ofensivo para as "vítimas". Mas a ofensa costuma ser subjetiva, não se encontra no emissor senão no receptor. Por isso, a fronteira entre o permitido e o proibido é arbitrária e, muitas vezes, auto-imposta.
Não há que pensar na correção política como uma coisa passageira ou exagero senão como um verdadeiro perigo para a liberdade, igualdade ante a lei, contra o método científico e a responsabilidade individual. Uma corrente que desnaturaliza a linguagem, impede o pensamento crítico, transforma muitos em neuróticos tiranos e gera problemas de convivência onde não existem.
Depois de surgir nas universidades americanas, se estendeu como mancha de óleo em nosso país, devido ao secular vácuo intelectual. De fato, a correção política, como ferramenta de transformação social, serviu como um fator determinante da alarmante polarização política que hoje aflora no Brasil. Transforma muitas pessoas em personagens dogmáticos, chatos, regulões do caralho e neuróticos, que acham ofensa e agressão em todo lugar para onde olham, conflitos contra seu próprio coletivo. Este "martelo" só vê pregos em sua frente.
Ainda sem saber, podemos estar transformando o mundo em um sofrido espelho de nossos medos e traumas pessoais. Talvez deveríamos tomar como exemplo o caso da ativista americana Star Parker, quando decidiu que sua condição de "mulher" "negra" "pobre" -a tríade sagrada dos sinalizadores de virtude- não iria determinar sua vida como vítima da sociedade.
Foi assim que chegamos ao Obscurantismo 2.0. Mexer com as bases da Ciência é um coisa complicada e muito preocupante.
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Comentários
Assim como ocorreu na idade média, poder novamente expressar
livremente as idéias, mesmo que algumas sejam toscas, será um salto qualitativo na produção e disseminação do conhecimento, e um ótimo exercício para o diálogo e a boa crítica.