Quando finalizava o artigo anterior, decidi contar uma história, fora de contexto, sobre este prazer meio mórbido que as pessoas têm de ver alguém se dando mal no volante. Quando a rodovia estadual chegou no povoado do interior de Minas onde nasci, a execução da obra deixou uma curva muito perigosa, com mais de 120° e inclinação negativa, que jogava o carro para fora da curva. O passatempo de alguns moradores, então, era ficar sentado no barranco, logo acima da curva, para ver os poucos carros que passavam. |
A torcida, geral, lógico, era para que o motorista perdesse o controle e adentrasse um milharal nas proximidades. Até clube de apostas tinha. Mas o hobby perdeu a graça, quando uma família inteira de 7 pessoas morreu em um acidente ali.
Desde então, a curva cobrou mais de duas dúzias de vítimas letais. As autoridades instalaram tartarugas no local e nada adiantou. Colocaram fiscalização eletrônica (também não). Somente após mais de 35 anos tiveram a ideia de patrolar a curva, cortar o barranco e criar uma curva menos acentuada. Faz dois anos que não acontece um acidente no local e as únicas testemunhas atuais são duas santacruzes em ruínas.
Bem, aqui finda a história que eu queria contar, mas acabei me dando conta que muitas pessoas não sabem o que é uma santacruzinha. Mas, afinal, o que é uma santacruz de estrada?
No interior de Minas existia um estranho costume secular de erigir cruzes, também chamadas de capelinhas ou santacruzinhas ou ainda cruzinhas para sinalizar o local onde uma pessoa faleceu, geralmente, em circunstâncias trágicas, fosse por um desastre natural, um assassinato, um acidente qualquer ou, a mais emblemática, pela queda de um raio. Se alguém era atingido por um raio, podia contar que ali surgiria uma capelinha.
Os epitáfios, gravados nas capelinhas ou cruzes, mostravam a data de nascimento e morte da pessoa que faleceu no local. O hábito ainda não se extinguiu, de fato, algumas são destinos de peregrinação e se tornaram praticamente uma igreja. Mas está em vias de desaparecer completamente e com elas também devem deixar de existir a função conscientizadora, tão importante quanto as próprias placas de sinalização nas rodovias. Não existe melhor alerta de perigo do que ver uma dessas cruzes na beira da estrada.
Como disse alguns parágrafos acima, infelizmente, é preciso que várias pessoas percam a vida em um determinado local para que as autoridades criem consciência enfim de que ali existe um curso perigoso de estrada que urge sinalizações de advertência ou inclusive de reparos.
Com efeito, as cruzes de estrada se tornaram um expediente bem comum quase em todo o Brasil e ainda há um bom número delas espalhadas por ai, mas quase não há mais capelinhas e poucas são "religiosamente" preservadas -geralmente pelos familiares das próprias vítimas-. O que é uma pena, pois perde-se a identidade histórica e o folclore religioso e arquitetônico local.
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Comentários
Aqui no RN também tem, você encontra muito próxima as rodovias.
Atrás da casa da minha mãe, perto de Itajubá, tinha uma capelinha, que pertencia a um escravo alforriado que foi atingido por um raio, segundo a história oficial, mas que conforme a história original foi queimado vivo.
Com o tempo a história (original) se espalhou e vinha gente de todo canto com flores e velas para rezar no lugar. Antes que tomasse proporções maiores a capela sumiu da noite para o dia.