Em 1937, a União Soviética realizou seu primeiro censo populacional em onze anos. Os líderes soviéticos, especialmente Stalin, tinham grandes expectativas sobre seu resultado. Ele previu que o crescimento da população seria superior a 35 milhões de cidadãos desde o último censo. Os números demográficos do censo ilustrariam quão produtivos os soviéticos eram comparados ao Ocidente e projetariam uma imagem de uma nação saudável, feliz e em pleno crescimento. Em um discurso feito aos líderes do Partido Soviético em 1935, ele disse: |
- "Todo mundo diz que a situação material dos trabalhadores melhorou dramaticamente, que a vida se tornou melhor e mais divertida. Claro que é verdade. Mas isso levou a população a se reproduzir muito mais rapidamente do que nos velhos tempos. A taxa de natalidade é maior, a taxa de mortalidade é menor e o crescimento populacional puro é muito mais forte. É claro que é bom e congratulamo-nos com isso".
Mas os resultados foram opostos e mais sintonizados com as questões reais da sociedade soviética da época e o custo da liderança de um genocida como Stalin. O censo revelou que havia apenas mais 7 milhões de russos, muito menos do que a taxa de crescimento projetada. Certamente como resultado do número assustadoramente alto de mortes causadas pela fome de 1932-34, a Guerra Mundial e os expurgos quase ritualísticos e politicamente orientados realizados por Stalin contra qualquer pessoa e comunidade com a qual ele discordasse.
Stalin também ficou surpreso quando mais da metade da população se declarou religiosa. Após uma década de perseguição aos religiosos, ele esperava que houvesse mais ateus.
Os líderes soviéticos decidiram então que os dados eram muito comprometedores para serem impressos, e simplesmente foram suprimidos, alegando que os diretores do censo cometeram "violações grosseiras dos princípios da ciência estatística".
Mas não ficou por ai... muitos responsáveis pelos centros de coleta de dados e diretores da maioria dos centros estatísticos regionais, incluindo profissionais respeitados com décadas de experiência, foram presos e executados. Até os estatísticos, recém-nomeados para substituir os presos, logo também foram presos. Muitos chefes nomeados para liderar as organizações de coleta de dados evitaram aparecer no trabalho em tentativas desesperadas de escapar do paredão.
O próprio censo foi um empreendimento gigantesco para aqueles anos, pois foi realizado no decorrer de um único dia. A explicação para isso se baseou no fato de que os censos anteriores duraram meses (e até anos) e acabaram se tornando muito imprecisos, porque durante esse período a população acabava mudando drasticamente.
Para realizar um censo de um dia, quase um milhão de pessoas foram contratadas para coletar os dados. Elas tiveram que esquiar sobre montes nevados e atravessar rios e áreas de lama profunda para alcançar assentamentos remotos. Ainda que a maioria dos entrevistados era amigável com os recenseadores, alguns eram hostis e descontavam anos de raiva e descontentamento com o governo. Alguns desses pobres coletores foram espancados e inclusive esfaqueados enquanto tentavam entrevistar a população.
A coleta de dados em si não foi muito bem pensada. O questionário original preparado pela Comissão de Estatística era muito detalhado e minucioso, mas Stalin o reduziu a quatorze perguntas diretas, com infinitas possibilidades de erros de interpretação e engano.
Perguntas sobre etnia e local de nascimento foram removidas, levando muitos estrangeiros a se identificarem como "russos", apesar de terem nascido em outro lugar. Outras questões sobre a estrutura social e renda foram significativamente simplificadas ou removidas por completo.
A data do censo, entre 5 e 6 de janeiro, também foi muito infeliz, porque coincidiu com a véspera do Natal Ortodoxo Russo, uma noite em que muitos russos estavam em trânsito visitando famílias. Isso os deixou indisponíveis para a entrevista. O questionário original tinha essa lacuna coberta pela contabilização daqueles que estavam temporariamente ausentes. Mas Stalin havia eliminado essa seção. A única pergunta que Stalin introduziu, que não estava presente no questionário original, foi a questão sobre a religião.
Um funcionário do governo perguntando sobre religião criava grande suspeita e foi recebida com a maior resistência. Acreditando que todos os crentes seriam perseguidos, alguns mentiram sobre sua religião. Outros esperavam que, se pessoas suficientes se identificassem como religiosas, as autoridades teriam que reabrir as igrejas. Outros ainda preferiram se esconder na floresta quando os recenseadores visitaram a vila.
Eventualmente, um novo censo foi ordenado em 1939. A questão sobre religião foi eliminada porque os resultados anteriores foram muito preocupantes. Desta vez, os números foram falsificados para mostrar uma população total de 170 milhões, de modo a corresponder exatamente aos números declarados por Stalin em seu relatório no 18º Congresso do Partido Comunista da União. Os historiadores acreditam que os números reais eram bem menores.
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