Quando o rock and roll americano chegou ao Reino Unido nas décadas de 1950 e 60, junto com um renascimento do folk e do blues, muitos jovens fãs britânicos não foram condicionados a pensar na música da mesma forma que os homólogos americanos. Ao contrário dos americanos segregados racialmente, por exemplo, os Beatles não viram -ou ouviram- a diferença entre Elvis e Chuck Berry, ou entre os Everly Brothers e as Marvelettes. Para eles era tudo música e da boa. |
Os Beatles em Jacksonville, na Flórida, em 1964.
Em 1964, no auge da Beatlemania, a banda foi contratada para tocar no Gator Bowl da Flórida em Jacksonville, logo após um furacão devastador e meses após a introdução da Lei dos Direitos Civis nas deliberações do Congresso. Grandes mudanças políticas estavam acontecendo no país, devido ao movimento encabeçado por Martin Luther King Jr., e teriam acontecido com ou sem os Beatles se posicionando pela integração.
Mesmo assim, eles tomaram uma posição e usaram seu poder de celebridade para mostrar como o sistema de apartheid no sul era sem sentido. Ele poderia, de fato, ser anulado por decreto caso um grupo com tanta vantagem quanto os Fab Four se recusassem a tocar juntos.
Antes disso, boa parte das cidades e estados americanos -sobretudo na região sul- tinham uma política racista, onde negros estudavam em escolas separadas e nasciam em hospitais diferentes. Havia distinção até mesmo na hora de usar o banheiro e ser enterrado no cemitério.
O piloto do show de 11 de setembro citou explicitamente a recusa da banda em se apresentar em uma instalação segregacionista. Quando os promotores dos shows reagiram, John Lennon declarou categoricamente em uma coletiva de imprensa:
- "Nós nunca tocamos para públicos segregados e não vamos começar agora. Eu prefiro perder dinheiro do que minha decência." Quando os promotores perceberam que a banda ia desistir, decidiram voltar atrás e unificaram a plateia, liberando o show para "todos os públicos. Apesar dos danos causados pela tempestade e das evacuações, o estádio de 32.000 lugares ficou lotado.
Uma das participantes do show, a historiador Kitty Oliver, que aparece no clipe no topo, do documentário dos Beatles, de Ron Howard, "Eight Days a Week", era uma jovem fã dos Beatles que não tinha ouvido a notícia sobre a desagregação show. Determinada a ir e economizando dinheiro suficiente para conseguir um lugar perto da primeira fila, ela se lembra de temer a atmosfera que encontraria:
- "Na época, eu não sabia nada sobre o anúncio da coletiva de imprensa do grupo recusando-se a se apresentar para um público onde os negros seriam segregados à força, provavelmente relegados aos piores assentos mais distantes do palco e talvez sujeitos a uma atmosfera ameaçadora se aparecessem."
Os Beatles em Jacksonville, na Flórida, em 1964.
Em vez disso, segundo ela, a multidão aumentou, estrondosa, em uníssono, quando os Beatles subiram ao palco. A banda deixou um legado naquela noite enfrentando o racismo institucional e vencendo. Não era a causa do momento para eles, mas uma profunda convicção compartilhada por todos os quatro membros, como Paul McCartney explicou em uma entrevista com o repórter Larry Kane, que acompanhou a banda em sua primeira turnê americana.
McCartney ficou tão comovido com os eventos em Little Rock em 1957 que quase uma década depois, ele se lembrou deles em sua canção "Blackbird, como ele mesmo explicou. Este ano, ele lembrou a posição da banda contra a segregação em Jacksonville e comentou:
- "Sinto-me enojado e com raiva por estarmos aqui, quase 60 anos depois, e o mundo está em choque com as cenas horríveis do assassinato sem sentido de George Floyd nas mãos do racismo, junto com os incontáveis outros que vieram antes. Quero justiça para a família de George Floyd, quero justiça para todos aqueles que morreram e sofreram. Não dizer nada não é uma opção."
De fato, após esse episódio, os Beatles passaram a demandar plateias integradas nos seus concertos. E nada de acordo implícito; era realmente uma cláusula de contrato de seus shows. Um documento datado de 1965, para um show em Cow Palace, na Califórnia, dizia claramente que a banda não se apresentava diante de um público segregado.
- "Nós não tocávamos para esse ou aquele tipo de pessoa, nós simplesmente tocávamos para pessoas", disse Ringo no documentário de Ron Howard.
Quando se tratava de questões de injustiça, mesmo no auge de sua fama, os Beatles estavam dispostos a dizer -e, mais importante, fazer- algo sobre isso, mesmo que lhes custasse.
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