Por que a União Soviética mentiu sobre o histórico voo espacial de Yuri Gagarin?

Exatamente sessenta anos atrás, em 12 de abril de 1961, a Vostok 1 decolou do Cosmódromo de Baikonur levando o cosmonauta Yuri Gagarin no primeiro vôo espacial humano. A missão do vôo era alcançar a alta atmosfera, fazer uma órbita ao redor da Terra e, em seguida, voltar à Terra para um pouso seguro. Apesar de um atraso inicial devido à escotilha não fechar corretamente, a contagem regressiva de lançamento ocorreu como planejado e Gagarin foi capaz de decolar em uma nave em que poucos confiavam.

Metade de todos os lançamentos soviéticos até aquele momento haviam fracassado, mas Gagarin estava otimista. Ele pediu para ouvir um pouco de música enquanto esperava os técnicos consertarem a escotilha defeituosa. Enquanto o suplente de Gagarin, Gherman Titov, reclamava de dores no peito, Gagarin estava relaxado com uma pulsação de 64 batimentos por minuto.

- "Agora vai!, Gagarin falou ao microfone enquanto o foguete decolava da plataforma de lançamento. Os quatro propulsores se destacaram no momento preciso e, um minuto depois, a cobertura de carga que cobria a espaçonave foi liberada, revelando uma pequena janela perto do pé de Gagarin para ele olhar para fora. - "A visibilidade é boa ... quase vejo tudo", respondeu Gagarin pelo rádio. - "Eu me sinto bem. Estou de bom humor", acrescentou.

O vôo continuou sem obstáculos. Quando a Vostok passou pela Sibéria, Gagarin relatou:

- "A nave está operando normalmente. Posso ver a Terra na janela de visualização do Vzor. Tudo está ocorrendo conforme planejado."

Gagarin sobrevoou o Pacífico Norte e cruzou na noite, a noroeste das Ilhas Havaianas. Vinte e três minutos depois, quando Gagarin cruzou o Estreito de Magalhães na ponta da América do Sul, o sol nasceu novamente. Outros vinte e cinco minutos depois, assim que Gagarin cruzou a África, os sistemas automáticos da espaçonave colocaram o veículo na atitude e orientação necessárias para o disparo do retro-foquete. Era hora de ir para casa.

Percurso de voo de Gagarin.

O motor a combustível líquido disparou por 40 segundos sobre a costa oeste da África para desacelerar a nave e prepará-la para a reentrada. Foi então que surgiram os primeiros problemas. Uma válvula dentro do motor de freio falhou ao fechar completamente no início da queima e vazou parte do combustível. Como resultado, o motor ficou sem gasolina e desligou antes do previsto.

A nave estava programada para desligar o motor assim que diminuísse a velocidade em 136 metros por segundo, mas como o motor desligou antes, a nave desacelerou apenas a 132 metros por segundo. Embora isso tenha sido suficiente para empurrar a nave para a reentrada, porque ela não conseguiu atingir a velocidade pré-programada, o comando para desligar o motor nunca foi emitido.

Como resultado, as linhas de propelente do motor permaneceram abertas, depois que ele ficou sem combustível e morreu. O gás pressurizado e o oxidante continuaram a escapar do bocal principal e dos propulsores de direção, fazendo com que a espaçonave girasse descontroladamente.

Após o vôo, Gagarin escreveu:

- "Um momento eu vejo a África, outro o horizonte, outro o céu. Eu mal tive tempo de me cobrir para proteger meus olhos dos raios do sol. Coloquei minhas pernas na vigia, mas não fechei as cortinas."

Enquanto ainda girava incontrolavelmente, Gagarin se deparou com outro problema. O módulo de reentrada ainda não havia se separado do módulo de serviço. As duas partes do foguete deveriam se separar dez segundos após o término da queima. O módulo de reentrada carregando o cosmonauta foi projetado para cair de volta à terra enquanto o módulo de serviço queimaria na atmosfera. Mas o módulo de serviço inesperadamente permaneceu preso ao módulo de reentrada por um feixe de fios, e ambos estavam caindo em direção à terra. Finalmente, a uma altitude de cerca de 150 km, os módulos se destacaram e o módulo de descida estabeleceu a trajetória de reentrada adequada.

A nave Vostok I.

Enquanto Gagarin continuava sua descida, forças G extremas rasgaram seus músculos. Gagarin lutou para permanecer consciente:

- "Houve um momento, cerca de 2-3 segundos, em que os dados nos medidores de controle começaram a parecer desfocados. Estava tudo começando a ficar cinza em meus olhos. Eu me preparei e me recompus. Ajudou, tudo meio que voltou ao seu lugar."

Acredita-se que Gagarin experimentou cerca de 8G durante a reentrada.

A uma altitude de 7 km, a escotilha da espaçonave foi lançada e segundos depois, Gagarin foi ejetado do módulo esférico. O assento ejetor de Gagarin então se soltou e momentos depois seu paraquedas foi lançado.

O módulo de reentrada caiu livremente até que seu próprio paraquedas foi lançado a 2,5 km. Dez minutos após a ejeção, Gagarin pousou suavemente em um campo aberto. O solo recém-arado amorteceu sua queda. Ele e a espaçonave pousaram 26 km a sudoeste da cidade de Engels, no distrito de Ternovsky, perto de Saratov. Ele caiu a mais de 300 km de seu local de pouso planejado.

Cápsula de reentrada do Vostok 1 após o pouso.

Uma mulher local e sua neta de cinco anos de idade assistiram perplexas como Gagarin caminhou em direção a elas em seu traje laranja brilhante e capacete, arrastando o pára-quedas. Elas recuaram de medo, mas Gagarin lhes disse:

- "Não tenham medo, sou um soviético como vocês, que desceu do espaço e preciso encontrar um telefone para ligar para Moscou!"

Um comandante de uma divisão antiaérea na área, o major Akhmed Gasiev, que viu Gagarin descendo, chegou ao local minutos depois. Ele levou Gagarin até sua unidade para que pudesse fazer a ligação. Todos os funcionários da unidade, assim como seus familiares, foram até o local para ver o homem que "caiu do céu".

Mentiras e segredos

A missão Vostok foi realizada sob grande segredo. As autoridades foram proibidas de revelar muitos detalhes sobre a missão, incluindo a localização do espaçoporto de onde a espaçonave foi lançada. Dias após o voo, quando oficiais do programa espacial soviético apresentaram um relatório sobre a missão à Federação Astronáutica Internacional (FAI), eles inventaram um novo espaçoporto, uma pequena cidade mineira chamada Baikonur, localizada 320 quilômetros a nordeste de Leninsk, perto de Tyuratam, o verdadeiro local do lançamento.

De repente, colocados no centro das atenções, os perplexos nativos de Baikonur tiraram proveito de sua fama recém-descoberta ao fazer pedidos de matérias-primas escassas, como cimento e madeira, para funcionários em Moscou, os quais foram entregues em grandes quantidades. Demorou algum tempo para Moscou perceber que eles foram vítimas de um golpe astuto. Três décadas depois, a mentira se tornou realidade quando, em 1995, Leninsk foi oficialmente renomeado para Baikonur.

Cosmódromo de Baikonur.

A Federação Astronáutica Internacional (FAI) foi criada em 1905 como uma organização não governamental e sem fins lucrativos para promover as atividades aeronáuticas e astronáuticas em todo o mundo. Entre suas atribuições está a verificação de registros de voos e a arbitragem de disputas de recordes. Se cidadãos de dois países diferentes reivindicarem um registro de voo espacial, é trabalho da FAI examinar a documentação enviada e decidir quem realizou o feito primeiro.

A FAI especifica certas diretrizes para voos espaciais. Não é necessário que uma agência espacial siga essas diretrizes, mas se essa agência espacial quiser registrar uma reclamação para um registro, ou se surgir uma disputa, a FAI se certificará de que as diretrizes foram seguidas.

Uma das estipulações para voos espaciais exige que o piloto pouse dentro de sua nave para que o registro seja válido. Esse requisito foi criado para evitar que os pilotos voassem em aeronaves que não pudessem pousar com segurança.

A FAI não queria encorajar os pilotos a arriscarem suas vidas por um recorde na aviação. Essa regra se tornou um problema para Gagarin porque ele não pousou dentro de sua espaçonave. Os engenheiros soviéticos ainda não haviam aperfeiçoado o sistema de freios que reduziria a velocidade da nave o suficiente para que um humano sobrevivesse ao impacto.

Portanto, o cosmonauta foi ejetado da nave. As autoridades soviéticas fizeram um grande esforço para esconder esse fato, e muitas vezes Gagarin teve de mentir durante as entrevistas coletivas.

Gherman Titov, Nikita Khrushchev e Yuri Gagarin na Praça Vermelha de Moscou em 20 de novembro de 1961.

Quatro meses depois, Gherman Titov, o suplente de Gagarin na missão Vostok 1, teve seu próprio vôo espacial, tornando-se o segundo humano a orbitar a Terra e a primeira pessoa a passar um dia inteiro no espaço. Mas, ao contrário de Gagarin, Titov falou a verdade. Ele confessou que se ejetou.

O testemunho de Titov forçou a FAI a reconsiderar sua definição de vôo espacial humano, reconhecendo que o lançamento, a órbita e o retorno seguro do humano em si era uma grande conquista tecnológica, e a maneira pela qual o piloto pousa não importa..

A primeira admissão oficial da verdadeira natureza do pouso de Yuri Gagarin veio dez anos depois do evento, quando o voo de Gagarin foi amplamente aceito como um recorde internacional.

Yuri Gagarin morreu em 1968 em um trágico acidente quando o jato de treinamento MiG-15 que ele pilotava caiu perto da cidade de Kirzhach. Em sua memória, a FAI estabeleceu a Medalha de Ouro Yuri Gagarin, que é o segundo maior prêmio para voos espaciais oferecido pela FAI.

O monumento a Yuri Gagarin no local de pouso, perto de Engels.

O local onde Gagarin pousou é agora um parque de monumentos com um monumento de 25 metros de altura que consiste em um foguete metálico prateado erguendo-se em uma coluna metálica curva de chamas, a partir de uma base de pedra branca em forma de cunha. Em frente a ela está uma estátua de pedra branca de 3 metros de altura de Yuri Gagarin.

Devido ao voo histórico do primeiro homem no espaço, o dia 12 de abril comemora o Dia da Cosmonáutica. Um ano após sua façanha, em 12 de abril de 1962, Gagarin felicitou seus compatriotas e graças as redes neurais podemos ver hoje esta mensagem restaurada e colorizada por inteligência artificial.