Como um canal ganha dezenas de milhares de dólares com vídeos de culinária primitiva

Me chamou a atenção ontem um canal muito popular do Youtube chamado Polin Life Style, que supostamente retrata a vida frugal de uma garota em uma aldeia em algures no Sudeste Asiático. Os vídeo são muito bem produzidos e é cria do mesmo estilo produzido pelo canal Primitive Technology do australiano John Plant. A diferença é que o Caveman tem uma proposta original de mostrar como seria um homem das cavernas se tivesse o conhecimento que temos hoje, mas sem nenhuma das ferramentas atuais.

John Plant fez tanto sucesso que deve em breve estrear um programa de vida selvagem supostamente na Netflix. Mas a tendência de tecnologia primitiva, que se tornou uma febre principalmente no Camboja, tem mais a ver com monetização do que com experimentos.

Ainda que os vídeos de Polin sejam fantásticos, há um componente meio falso neles. Como é que uma garota que ganha dezenas de milhares de dólares ao mês com seu canal pode continuar vivendo na sua aldeia natal, que ela nunca diz onde é?

No vídeo abaixo, intitulado "Cozinhando comida tradicional e peixes grelhados na minha terra natal", mostra Polin voltando para a sua casa em um período de enchente e já foi visto mais de 25 milhões de vezes. Com água na cintura, ela recolhe os peixes em uma rede e faz uma refeição simples e, ao que parece, deliciosa. Os comentaristas do Youtube se derretem com a garota e elogiam sua forma de comungar com a natureza.

Uma breve busca na rede, me levou até Ah Lin Tuch, o verdadeiro nome de Polin, que é chinesa de nascimento, e seu marido cambojano Huong Raty. Acreditem ou não, ela já foi presa por esfolar e comer espécies protegidas e ameaçadas de extinção no Camboja.

Em 2018, à frente do canal do YouTube chamado Natural Life TV, os dois foram presos brevemente após serem denunciados ao Ministério do Meio Ambiente do Camboja. O casal disse que comprou os animais involuntariamente em um mercado local e, após emitir um pedido público de desculpas, a questão legal evaporou. Foi aí que surgiu o Polin Life Style mudando o foco de vida primitiva para gastronomia.

Embora não sejam os mais instrutivos dos vídeos de culinária, eles não apresentam a mesma fixação aparentemente fetichista em mastigar e consumir bichos, como se fosse um bicho, de outros canais cambojanos. O vídeo horroroso abaixo, por exemplo, tem mais de 15 milhões de visualizações.

Um site local, o Coconut, conseguiu entrar em contato com o casal e descobriu que o cenário dos vídeos fica nos fundos de uma propriedade ampla e bem cuidada, a poucos metros da costa do Mekong, onde encontraram o barraco, que, por dentro, estava completamente vazio, um simples adereço. Praticamente um estúdio, por assim dizer.

Huong Raty, o marido de Polin, usava calças justas e camisa Lacoste, ostentando um grande anel de ouro, um belo relógio e cabelo cuidadosamente penteado. Polin, em contraste, chegou vestindo roupas tradicionais do Camboja, que seria seu traje para as gravações daquele dia.

O vídeo completo, que mostra Polin chegando à margem de um rio em um barco, desenterrando as raízes da mandioca e depois cozinhando-as com leite de coco, segue os princípios básicos de outros vídeos de tecnologia primitiva. Não há conversa, sem música de fundo, muitos planos gerais e muita ação repetitiva. Há um efeito calmante em assisti-lo.

Quando questionado sobre o foco em cozinhar grandes animais, Huong, cujos próprios canais usavam o termo "tecnologia primitiva" até abruptamente descartá-lo para "cozinha saborosa" cerca de um ano atrás, disse que era simplesmente uma questão de entregar o que seu público deseja.

Huong disse que nunca havia estudado formalmente produção de vídeo, mas aprendeu o ofício assistindo, lógico, vídeos no YouTube. E certamente parece ter valido a pena. Embora inicialmente relutante em discutir a receita de anúncios no YouTube, Huong acabou admitindo que o casal ganha pelo menos US $ 10.000 por mês.

Esse número está, na verdade, na extremidade inferior do que o estimador de receita do YouTube do Social Blade diz que o casal pode estar ganhando. Com base no tráfego e outras métricas, os dois canais do casal poderia teoricamente arrecadar algo entre US $ 7.000 e US $ 90.000 por mês, uma soma enorme em um país onde a renda média mensal per capita é de cerca de US $ 114.

Dadas as grandes contagens de visualizações necessárias para ganhar essa quantidade de dinheiro, talvez não seja surpreendente descobrir que os maiores consumidores desses vídeos não vivem no Camboja, que tem menos de 17 milhões de residentes. A maioria é da Índia e dos Estados Unidos.