No outono de 1979, um homem chamado Jim Massey acelerou pelo trecho da rodovia que serve de entrada para o Parque Nacional Everglades, a reserva pantanosa com área de 1,5 milhão de acres, situada no extremo sul do estado da Flórida, nos EUA. Ele viu algo que o fez parar de imediato. A trilha em questão não tem cerca e nem passagem -subterrânea ou elevada- para animais, então não era incomum ver atropelamentos por si só, mas ali estava uma grande cobra morta com mais de 4 metros de comprimento, algo inexistente no parque. |
Jim, que era um experimentado policial do parque nacional, achou que a fera havia escapado de uma das atrações turísticas mais famosas da região. Mas quando ele registrou o que se tornaria o primeiro possível avistamento de uma píton-birmanesa (Python bivittatus) na área, ele sublinhou de forma clara, em um relatório oficial escrito em letras cursivas bem-feitas, que aquela era uma "nativa" do Everglades. Jim guardou a pele como lembrança.
De fato, mesmo os melhores herpetólogos não sabem direito como as pítons chegaram ao sul da Flórida. Embora uma teoria popular afirme que o furacão Andrew destruiu um grande criadouro em 1992, liberando um monte de cobras na natureza, isto parece mais uma lenda urbana pois ninguém parece saber o nome dele ou onde estava.
A teoria mais plausível, é que donos de animais exóticos soltaram suas cobras nas clareiras quando elas ficaram grandes demais para que fossem criadas em casa. Devido ao habitat muito semelhante ao do sudeste e sudoeste asiático, de onde são originárias, as cobras se multiplicaram em dezenas ou até centenas de milhares de animais nos anos seguintes. Sem predadores naturais, as "burm", como são "carinhosamente" chamadas, se tornaram uma verdadeira praga.
Nos anos 80 e 90 tornou-se mania ter uma cobra como esta como pet. Quando são pequenas são realmente bonitas e fáceis de criar, mas quando alcançam um tamanho desproporcional começa o problema para alimentá-las e mantê-las. Nesse ponto, muita gente não teve melhor ideia do que soltar suas cobras no mato.
A Flórida também tem caracóis africanos, moscas-das-frutas orientais e pererecas cubanas, javalis ratão-do-banhado. Dizem que é a capital mundial das espécies invasoras. Seja você uma pessoa ou um animal, viver no estado é comum; ser de lá é cada vez mais raro.
Nas décadas desde que Massey descobriu aquela cobra, mais de 5.000 pítons foram removidas dos Everglades. E embora muito raramente engulam pessoas -já aconteceu pelo menos duas vezes na Indonésia-, elas comeram praticamente tudo o que se mexia no parque. Um estudo de 2016 mostrou que coelhos e raposas não existem mais em algumas partes do sul da Flórida. Os guaxinins também desapareceram; sua população na época havia diminuído em mais de 99%.
Em resposta, o estado iniciou dois programas de eliminação de pítons, um administrado pela Comissão de Conservação de Peixes e Vida Selvagem da Flórida (FWC) e outro pelo Distrito de Gerenciamento de Água do Sul da Flórida (SFWM). Em 2017, eles contrataram 25 pessoas cada e pagaram um salário mínimo para caçar cobras, com uma verba adicional distribuída de acordo com o comprimento ou sexo dos animais capturados.
Os programas ajudaram a remover milhares de cobras, mas agora o governador Ron DeSantis dobrou a aposta. Ele colocou o dobro do número de contratados na folha de pagamento do estado. Em dezembro de 2020, um labrador preto e um setter irlandês se tornaram os primeiros membros da recém-formada equipe de cães detectores da FWC.
E uma nova lei aprovada em junho permitirá que agências estaduais usem drones na luta contra pítons. Há também algumas ideias sendo lançadas que soam diretamente da ficção científica, como alterar geneticamente as pítons fêmeas capturadas para produzir apenas filhotes machos e, em seguida, liberá-las de volta à natureza.
A erradicação total é provavelmente uma tentativa de enxugar gelo, visto que uma píton fêmea pode botar entre 50 e 100 ovos de uma vez, mas até que todos esses novos programas entrem em ação, os caçadores são a única coisa que mantém a população de pítons sob aparente controle.
Alguns acham que fazer uso das pítons mortas é a chave para erradicá-las. Em outras palavras, se elas pudessem ser comidas como outros animais selvagens, as pessoas teriam mais incentivos para caçá-las. Uma caçadora privada chamada Donna Kalil defende comer as cobras invasoras. Ela diz que a carne de píton frita é muito boa e também usa as gemas dos ovos para fazer biscoitos. Mas a maioria das pessoas é rápida em admitir que a perspectiva de comer uma píton não é nada atraente.
Gorden-Vega, outra caçadora diz que uma amiga certa vez levou uma cobra a um restaurante tailandês de que gostava e pediu aos cozinheiros que a preparassem. Não importou quanta especiarias e temperos eles tenham usado, a carne continuou simplesmente intragável.
O Departamento de Saúde da Flórida adoraria que as pítons tivessem valor alimentar. Está em fase um estudo que deve ser concluído nos próximos seis a 12 meses, mas os resultados preliminares não são bons. Os níveis de mercúrio da cobra estão aparentemente muito altos.
- "Quanto a Donna Kalil, ela é bem-vinda para comê-las, mas continuo avisando-a para não fazer isso", disse Michael Kirkland, biólogo do SFWM.
Mas mesmo que o estado descubra uma maneira de tornar segura a carne de píton, não está claro como isso convenceria as massas a comerem a carne robusta. A única boa notícia é que as peles da cobra podem ser usadas para fazer bons produtos. Parte das carcaças estão sendo utilizadas para fazer ração. Portanto, embora não possam comê-las, estão tentando utilizá-las para que não sejam desperdiçadas.
Para piorar, a caça da burm é muito, muito enfadonha. As chances de encontrar uma cobra -mesmo se você estiver quase em cima dela- são de cerca de uma em 100. Você fica basicamente olhando para o nada por horas a fio e tentando desesperadamente se convencer de que algo lá fora está se movendo.
Até o início de 2020, os caçadores tinham que levar suas capturas para uma estação de pesagem, fazer uma medida oficial no FWC e sexar as cobras. Então o oficial despachava elas. Mas as regras mudaram durante a pandemia, de modo que os caçadores agora tem que fazer o trabalho sujo eles mesmos.
As cobras são "despachadas" com uma espingarda de chumbo e depois colocadas no gelo. Eventualmente, são cortadas e a pele é esticada em uma bancada de metal. A carcaça é então picada e colocada em tambores de 200 litros cheios com uma solução de vinagre, de onde seguem para a preparação de ração. Mas não é incomum de que sacos e mais sacos de entranhas que esse processo gera a cada semana vão acabar na calçada com o resto do lixo suburbano.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários