Burkini: o traje de banho muçulmano para mulheres que causa polêmica na França

Como é sabido, em alguns países europeus a presença de população muçulmana é importante. Em termos demográficos e sociais, isto se deve à proximidade entre Europa e os países do Maghreb, ao passado comum que compartilham -em particular os processos de colonização- e, em geral, uma história sumamente próxima tanto entre países e culturas como entre religiões. A relação entre Europa e o Islã remonta, ao menos, ao século VIII de nossa era, quando a expansão política muçulmana atingiu as fronteiras européias. Mas a passagem dos anos e as mudanças da sociedade não contribuíram a facilitar dita relação.

Conquanto poderíamos dizer que atualmente os valores das sociedades européias e os da população muçulmana convivem melhor que algumas décadas atrás, a tensão persiste. Prova disso é o burkini, um traje que talvez em outras circunstâncias tivesse passado despercebido ou considerado um assunto trivial, mas que na França é protagonista de uma polêmica.

Grosso modo, o burkini é uma combinação de burka e biquíni, isto é, uma indumentária de banho que conserva no entanto algumas das qualidades prescritas no Islã para a vestimenta das mulheres, a saber, cobrir seu corpo quase por completo, com exceção do rosto, as mãos e os pés.

O burkini existe desde 2004, quando foi criado pela designer de origem libanesa Aheda Zanetti, que resolveu desta maneira a necessidade de mulheres muçulmanas que procuravam desfrutar dos prazeres das praias e as piscinas públicas.

Mais ou menos desde então, o uso do burkini começou a gerar incômodo na França, onde um setor importante da população o considerou uma afronta especialmente a laicidade, um dos valores mais estimados da civilidade francesa surgida da filosofia da Ilustração.

Nesse conflito, o burkini foi proibido nas praias e piscinas municipais de todo o país, porque o traje de banho se converteu então em um dos grandes temas de discussão nacional.

Por um tempo a polêmica se aquietou até alguns dias atrás, especificamente até 16 de maio passado, quando o conselho municipal de Grenoble, cidade situada no sudeste da França, se permitiu diferir da lei nacional e encontrou atribuições para autorizar o uso do burkini nas piscinas públicas da municipalidade, isto sob o argumento de que na piscina também deveria ser possível "expressar como na rua as convicções político-religiosas", segundo declarou o prefeito, Eric Piolle.

- "É simplesmente uma questão de igualdade de acesso a um serviço público", disse também Piolle.

Contudo, parecia improvável que o governo nacional tolerasse a dissidência em um tema tão relevante e, logo, o ministro do interior, Gerard Darmanin, instruiu Laurent Prévost, governador de Isère, departamento francês situado na região de Auvernia-Ródano-Alpes, a apelar da decisão do conselho municipal de Grenoble, porque sobre a perspectiva oficial, - "...a deliberação da cidade atenta gravemente contra os princípios de laicidade e neutralidade dos serviços públicos."

Mais ainda, através do Twitter, o ministro cumprimentou a iniciativa de Gerard e assegurou que "o Estado [francês] continuará combatendo todo tipo de promoção de comunitarismo", em alusão a uma tendência de pensamento político que procura o reconhecimento das comunidades agrupadas em torno de pertences culturais, étnica, religiosas ou sociais, enquanto, paralelamente, se opõe à homogeneização que caracteriza especialmente às sociedades ocidentais modernas.

Como vemos, o incidente vai para além de uma simples vestimenta ou, melhor dito, os níveis de complexidade que atingiram a convivência humana levaram ate esse ponto complicado.