Em 1950, quando ele juntou alguns botões estilo máquina de escrever e fios de metal, o engenheiro de som americano Charles "Charley" Douglass deve ter sabido que estava no caminho certo. Seriados de TV estavam decolando, e programas extremamente populares como "I Love Lucy" mantinham o formato de audiência ao vivo do rádio. Mas para os produtores de TV, era um negócio arriscado. Os membros da plateia às vezes riam por muito tempo, ou não o suficiente. Alguém podia fazer um barulho no meio da cena. Pessoas inquietas deixavam as filmagens horas antes de serem feitas. |
Segundo dica do amigo Rusmea, via Facebook, Charley inventou algo que revolucionou a indústria e fez dele uma estrela. Sua criação? Gargalhadas, muitas gargalhadas sob demanda. Ele a chamava de Laff Box e a governava como um pai superprotetor.
Para fazer a Caixa de Riso, Charley gravou o riso de pessoas reais e colocou os sons em loop, alimentando-os em uma máquina especial. Pressionando um botão, ela emitia muitos tipos diferentes de risadas.
Jeremy Butler, professor de estudos de televisão da Universidade do Alabama, em Tuscaloosa, nos Estados Unidos, diz que Charley guardava zelosamente sua criação. Embora ele não tenha sido o primeiro a ter a ideia da trilha de risadas, foi o pai dela.
- "Ele era o mestre disso. Foi ele quem dominou totalmente as trilhas de risadas do final dos anos 50 e 1960", disse o professor Jeremy.
Quando um estúdio de TV terminava um determinado episódio de um seriado, Charley era chamado e lá ia ele com sua Caixa de Riso, com um tamanho similar a um frigobar, e adicionava as risadas ao show.
Charley garantiu que sua máquina permanecesse um mistério para todo mundo. Se algo desse errado e precisasse abrir a Caixa, ele garantia para que ninguém visse o que estava dentro dela. Ele mantinha sua invenção guardada a sete chaves. Apenas os membros imediatos da família e o amigo Carroll Pratt sabiam como era o interior.
- "Charley basicamente fez todas as risadas enlatadas da TV americana dos anos 1960 e início dos anos 1970. Todas elas", disse o professor.
Jennifer Keishin Armstrong, que escreveu livros sobre os programas de TV "Seinfeld", "Sex and the City" e "Mary Tyler Moore", diz que simplesmente se tornou mais conveniente para os estúdios empregar Charley do que depender de uma claque ao vivo. Eles foram atraídos pela eficiência e uniformidade da trilha do riso.
A partir dos anos 80, quando Charley se aposentou, o amigo e engenheiro de áudio Carroll Pratt tomou seu lugar. No vídeo logo abaixo, vemos os bastidores do seriado de TV "Webster" em 1985, onde Carrol acrescenta "risadas enlatadas" ao seriado usando uma sua Caixa de Riso personalizada que ele projetou e construiu, já sem tantos segredos. Na década de 1980, a empresa de Carrol fornecia risadas pré-gravadas para cerca de 80% de todas as comédias da TV nos EUA.
A Caixa de Riso não impactou apenas o trabalho dos estúdios de TV. Em suas casas, os espectadores também foram afetados. O som nos lembra que o que estamos assistindo não é real, criando uma distância emocional entre nós e os personagens, para que possamos rir mais facilmente deles.
A distância cômica na comédia nos dá permissão para rir de personagens que vivenciam conflitos infelizes ou cômicos e a Caixa de Riso faz parte dessa tradição. Em shows sem riso, essa distância é criada de outras maneiras: através de silêncios constrangedores, narração intrusiva ou um estilo pastelão intensificado. Como dá para notar no seguinte vídeo, Ross sem a trilha de risadas parece um pouco psicopata.
Apesar de sua onipresença, a trilha do riso não teve uma existência isenta de problemas. Foi criticado de várias maneiras como inautêntico e inartístico; ridicularizada por público e críticos, e atores e produtores lutaram contra o seu uso.
- "A trilha de risadas é a maior afronta à inteligência pública que conheço", disse o ator David Niven em 1955.
Os criadores de "Seinfeld" e "Mash" abominavam a trilha do riso e lutaram para que não fosse inserida em seus programas, mas as redes de TV insistiram.
- "Uma coisa que sempre acho engraçado sobre as trilhas de risadas é que a maioria das pessoas criativas envolvidas com o programa as odeia", disse o professor Jeremy. - "A maioria dos atores, a maioria dos escritores, a maioria dos diretores realmente não gosta de ter risos adicionados ao show, porque parece um pouco falso."
No entanto, eles acabavam frequentemente forçados a isso pelos produtores e pelo pessoal da rede de TV desses programas, que sentiam que, se não houvesse uma risada, as pessoas não saberiam quando rir, que não íamos gostar tanto.
Mas no fim dos anos 70, os criadores de TV começaram a se opor à convenção da trilha do riso, sobretudo porque queriam se livrar da imagem "brega" da trilha de risadas. Como vemos no vídeo abaixo, "Office" não tem a mesma graça com o riso adicionado.
No início do século 21, os shows começaram a surgir sem nenhum riso, ao vivo ou falso. Ironicamente estes novos seriados sem as trilhas de risada começaram a receber todos os tipos de prêmios porque éramos vistos como uma forma mais sofisticada de humor. Hoje, os poucos programas que ainda usam faixas de risadas são menosprezados por isso. "Big Bang Theory", por exemplo recebeu muitas críticas por ter esse tipo de trilha de risada exagerada.
Em 1986, o filho de Charley, Bob, começou a experimentar um computador de áudio totalmente digital, como substituto do equipamento analógico inventado por seu pai. Em 1990, Bob usava esta versão personalizada do equipamento que tinha vários canais de amostras de áudio digital e uma interface de computador portátil para controle. Em 2003, a Caixa de Riso consistia em um dispositivo digital aproximadamente do tamanho de um laptop que continha centenas de sons humanos.
Em 1992, a Academia de Artes e Ciências da Televisão honrou Charley com um Emmy por "conquista técnica vitalícia". Ele morreu de pneumonia em 8 de abril de 2003 em Templeton, Califórnia, aos 93 anos.
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