Esta casa invadida por escorpiões no Brasil é um pesadelo feito realidade

Se os escorpionídeos te enojam, talvez não seja uma boa ideia assistir este vídeo. É intitulado "Um cara encontra milhares de escorpiões em uma casa abandonada" e o número lhe faz jus. Existem literalmente milhares desses aracnídeos cobrindo pisos, paredes e até tetos. É claro que temos perguntas e tentaremos respondê-las. Para começar, o vídeo não se parece com CGI, nem há relatos de que seja o trabalho de um artista 3D verdadeiramente talentoso. A voz no vídeo fala em brasileiro, mas não há outra indicação do local específico onde foi gravado.

O lugar, no entanto, é o de menos, porque todo o Brasil tem um sério problema com escorpiões há anos. No início de 2019, o pesquisador brasileiro Hamilton Coimbra Carvalho explicou no Conversation que os escorpiões experimentaram um aumento populacional tão exagerado que estão deixando seu habitat rural e invadindo grandes cidades brasileiras.

No Reddit, que é onde o vídeo apareceu originalmente, um usuário brincou que os escorpiões nada mais são do que a versão maligna das baratas, e o fato é que ele está certo. Embora os tenhamos associados ao deserto, os escorpiões têm uma notável capacidade de adaptação a qualquer habitat, e nas grandes cidades o habitat ideal para esses artrópodes é o mesmo que suas baratas já habitam: a rede de esgoto.

Conforme explicado em artigo da Bloomberg de novembro de 2019, parte do problema é o aquecimento global, mas tanto Coimbra Carvalho quanto outros pesquisadores alertam que o mau planejamento e execução de obras de saneamento no Brasil está piorando a situação.

De acordo com dados do Ministério da Saúde brasileiro, o número de casos de picadas de escorpião se multiplicou por 10 nos últimos anos. De 12.000 casos no ano 2000 passamos para 140.000 casos em 2018. A tendência continua a aumentar. Somente nos primeiros cinco meses de 2022, já foram registrados mais de 65 mil casos de picadas.

Para piorar ainda mais as coisas, isso não é exatamente uma mordida irritante. A espécie que lidera essa invasão é o escorpião-amarelo brasileiro (Tityus serrulatus). É o escorpião mais venenoso de toda a América Latina. Sua picada inocula uma neurotoxina que ataca o sistema nervoso e produz uma ampla gama de sintomas que vão desde febre, taquicardia, tremores e hipertensão até pancreatite, convulsões e coma.

A mortalidade por picada dessa espécie é baixa em adultos saudáveis, mas em idosos, crianças ou pessoas com problemas de saúde anteriores pode chegar a 2%. A morte geralmente ocorre por edema pulmonar ou insuficiência cardiorrespiratória entre 1 e 14 horas após a picada nestes grupos vulneráveis.

Sim, antes que você pergunte, todos os escorpiões nesse vídeo viral parecem pertencer à espécie Tityus serrulatus. As mortes por picadas de escorpião-amarelo aumentaram 76% nos últimos três anos. Nos primeiros cinco meses de 2022, 52 pessoas morreram devido a mordidas.

Nada disso responde à pergunta que muitos farão depois de assistir ao vídeo: como é possível que haja tantos escorpiões em uma casa? Que comem? As respostas a essas perguntas estão na biologia desses animais. Para começar, a questão da reprodução. O escorpião amarelo brasileiro se reproduz por partenogênese. Duas vezes por ano, as fêmeas põem entre 20 e 30 ovos e para esse processo não precisam de nenhum macho para fertilizá-las. Elas apenas clonam a si mesmas.

Há outro fator que explica por que existem tantos escorpiões em um espaço tão pequeno, mas é apenas uma hipótese. No vídeo você pode ouvir um fluxo de água nas proximidades, e a sala parece uma espécie de porão. É muito provável que o vídeo tenha sido gravado após uma tempestade que obrigou os escorpiões a deixar os esgotos em massa e buscar abrigo em solo seco.

Quanto à comida para essa comunidade de artrópodes, a primeira resposta é que não é incomum que os escorpiões se devorem entre si, mas eles também podem desacelerar seu metabolismo para passar semanas ou meses sem comer. Se a teoria do dilúvio estiver correta, os escorpiões do vídeo não precisam se alimentar porque acabaram de chegar lá. Eles só precisam esperar a água baixar e retornar ao seu habitat para se livrar das baratas.

O problema dos escorpiões urbanos no Brasil não parece que vai desaparecer tão cedo ou melhorar, mas com uma crise econômica geral e o orçamento para questões de saúde pública em declínio, parece que ninguém quer abordá-lo. Hamilton Coimbra Carvalho termina seu artigo dizendo que o escorpião é um problema que surgiu de outros -mudanças climáticas, pobreza, má gestão...-, e até se perguntando se será possível resolvê-lo. Até então, é bom que os habitantes de cidades como o Rio verifiquem suas casas bem antes de dormir para não encontrarem algo pior do que uma barata.