Por décadas, a grave poluição por chumbo produzida por uma antiga mina tem sido uma ameaça tóxica ao meio ambiente da pequena cidade zambiana de Kabwe. Muitas crianças estão em risco. Mesmo 30 anos após o fechamento da mina, o problema está longe de ser resolvido. Quando alguém chega em Kabwe, a primeira coisa que encontra é algo inesperado: normalidade. Ruas lotadas, carrinhos de mão, bicicletas. Centenas de alunos em uniformes azuis e brancos voltando para casa. Moradores vendendo maçãs e tangerinas na beira da estrada. A azáfama típica das cidades africanas. Mas ali bastante inesperado. |
A reputação de Kabwe a precede: os solos da cidade zambiana estão massivamente contaminados. Estudos e reportagens da mídia referem-se regularmente à cidade de Kabwe como a "cidade mais tóxica da África". A ONU fala de uma grave crise de saúde e direitos humanos. Na capital da Zâmbia, Lusaka, os moradores alertam para o "lugar abandonado" ou "cidade fantasma".
Como essas coisas se encaixam: o ambiente poluído por chumbo, onde as pessoas estão em risco agudo e a imagem de um cotidiano aparentemente despreocupado? Quando questionados, os moradores locais apenas dizem:
- "É fácil esquecer o perigo. É invisível."
A antiga mina. Esta é a razão pela qual Kabwe está no topo do ranking dos lugares mais contaminados do mundo. Já em 1904, chumbo, zinco e outros metais pesados começaram a ser extraídos ali sob o domínio colonial britânico. Às vezes, a mina era considerada a maior de seu tipo.
Até seu fechamento em 1994, o local da mina também abrigava uma fundição. A fundição era o problema real: como a proteção ambiental ou da saúde não era uma questão considerada importante por muito tempo durante a fundição dos metais, as chaminés expeliram fumaça tóxica não filtrada sobre a cidade por décadas. Como consequência, os solos dos bairros vizinhos tornaram-se cada vez mais tóxicos e o legado tóxico continua até hoje.
Estudos mostram que as concentrações de chumbo no solo de Kabwe permanecem altas mesmo 30 anos após o fechamento da mina. Essas concentrações de chumbo representam uma grave ameaça à saúde de muitos moradores. Pelo menos um terço da cidade é afetada, o que se traduz em quase 80.000 pessoas.
Os moradores mais jovens enfrentam as consequências mais dramáticas. Aqueles que sofrem de envenenamento crônico por chumbo quando crianças e não recebem tratamento médico podem esperar comprometimento cognitivo irreparável, dificuldades e déficits de aprendizado e danos nos órgãos.
Em Kabwe, esse risco é uma realidade para milhares de pessoas. Nos bairros próximos à mina, 95% de todas as crianças têm níveis de chumbo no sangue muito altos, de acordo com um estudo de 2018. Cerca de metade dessas crianças precisa urgentemente de cuidados médicos.
Intervenções bem-sucedidas em outros locais anteriormente contaminados por chumbo, por exemplo, nos Estados Unidos ou no Vietnã, mostraram que uma solução de longo prazo requer a implementação de toda uma série de medidas. Estes incluem projetos de descontaminação, como a remoção de solo contaminado e o estabelecimento de plantas especiais que ligam o chumbo. Inclui proteger rejeitos de minas e minimizar a poluição por poeira de estradas e trilhas pavimentadas. Requer acesso a cuidados de saúde, bom acompanhamento médico e tratamento das pessoas afetadas.
Uma caminhada entre o centro da cidade à área da antiga mina, rapidamente fica claro que tais medidas não foram encontradas. É verdade que nos últimos anos as organizações de desenvolvimento reabilitaram jardins e praças contaminados ao longo de algumas ruas e escolas. O Banco Mundial pavimentou algumas estradas, realizou campanhas de educação e melhorou os cuidados médicos. No geral, no entanto, muito permanece fragmentado.
Nas dezenas de estradas não pavimentadas que atravessam os bairros contaminados, todos os carros espalham poeira tóxica pela área. Muitos projetos de revegetação pararam durante a estação seca. Em alguns dos bairros particularmente atingidos, novas casas foram construídas nos últimos anos.
Uma visita à mina não faz nada para mudar esse quadro sombrio. Ali, poços enferrujados emergem entre casas de tijolos meio arruinadas. Perto dali, árvores com folhas esqueléticas estão cobertas com grossas camadas de poeira poluída por chumbo.
Há alguns anos, partes da usina, com mais de 100 anos, voltaram a operar. Um consórcio estrangeiro está processando os resíduos da mina, que ao longo de décadas se acumularam em um monte enorme. Alegadamente, isso está sendo feito de acordo com as normas internacionais, incluindo as relativas à proteção ambiental.
Uma visita pessoal à usina é suficiente para lançar dúvidas sobre isso. Embora o depósito de lixo tenha sido cercado, ele não é coberto. A poeira contaminada continua a soprar para as áreas residenciais próximas. Uma carregadeira de rodas despeja os resíduos da mina em um campo aberto. Junto ao local existem vestígios inconfundíveis de escavações ilegais por parte de mineiros de pequena escala.
Nesse ponto é difícil não se perguntar por que a cidade, quase 30 anos após o fechamento da mina, está tão longe de controlar a poluição? Por que uma limpeza abrangente para tirar o chumbo do chão nunca aconteceu?
O homem que sabe a resposta para isso é Namo Chuma. O chefe da organização não-governamental Environment Africa que lida com esse legado de chumbo tóxico nos solos de Kabwe há oito anos. A verdade é que, diz ele, as pessoas não estão cientes do problema há tanto tempo.
- "Há cerca de 10 anos, poucas pessoas sabiam a gravidade da situação em Kabwe", observa. - "Desde então, certamente houve progressos. As pessoas agora estão cientes da crise."
Claro, isso não é suficiente, diz Namo. Um olhar sobre a extensão da poluição torna óbvio que a resolução do problema levará tempo. O que ele quer dizer fica claro quando você olha para um mapa da cidade. Só Makululu, um dos bairros mais afetados de Kabwe, cobre uma área de mais de 1.000 campos de futebol.
- "No fundo é também uma questão de recursos financeiros. É isso que determina se algo pode ser feito e com que rapidez", diz Namo.
No entanto, muitos em Kabwe acreditam que o governo em Lusaka há muito simplesmente não tem vontade política para lidar com a poluição por chumbo mais seriamente. Um funcionário de uma organização de ajuda diz que o problema foi primeiro abafado, e depois deixado para as organizações internacionais de ajuda. Essa ignorância por parte da elite política permitiu que a população subestimasse o perigo por muito tempo. A maioria pensou:
- "Por que isso deveria ser um problema para mim se o governo não vê isso como tal?"
O solo em Kabwe permanecerá assim envenenado nos próximos anos? Não necessariamente. Atualmente, há duas coisas em particular que dão esperança na cidade. Primeiro, há o novo governo em Lusaka. Com o novo presidente, Hakainde Hichilema, o problema de Kabwe finalmente parece estar chamando a atenção nos círculos políticos da Zâmbia.
O parlamento da Zâmbia abordou a questão da poluição por chumbo na cidade pela primeira vez no início de 2022. No início de junho, um novo comitê formado pelo presidente finalmente se reuniu para mapear como seria uma solução abrangente para o problema.
- "A vontade política que faltava antes agora está lá", diz Namo.
A segunda esperança diz respeito a um processo judicial na África do Sul. Em nome de milhares de famílias afetadas pela poluição por chumbo em Kabwe, organizações de direitos humanos entraram com uma ação em Joanesburgo contra a empresa sul-africana Anglo American. Essa empresa operou a mina em Kabwe por mais tempo e com mais intensidade do que qualquer outra no século passado. Espera-se que o tribunal decida nos próximos meses se permitirá que a ação coletiva avance.
No caso de uma sentença contra a empresa -ou no caso de um acordo extrajudicial- os pagamentos de compensação fluiriam para Kabwe. No entanto, uma decisão desse tipo na África do Sul também enviaria um sinal importante. Empresas de todo o mundo estiveram envolvidas nesta mina. Esta grave poluição por chumbo não é apenas um problema zambiano, senão que de muitas nações
colonialistas europeias.
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