![]() | Ex-detentos falaram como foram sistematicamente estuprados e torturados em prisões russas. Imagens vazadas de tal abuso foram divulgadas por uma fonte no ano passado, e agora as vítimas disseram por que isso acontece e como estão lutando por justiça. O hospital prisional de Saratov, no sudoeste da Rússia, chamou a atenção do público no ano passado quando vídeos de horríveis abusos contra prisioneiros vazaram para uma organização de direitos humanos e foram divulgados pela mídia internacional. Aviso de conteúdo: este artigo discute a violação sexual nas prisões russas. |

- "Eles me obrigaram a colocar seus genitais na minha boca, para chupar", disse um detento de uma das colônias correcionais da Rússia ao Novaya Gazeta em uma entrevista em outubro de 2021. - "Eles diziam: Se você não fizer isso, nós vamos te queimar e culpar [sua morte] por um ataque cardíaco. À noite, eu chorava principalmente de dor emocional do que física."
O detento anônimo, que foi estuprado por seus companheiros de prisão por incitação de agentes da lei, não foi a única vítima de abuso sexual em centros de detenção russos. Em 5 de outubro daquele ano, o grupo de direitos humanos Gulagu.net publicou imagens de tortura e abuso sexual em várias prisões russas.
A ONG disse que tinha 40 gigabytes de clipes, documentos e fotos de indivíduos encarcerados sendo estuprados e torturados. Um ex-detento, Sergey Savelyev, vazou os arquivos depois de trabalhar como especialista em TI e codificador nas redes de CFTV do Hospital Regional de Tuberculose nº 1 do Serviço Penitenciário Federal e entregou para Gulagu.net, que começou então a publicar os clipes.
O abuso sexual como meio de torturar detentos para obter informações ou para o prazer sádico das autoridades não é um problema apenas na Rússia. O relatório da Organização Mundial da Saúde de Jen Modvig sobre violência, abuso sexual e tortura nas prisões estimou que cerca de 20% dos presos sofrem violência sexual nas mãos de outros presos e cerca de 25% nas mãos das autoridades.
O hospital prisional de Saratov, no sudoeste da Rússia, chamou a atenção do público quando esses vídeos de horríveis abusos contra prisioneiros vazaram para a Gulagu.net. Alexei Makarov conhecia sua reputação antes de ser transferido para lá em 2018 como parte de uma sentença de seis anos por agressão. Prisioneiros que são enviados para Saratov de outras prisões da região reclamaram que bases médicas foram fabricadas para que pudessem ser torturados a portas fechadas. As prisões russas quase não têm supervisão independente, e os hospitais prisionais -com suas regras de quarentena sanitária- menos ainda.
Makarov estava genuinamente doente -ele havia sido diagnosticado com tuberculose- e esperava ser poupado. Mas ele diz que foi estuprado duas vezes durante seu tempo lá. Vítimas e especialistas dizem que o abuso -ao qual Makarov e outros foram submetidos- é sempre sancionado pelas autoridades prisionais e é usado para chantagear os presos, intimidá-los ou forçar confissões.
O vazamento forçou o governo russo a responder ao escândalo de tortura do país. A tortura foi relatada em 90% das regiões da Rússia entre 2015 e 2019, de acordo com o projeto de mídia russo independente Proekt. Mas a ação tem sido lenta.
A BBC analisou milhares de documentos judiciais que datam desse período e descobriu que 41 membros do serviço penitenciário foram condenados nos mais graves julgamentos de abuso de prisioneiros. Mas quase metade deles recebeu apenas sentenças suspensas.
A primeira vez que Makarov foi torturado foi em fevereiro de 2020, diz ele. Ele se recusou a confessar um suposto complô contra a administração da prisão e três homens o submeteram a abusos sexuais violentos contínuos, contou.
- "Por 10 minutos eles me bateram, rasgaram minhas roupas. E, digamos, nas próximas duas horas eles me estupraram a cada dois minutos com cabos de vassoura", lembrou Makarov. - "Quando eu desmaiava, eles me jogavam água fria e me jogavam de volta na mesa."
Dois meses depois, aconteceu novamente. Ele foi coagido a pagar 50.000 rublos (4.300 reais) a seus agressores e diz que foi estuprado na tentativa de mantê-lo quieto sobre isso. Segundo contou seu abuso na prisão foi filmada. Música era tocada a todo volume durante os episódios de tortura, diz Makarov, para disfarçar os gritos. Os presos sabem que as imagens humilhantes podem ser compartilhadas com toda a prisão se não cumprirem as exigências.
Os torturadores eram outros presos, que -Makarov e outros estão certos- agiram sob as instruções dos chefes da prisão. Os prisioneiros que cometem os abusos são, em regra, aqueles que foram condenados por crimes violentos e, portanto, estão cumprindo longas sentenças. Como tal, eles estão interessados em agradar as autoridades para receberem tratamento melhor. Esses prisioneiros são conhecidos como "pressovschiki".
Após o vazamento das provas, seis pressovschiki foram transladados a prisões de segurança máxima, mas negaram estar envolvidos. Dois meses depois, o diretor do hospital prisional de Saratov e seu vice também foram presos, mas ambos negaram qualquer ligação com os abusos mostrados nos vídeos.
No entanto, o maior escândalo de tortura no país até hoje ocorreu na região siberiana de Irkutsk. Após um protesto na primavera de 2020 na Prisão 15 em Angarsk, perto da cidade de Irkutsk, as autoridades enviaram o esquadrão de choque. Centenas de prisioneiros foram detidos e levados para dois centros de detenção onde agentes penitenciários esperavam com pressovschiki.
Um dos que diz ter sido torturado no centro, Denis Pokusaev, que cumpria uma pena de três anos por fraude, diz que os funcionários da prisão foram claros sobre o motivo de serem punidos.
- "Eles me disseram: 'Você acha que nós nos importamos se você é culpado ou não? Você veio de um motim - então você vai ser responsabilizado por isso.'"
Pokusaev está entre os cerca de 30 homens que conquistaram o direito de serem legalmente reconhecidos como vítimas do incidente e um dos poucos preparados para testemunhar no tribunal. Espera-se que vários julgamentos resultem da investigação. No caso de Denis, ele e um punhado de outros presos estão prontos para depor contra dois funcionários da prisão, nenhum dos quais aceitou as acusações contra eles.
Pokusaev diz que ainda está assombrado pelo que aconteceu com ele.
- "Venho a uma floresta ao lado de nossa casa quase todos os dias. E grito obscenidades, grito tudo isso para não guardar isso dentro de mim."
Mas ele está determinado a tentar obter justiça. Ele acredita que isso é possível se as pessoas forem corajosas o suficiente para falar.
Alguns desses presos russos falaram com a BBC sobre torturas e estupros sistemáticos que sofreram em prisões do país, depois do vazamento no ano passado. O repórter da BBC Eye Oleg Boldyrev investigou o que realmente acontece nas prisões russas.
Na reportagem mostrada acima ele descobre como Sergey Savelyev conseguiu deixar a prisão com imagens das câmeras acopladas nos corpos dos agentes penitenciários e entregou ao diretor da Gulagu.net, Vladimir Osechkin. Elas revelam a extensão de um problema que não é desconhecido do público, mas cujas imagens nunca haviam sido reveladas antes.
Na época do escândalo, Putin substituiu o chefe do serviço penitenciário nacional e anunciou que "medidas sistemáticas" eram necessárias para promover mudanças. A lei do país foi alterada no mês passado para introduzir punições severas para o uso de tortura como meio de abuso de poder ou extração de provas. Mas ativistas de direitos humanos enfatizam que a tortura como um crime independente ainda não é criminalizada na Rússia.
Não é a primeira vez que Putin promete mudanças. Ele fez uma promessa semelhante, após o primeiro vazamento chocante de tais imagens, em 2018, que mostrava guardas realizando espancamentos em massa em uma prisão em Yaroslavl, ao norte de Moscou. Onze funcionários da prisão de Yaroslavl receberam sentenças mínimas em 2020 e seus dois chefes foram absolvidos.
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